29. A carga tributária no Brasil cresceu 6,47% do PIB no governo FHC e apenas 1,56% do PIB com Lula e Dilma em 12 anos

01/07/2015 | Brasil 1994/2014

Não temos no Brasil uma série histórica sobre a carga tributária que seja uma referência única para as análises econômicas. Muitas vezes até mesmo órgãos governamentais divulgam dados divergentes. Nossa referência para este estudo, o IPEA, através do Ipeadata, não tem sequer uma série histórica sobre a tributação no Brasil. Assim, montamos a primeira tabela deste estudo reunindo os dados sobre a arrecadação tributária da Receita Federal e confrontamos com os dados atualizados do IBGE sobre o PIB e calculamos a carga tributária enquanto proporção do PIB. 

Nossa referência na análise dos governos do PSDB é 1993, quando Fernando Henrique tomou posse como ministro da Fazenda de Itamar Franco. Se os tucanos, com razão, reivindicam um grande protagonismo na formulação do Plano Real, devem assumir integralmente também o restante da política econômica de Itamar Franco, quando deram início a um aumento violento da carga tributária no Brasil. Em 1993, a carga tributária no Brasil era de 25,72% do PIB e fechou em 2002 com 32,19%, um aumento de 6,47% do PIB. Com a revisão da série histórica do PIB nos últimos anos, de acordo com padrões internacionais, aconteceu um aumento real das taxas de crescimento especialmente no governo Dilma, o que desinflou indicadores calculados com base no PIB, como é caso da carga tributária. Resultado disso, é que nas nossas contas, a carga tributária nos governos do PT passou de 32,19% para 33,75% do PIB, um aumento pequeno de apenas 1,56% do PIB. 

Estes números desmentem teorias simplistas que caracterizam o neoliberalismo de Estado mínimo. Não é bem assim. O que os liberais querem é Estado mínimo nos gastos sociais, mas não têm maiores contradições com aumentos da carga tributária quando se trata de o Estado honrar seus compromissos financeiros crescentes com o mercado financeiro, que não é um ente autônomo mas está integrado aos capitais ditos produtivos, que fazem parte de uma ampla coligação dos juros altos.  

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A orientação da política tributária de FHC foi clara: o caminho do aumento da carga tributária foi através da criação e aumento das chamadas contribuições sociais, como CPMF, CIDE e COFINS. Na questão fiscal, os tucanos e pefelistas implodiram o pacto federativo, que tem na justa alocação dos recursos tributários para a União, Estados e Municípios um de seus pilares fundamentais. De acordo com a Constituição Federal de 1988, a União só reparte com os Estados (Fundo de Participação dos Estados) e com os Municípios (Fundo de Participação dos Municípios) a receita tributária relativa aos impostos; já a receita tributária com contribuições sociais é exclusivamente da União. O aumento da carga tributária na era FHC foi conseguido, como vimos, com a criação e/ou aumento de alíquotas de contribuições sociais, o que acabou inflando artificialmente o orçamento da Seguridade Social, que passou a apresentar enormes “superávits”. 

Grande parte da esquerda nunca compreendeu essa manobra do governo Fernando Henrique e passou a denunciar os “desvios” do orçamento da Seguridade Social como explicação de sua crise financeira. Tratava-se de um erro elementar: se o nível de desemprego bateu todos os recordes históricos; se cresceu enormemente a precarização do trabalho (emprego sem carteira assinada, falsas cooperativas, falsos estágios, falso trabalho autônomo, terceirização); se os salários dos trabalhadores desde 1997 estiveram ladeira abaixo; se a remuneração sofreu enorme flexibilização, em muitos casos com o apoio dos sindicatos, com a adoção de verbas sobre as quais não se desconta Previdência (planos de saúde, planos de previdência, vale-transporte, vale-alimentação, abonos, PLR, etc), como poderia a Previdência, cuja receita depende completamente do mercado formal de trabalho não flexibilizado, estar com o caixa sobrando recursos? Na verdade, a Previdência Social foi a expressão acabada de duas décadas perdidas: suas receitas foram dilaceradas pela estagnação econômica e pelo desemprego, que desequilibraram suas contas com as despesas sociais fundamentais para combater a crescente miséria imposta por essa mesma estagnação. Portanto, a Seguridade Social foi transformada numa instituição “testa-de-ferro” do governo FHC: teve suas receitas agigantadas, em grande medida, não para melhorar a Previdência, a saúde e a assistência social, mas como forma de desvincular Estados e Municípios e viabilizar o pagamento dos crescentes encargos da dívida pública. Como 60% dos recursos de Estados e Municípios são aplicados em gastos de pessoal, o gigantesco “superávit” da Seguridade Social foi conseguido com a desvinculação de salários de servidores estaduais e municipais. É isso que explica porque os gastos de pessoal dos servidores federais são muito abaixo do limite legal e, nos Estados e municípios, quase sempre, se está no limite permitido pela Lei Fiscal.  

