Hussein Kalout: Perda de apoio dos EUA para ingresso em OCDE mostra fragilidade de aliança Trump- Bolsonaro

11/10/2019 | Política

A administração norte-americana indicou a Argentina e a Romênia como países prioritários em sua comunicação oficial ao secretariado da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

Revista Época 10/10/2019

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Quando o Brasil encaminhou o seu pedido de acessão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ainda no governo do presidente Michel Temer, a avaliação que se fazia era que o processo seria longo e complexo. Havia consenso no governo e entre outros atores do setor privado que se tratava de um passo importante para o aperfeiçoamento das políticas públicas e para criar ambiente mais próspero aos negócios, aos investimentos e ao aumento da competitividade da economia e do sistema produtivo nacional. 

No governo Bolsonaro, a expectativa ganhou contornos de euforia. Durante a visita do presidente a Washington, o líder americano expressou a sua intenção de apoiar a postulação brasileira de acessão à OCDE. Dava-se como certo que o Brasil havia sido alçado ao patamar de parceiro estratégico e, nesse sentido, passaria a ocupar posição de destaque na lista de prioridades da Casa Branca. Ledo engano, ao menos por ora.

Recentemente, o Secretário-Geral da OCDE, José Ángel Gurría , solicitou aos países membros a indicação de dois países preferenciais para futuras adesões. Apesar da promessa feita ao presidente brasileiro, a administração Trump indicou a Argentina e a Romênia como países prioritários em sua comunicação oficial ao secretariado da OCDE.

Como observador, é possível derivar algumas conclusões desse processo. Primeiro, o suposto “alinhamento” da administração Bolsonaro aos EUA ainda não é decodificado, em Washington, como esforço suficiente para o Brasil substituir nem mesmo a Argentina no hall de prioridades do governo Trump. O Brasil segue sendo visto como um concorrente econômico-comercial e, em algumas searas, como competidor direto dos EUA.

Esse episódio demonstra que o presidente americano ainda não se sentiu seduzido por Bolsonaro e por seu núcleo ideológico seja na prática ou na retórica — apesar de todas as juras e concessões já feitas até aqui. Os mais afoitos, em seu afã de agradar Trump, dirão que é preciso paciência e que os ganhos virão, inclusive por meio de um incerto acordo de livre-comércio que, ao que tudo indica, a administração americana não vê como alternativa de curto prazo. Sabe-se que o ímpeto livre-cambista não é bem o que caracteriza os responsáveis pela política comercial dos Estados Unidos.

A designação do Brasil como aliado preferencial extra-OTAN e até mesmo a aludida simpatia pela pretensão do Brasil de ingressar na OCDE são, no fundo, movimentos táticos de custo zero para Washington — apenas a ampliação da cota de importação de etanol americano em 25%, feita a toque de caixa pelo ministério da economia, já pagou mais que os vagos gestos simbólicos. Esse tipo de concessão, assim como a disposição de abrir mão do tratamento especial e diferenciado na OMC, não deveria ser condição para criar uma vaga boa-vontade, mas alavanca para obter resultados mais concretos e palpáveis.

Corremos o risco de trocar concessões reais, com custos que podem ser contabilizados, por ouro de tolo. Pagamos com a moeda de reserva, o dólar, mas ficamos com dinheiro do jogo “Banco Imobiliário”. Esse padrão de relacionamento, é bom que as nossas autoridades se deem conta, não é sustentável no mundo real da política, em que interesses econômicos e comerciais dão as cartas. Sem ganhos reais, a estratégia está fadada a terminar em retumbante fracasso. E não há juras de amor eterno, retórica de valores compartilhados e compromissos altissonantes de promoção das liberdades que possam resolver essa equação.

Apesar do cenário eleitoral apontar a clara volta do kirchnerismo ao poder, Washington, mesmo assim, decidiu confiar sua preferência à Argentina. Trata-se de um movimento estratégico bem calculado e perspicaz. De olho na animosidade entre o governo Bolsonaro e Alberto Fernández, possível mandatário do país, o gesto americano consiste em manter Buenos Aires mais próxima da Casa Branca do que do Palácio do Planalto. Assim, pode extrair vantagens de ambos os países.

Por outro lado, os franceses são categoricamente contra — se não abertamente, ao menos nos bastidores — ao ingresso do Brasil na OCDE. O efeito colateral do embate direto com o presidente francês já pode ser mensurado em prejuízo concreto aos interesses estratégicos do Brasil. Há, ainda, outros países europeus que se opõem ao ingresso brasileiro, como os Países Baixos, em virtude de controvérsias envolvendo o Porto de Suape, em Pernambuco. Outros talvez tenham objeções que ainda não são conhecidas, mas o fato é que basta um país para paralisar o processo de acessão de um novo membro na organização.

Sem o apoio real dos países mais influentes da organização nada avançará. O cenário que se desenha é que nos próximos anos, ou ao menos até 2022, o processo de acessão estará imobilizado. É verdade que Trump deu uma mãozinha a Bolsonaro no G7, ainda que os franceses jurem que não estavam tramando nenhuma sanção ao Brasil. Mais uma vez, o gesto do nosso “parceiro estratégico” teve custo baixíssimo, acostumado que está o líder americano a comprar brigas muito mais sérias quando quer defender seu próprio interesse.

A guinada que se pretende impor no padrão das relações entre o Brasil e os Estados Unidos não deveria se distanciar da permanente busca do equilíbrio. Nada contra a aproximação com os EUA, que é mais do que bem-vinda, mas os próximos passos ou o suposto “alinhamento” precisam ser recalculados por Brasília. Gestos de certo simbolismo político não resolvem os problemas mais prementes do país e, especialmente, do cidadão brasileiro — seja por inexperiência ou por imaturidade, tais gestos podem, no máximo, lustrar o ego de alguns integrantes da Esplanada. 

A política externa não pode ser embasada em ideais imaginários e nem em amores platônicos. É preciso estar amparada numa matriz real de interesses e com ganhos concretos.  

Hussein Kalout é cientista político, professor de relações internacionais, pesquisador da Universidade Harvard e Integra o Advisory Board da Harvard International Review . Foi senior fellow do Center for Strategic and International Studies (CSIS) em Washington DC e consultor da ONU e do Banco Mundial. Serviu como secretário especial de assuntos estratégicos da Presidência da República (2017-2018). Cofundador do Movimento Agora!, foi membro do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e presidente da Comissão Nacional de Populações e Desenvolvimento (CNPD)