8.“Minas Gerais é muitas”. Veja algumas passagens históricas do livro “Ave, Palavra” do escritor Guimarães Rosa
MINAS GERAIS É UMA MONTANHA, montanhas, o espaço erguido, a constante emergência, a verticalidade esconsa, o esforço estático; a suspensa região – que se escala. Atrás de muralhas, através de desfiladeiros – passa um, passa dois, passa quatro, passa três...- por caminhos retorcidos, ela começa, como um desafio de serenidade. Aguarda-nos amparada, dada em neblinas, coroada de frimas, aspada de epítetos: Alterosas, Estado montanhês, Estado mediterrâneo, Centro, Chave da Abóboda, Suíça brasileira, Coração do Brasil, Capitania do Ouro, a Heróica Província. O quanto que envaidece e intranqüiliza, entidade tão vasta, feita de celebridade e lucidez, de cordilheira e História. De que jeito dizê-la? MINAS: patriazinha. Minas – a gente olha, se lembra, sente, pensa. Minas – a gente não sabe.
Sobre o que, em seu território, ela ajunta de tudo, os extremos, delimita, aproxima, propõe transição, une ou mistura: no clima, na flora, na fauna, nos costumes, na geografia, lá se dão encontro, concordemente, as diferentes partes do Brasil. Seu orbe é uma pequena síntese, uma encruzilhada; pois Minas Gerais é muitas. São, pelo menos, várias Minas.
Só e no mais: sem ti, jamais nunca! Minas, Minas Gerais, inconfidente, brasileira, paulista, emboaba, lírica e sábia, lendária, épica, mágica, diamantina, aurífera, ferrífera, ferrosa, férrica, balneária, hidromineral, jê, puri, acroá, goitacá, goianá, cafeeira, agrária, barroca, luzia, árcade, alpestre, rupestre, campestre, de el-rei, das minas, do ouro das minas, das pretas minas, negreira, mandingueira, moçambiqueira, conga, dos templos, santeira, quaresmeira, processional, granítica de ouro em ferro, siderúrgica, calcária, das pirambeiras, serrana bela, idílica, ilógica, translógica, supralógica, intemporal, interna, leiteira, do leite e da vaca, das artes de Deus, do caos claro, malasarte, conjuradora, adversa ao fácil, tijucana, januária, peluda, baeteira, tapiocana, catrumana, fabril, industriosa, industrial, fria, arcaica, mítica, enigmática, asiática, assombrada, salubre e salutar, assobradada, municipal, municipalíssima, paroquial, marília e heliodora, de perda-sabão, de hematita compacta, da sabedoria, de Borba Gato, Minas João-pinheira, Minas plural, dos horizontes, de terra antiga, das lapas e cavernas, da Gruta de Maquiné, do Homem de Lagoa Santa, de Vila Rica, franciscana, barranqueira, bandoleira, pecuária, retraída, canônica, sertaneja, jagunça, clássica, mariana, claustral, humanista, política, sigilosa, estudiosa, comum, formiga e cigarra, labiríntica, pública e fechada, no alto afundada, toucinheira, metalúrgica, de liteira, mateira, missionária, benta e cincunsisa, tropeira, borracheira, mangabeira, camboieira, rural, ladina, citadina, devota, cigana, amealhadora, mineral e intelectual, espiritual, arrieira, boiadeira, urucuiana, cordisburguesa, paraopebana, fluminense-das-velhas, barbacenense, leopoldinense, além-paraibana, itaguarense, curvelana, belorizontina, do ar, do lar, da saudade, doceira, do queijo, do tutu, do milho e do porco, do angu, do frango com quiabo, Minas magra, capioa, enxuta, groteira, garimpeira, sussurrada, sibilaba, Minas plenária, imo e âmago, chapadeira, veredeira, zebuzeira, burreira, bovina, vacum, forjadora, nativa, simplíssima, sabida, sem desordem, sem inveja, sem realce, tempestiva, legalista, legal, governista, revoltosa, vaqueira, geralista, generalista, de não navios, de não ver navios, longe do mar, Minas sem mar, Minas em mim: Minas comigo. Minas.
Trecho do livro Ave, Palavra
Guimarães Rosa