A carga tributária no Brasil e no mundo e a base de incidência: consumo, renda, propriedade e folha salarial

17/06/2016 | Cultura política

Discutimos neste post, a partir de estudos principalmente da Receita Federal, a carga tributária no Brasil e no mundo; as bases de incidência da tributação; as diferenças na carga tributária per capita em dólares no Brasil e em outros países e a evolução da carga tributária no Brasil. 

Carga tributária do Brasil é igual a da OCDE, mas composição é distinta

A carga tributária no Brasil, como pode ser visto na tabela a seguir, foi de 33,7% do Produto Interno Bruto – PIB em 2013, percentual próximo à média da  Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 35%. A OCDE é uma organização internacional de 34 países, sendo que a maioria dos membros é composta por economias com um elevado PIB per capita e Índice de Desenvolvimento Humano e são considerados países desenvolvidos.

Estudos da Receita Federal alertam que as comparações de carga tributária com as de outros países devem ser feitas com cuidado, pois algumas espécies tributárias que existem em um país podem não existir em outros. Um exemplo é a previdência, que em alguns países é privada, não fazendo parte da carga tributária. Esta ressalva é importante. Muitos países onde a previdência e também a saúde são privadas (todo o sistema ou grande parte dele), as contribuições são obrigatórias. São políticas financiadas, portanto por “impostos privados”, que os analistas e órgãos de pesquisa não contabilizam como carga tributária. Isto acaba subestimando a tributação em muitos países, como nos casos dos Estados Unidos, Chile e Reino Unido. 

Continua o estudo da Receita Federal: “Quando se compara a tributação por base de incidência, observa-se que para a base Renda o Brasil tributa menos do que a média dos países da OCDE, enquanto que para a base Bens e Serviços, tributa mais. Com relação às bases Folha de Salários e Propriedade, não se observam diferenças significativas entre o Brasil e a média dos países membros da OCDE”. 

Carga tributária no Brasil é regressiva, porque é concentrada no consumo

Os números apresentados pela Receita Federal são os seguintes: a) carga tributária sobre a renda, lucro e ganhos de capital é de 6,1% no Brasil e, em média, de 11,7% na OCDE; b) na folha de salários a tributação é praticamente a mesma, sendo de 8,5% e de 9,6%; c) a carga tributária sobre bens e serviços é de 17,9% no Brasil e de 11,5% na OCDE; d) e, finalmente, a carga tributária sobre a propriedade é de 1,3% no Brasil e de 1,9% na OCDE, sendo que em alguns países importantes ela é muito maior: Reino Unido (4,1%), França (3,8%), Estados Unidos (2,8%). Veja a tabela a seguir. 

Os dados da Receita Federal e do IPEA, como veremos a seguir, indicam que no Brasil os pobres pagam mais impostos (enquanto percentual da renda); a classe média paga mais imposto de renda e milionários são os menos tributados. Os pobres pagam mais impostos porque a tributação é majoritariamente sobre o consumo e repassada aos preços e também sobre a folha de salários, sendo 2/3 do custeio da previdência é de responsabilidade das empresas, que também repassam aos preços. Sobre o imposto de renda, estudos do IPEA, divulgados pelo jornal Valor Econômico, indicam que a classe média paga o dobro de imposto de renda dos milionários, donos de grandes empresas no Brasil. Segundo estes estudos, quem recebe de 10 a 20 salários mínimos contribui com imposto de renda com 8,94% de sua renda; quem recebe de 20 a 40 salários mínimos, a tributação da renda chega a 11,96%; de 40 a 80 salários mínimos, a tributação sobre a renda atinge 11,13%; e os mais ricos, com renda acima de 160 salários mínimos, são tributados em apenas 6,51%. 

Carga tributária nos países da OCDE e seus componentes – 2013 - % PIB

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  Fonte: OCDE

Brasil tem carga tributária de 1º mundo e serviços públicos de 5º mundo?

Não existe termo de comparação do Estado do Bem Estar Social brasileiro com o que existe na Europa. É muito comum que alguns analistas afirmem que temos carga tributária de primeiro mundo - de fato os 33% do Brasil é próxima a média da carga tributária na OCDE -, e serviços públicos de quinto mundo. Não é bem assim. Nossa carga tributária incide sobre um patamar de riqueza muito inferior ao dos países europeus e dos Estados Unidos. Se analisarmos o PIB per capita dá para ver que a carga tributária per capita no Brasil é muito pequena e isso implica em enormes diferenças na capacidade de oferta de serviços públicos. Veja a carga tributária per capita (carga tributária de cada país multiplicada pelo PIB per capita) na tabela abaixo. Como se vê, a carga tributária per capita, em dólares, nos países escandinavos, onde o Estado do Bem Estar Social é mais desenvolvido, é cinco a dez vezes maior que no Brasil; na Alemanha e França, ela é quatro a cinco vezes maior que a nossa; e mesmo em países mais liberais, como Estados Unidos e Reino Unido, a carga tributária per capita é quase quatro vezes maior que aquela do Brasil.