Com Lula e Dilma, o crescimento da carga tributária foi menor e não se deveu a mais impostos, mas ao alargamento do número de contribuintes e ao aumento dos lucros das empresas. Recorde-se que Lula perdeu a CPMF que chegou a representar 1,5% do PIB no governo FHC. Assim, a melhoria da arrecadação federal se explica pelo forte avanço do emprego formal e das contribuições vinculadas à folha de salários (Previdência, FGTS, PIS-PASEP), responsáveis pelo aumento da carga tributária; pelo maior dinamismo da economia, que impactou positivamente na renda e no lucro das empresas (IR das pessoas físicas e jurídicas e a CSLL). Estes são os fatos que a oposição e a grande mídia procuram esconder. FHC, com a economia estagnada, cobrou mais dos mesmos. Lula e Dilma criaram as condições para o alargamento do número de contribuintes e para a maior lucratividade das empresas.

Carga tributária: comparação internacional 

Uma análise da Receita Federal sobre a carga tributária no mundo alerta, com razão, para algumas particularidades: “As comparações dos valores de carga tributária nacional com as de outros países devem ser feitas com cuidado, pois algumas espécies tributárias existentes em um país podem não existir em outros. Um exemplo é a previdência, que em alguns países é privada, não fazendo parte da carga tributária. No caso do Brasil, há que se considerar, além da complexidade de um sistema federativo com três esferas de Governo - cada um com sua competência tributária, a magnitude dos serviços que o Estado pretende prover à população. A carga atual está determinada pelo orçamento e, do ponto de vista legislativo, não tem havido medidas no sentido de aumentá-la, pelo contrário, sucessivas medidas de desoneração têm sido aprovadas. A tabela abaixo apresenta, a título ilustrativo, uma comparação da carga tributária nacional com a de alguns países da OCDE”. (Carga tributária no Brasil, 2013). 

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Estas ressalvas da Receita Federal são importantes. Primeira: muitos países onde a previdência e também a saúde são privadas (todo o sistema ou grande parte dele), as contribuições são obrigatórias. São políticas financiadas, portanto por “impostos privados”, que os analistas e órgãos de pesquisa não contabilizam como carga tributária. Isto acaba subestimando a tributação em muitos países, como nos casos dos Estados Unidos, Chile, Reino Unido e em diversos outros da América Latina que implementaram o modelo chileno. Outros países tem carga tributária baixa porque não tem, como a Receita Federal afirma em relação ao Brasil, “a magnitude dos serviços que o Estado pretende prover à população”. Muitos países latino-americanos e asiáticos  não tem previdência, saúde e outros serviços públicos, e, quando têm, são limitadíssimos em seu alcance social. 

Continua o estudo da Receita Federal com a citação de cinco tabelas: “Quando se compara a tributação por base de incidência, observa-se que para a base Renda o Brasil tributa menos do que a média dos países da OCDE, enquanto que para a base Bens e Serviços, tributa mais. Com relação às bases Folha de Salários e Propriedade, não se observam diferenças significativas entre o Brasil e a média dos países membros da OCDE”. 

Os números apresentados pela Receita Federal são os seguintes: a) carga tributária sobre a renda, lucro e ganhos de capital é de 6,4% no Brasil e, em média, de 12,2% na OCDE; b) na folha de salários a tributação é praticamente a mesma, sendo de 9,2% e de 9,8%; c) a carga tributária sobre bens e serviços é de 18,8% no Brasil e de 11,6% na OCDE; d) e, finalmente, a carga tributária sobre a propriedade é de 1,4% no Brasil e de 1,9% na OCDE, sendo que em alguns países importantes ela é muito maior: Reino Unido (4,2%), França (3,9%), Estados Unidos (3,0%).  

A esquerda brasileira subestima os gastos sociais 

A esquerda brasileira subestima os gastos públicos não financeiros, especialmente os gastos sociais nas políticas públicas de previdência, assistência social, sistema de emprego, saúde, educação, segurança pública, dentre outros. Não são poucos os segmentos que tratam o Brasil como um paraíso do capital financeiro, que estaria muito aquém de outros países com governos mais avançados. Não é bem assim. Pratica-se no Brasil, de fato, gastos financeiros muito acima de outros países, mesmo daqueles que tem governos de orientação neoliberal, como Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Japão, dentre outros. 

Para se analisar com um mínimo de critérios, os gastos sociais é preciso discutir os gastos não financeiros de cada país, que é resultado de sua carga tributária mais o déficit público, deduzido os gastos com os juros da dívida pública. Temos no Brasil uma carga tributária de aproximadamente 34% do PIB e um déficit público de 6%, o que totaliza 40% do PIB em gastos públicos. Os gastos não financeiros do Estado brasileiro, deduzindo os 6% que se paga de juros, é de aproximadamente 34% do PIB. Na América Latina e entre os BRICS somente a Argentina tem gastos públicos equivalentes ao do Brasil. A maioria dos países, que gastam de 1,5% a 2% com juros de suas dívidas, tem gastos públicos não financeiros que se situam entre 40% a 70% do que temos em nosso país. Ou seja, a maioria dos países emergentes, mesmo quando governados pela esquerda, praticam taxas de juros mais baixas, mas cobram poucos impostos, o que faz com que os gastos não financeiros sejam baixos.  

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Autoria: A série “Brasil 1994/2014” é de autoria de José Prata Araújo, economista mineiro. Veja outros posts da série no site www.mariliacampos.com.br, seção “Brasil 1994/2014”.