PIB per capita, carga tributária per capita em países da OCDE - 2013

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 Fonte: Receita Federal/FMI. Carga tributária per capita calculada pelo autor

Liberalismo do PSDB liderou o aumento da carga tributária no Brasil

A divulgação pela Receita Federal da arrecadação tributária de 2014 quebrou diversos mitos. O primeiro deles é que, ao contrário daquilo que divulgava a oposição e a grande mídia, nossa carga tributária não é de 37%, 40% por ano, como afirmam. No ano de 2014, o Brasil arrecadou, em seus três níveis de governo, R$ 1,847 trilhão de impostos, que equivale a 33,47% do PIB do ano de R$ 5,521 trilhões. Veja a tabela a seguir. 

Segundo mito desfeito  é que foram os governos do PT os que mais aumentaram os impostos no Brasil. A verdade: com FHC, a carga tributária subiu violentamente. Nossa referência na análise dos governos do PSDB é 1993, quando Fernando Henrique tomou posse como ministro da Fazenda de Itamar Franco. Se os tucanos, com razão, reivindicam um grande protagonismo na formulação do Plano Real, devem assumir integralmente também o restante da política econômica de Itamar Franco, quando deram início a um aumento violento da carga tributária no Brasil. Em 1993, a carga tributária no Brasil era de 25,72% do PIB e fechou em 2002 com 32,18%, um aumento de 6,46% do PIB. 

A orientação da política tributária de FHC foi clara: o caminho do aumento da carga tributária foi através da criação e aumento das chamadas contribuições sociais, como CPMF, CIDE e COFINS. Na questão fiscal, os tucanos e pefelistas implodiram o pacto federativo, que tem na justa alocação dos recursos tributários para a União, Estados e Municípios um de seus pilares fundamentais. De acordo com a Constituição Federal de 1988, a União só reparte com os Estados (Fundo de Participação dos Estados) e com os Municípios (Fundo de Participação dos Municípios) a receita tributária relativa aos impostos; já a receita tributária com contribuições sociais é exclusivamente da União. O aumento da carga tributária na era FHC foi conseguido, como vimos, com a criação e/ou aumento de alíquotas de contribuições sociais, que não são repartidas com Estados e Municípios. Por isso, o passado condena o PSDB/DEM, que não tem coerência histórica para falar em “resgate do pacto federativo”. 

Estes números desmentem teorias simplistas na esquerda, que caracterizam o neoliberalismo de Estado mínimo. Não é bem assim. O que os liberais querem é Estado mínimo nos gastos sociais, mas não têm maiores contradições com aumentos da carga tributária quando se trata de o Estado honrar seus compromissos financeiros crescentes com o mercado financeiro e com a ampla coligação dos juros altos.  

Nos governos do PT, carga tributária ficou estabilizada

Nos três primeiros governos do PT, a carga tributária passou de 32,18% para 33,47% do PIB, um avanço, em termos reais, de apenas 1,29% do PIB. Claro que os opositores dos governos do PT fingem desconhecer noções básicas de economia e se fixam no avanço nominal da arrecadação, mas o que conta mesmo, e até os economistas tucanos concordam, é a evolução em relação ao PIB.  

E mais: são os próprios economistas tucanos que reconhecem que no governo FHC foram criados novos impostos e contribuições e nos governos do PT a arrecadação se expandiu devido ao crescimento da economia e a enorme formalização da mão de obra, com enormes impactos nas receitas da Previdência, FGTS, PIS PASEP e outros tributos. 

Com Lula e Dilma, o crescimento da carga tributária foi menor e não se deveu a mais impostos, como reconhecem os próprios economistas tucanos, mas ao alargamento do número de contribuintes e ao aumento dos lucros das empresas. Recorde-se que Lula perdeu a CPMF que chegou a representar 1,5% do PIB no governo FHC. Assim, a melhoria da arrecadação federal se explica pelo forte avanço do emprego formal (21 milhões de novos postos de trabalho em 12 anos) e das contribuições vinculadas à folha de salários (Previdência, FGTS, PIS-PASEP); pelo maior dinamismo da economia, que impactou positivamente na renda e no lucro das empresas (IR das pessoas físicas e jurídicas e a CSLL). 

Dois dos principais economistas tucanos, Mansueto Almeida e Samuel Pessôa, é que dizem isto, conforme pode ser confirmado no artigo “Desiquilíbrio econômico é estrutural e exige correções duras”, na Folha de S.Paulo, 19/07/2015. Eles dizem sobre o governo FHC: “Desde 1994, o crescimento da despesa pública foi compensado pela expansão da carga tributária. Nos anos 1990, esse aumento decorreu da introdução de novos tributos, como a Cofins, além dos benefícios da Lei de Responsabilidade Fiscal”. Eles concluem sobre os governos do PT: “ Na década de 2000, diversos fatores permitiram o maior crescimento econômico e uma elevação ainda maior da arrecadação tributária. Entre eles, a estabilidade macroeconômica, os ganhos de produtividade em diversos setores, como agronegócio e serviços, as reformas no mercado de crédito e a expansão da economia mundial”. Vinicius Torres Freire, principal comentarista econômico da Folha, também reconhece que os governos do PT não aumentaram impostos: “ A carga tributária é alta? Que seja. Mas está mais ou menos estacionada faz dez anos. E está alta para quem? Empresas foram desoneradas. É quase sempre má ideia tributar empresas. Mas o que se pode fazer com altos rendimentos?”

Estes são os fatos que os economistas liberais e a grande mídia procuram esconder. FHC, com a economia estagnada, cobrou mais dos mesmos. Lula e Dilma criaram as condições para o alargamento do número de contribuintes e para a maior lucratividade das empresas.

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