Aldo Fornazieri: “A irresponsabilidade do PSDB”

26/10/2015 | Política

Jornal GGN – 26/10/2015

Um ano após a reeleição da presidente Dilma, o PSDB mantém acesa a disputa pelo terceiro turno através da judicialização do resultado e das tentativas de impeachment no Congresso. Nem mesmo a antiga UDN, em sua inata característica golpista, foi tão longe nas suas tentativas de impedir a posse de presidentes democraticamente eleitos ou no tentar tirar o mandato dos mesmos através do impeachment. O PSDB precisa começar a responder, seja do ponto de vista conjuntural, seja do ponto de vista histórico, pela sua irresponsabilidade.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que, corretamente vem se manifestando contra o impeachment, junto com o governador Geraldo Alckmin e outros tucanos de bom senso, afirmou recentemente que não quer que a oposição faça contra o governo o que fizeram contra ele. Mas nem mesmo o PT na oposição foi tão irresponsável quanto o PSDB de Aécio Neves. Convém reiterar que em 1999, depois de lançada a consigna “fora FHC”, o Congresso Nacional do PT decidiu vetar a proposta de impeachment contra o presidente. Não é o que se vê agora com o PSDB.

A crise econômica, que é real e grave, não só é estimulada, mas impede-se um enfrentamento da mesma, pela prolongada crise política artificialmente alimentada pela oposição e por Aécio Neves. Na medida em que se mantém o impasse sobre o mandato de Dilma, geram-se incertezas quanto ao futuro, o que produz como consequência imediata a redução de investimentos. Enquanto a crise política não se resolve, a crise econômica se agrava, afetando o desempenho da economia, os investimentos privados nacionais e internacionais, gerando o baixo desempenho das empresas e seu endividamento e o aumento do desemprego. Bastaria o PSDB anunciar que desiste do impeachment para que parte dos problemas econômicos tivessem soluções encaminhadas.

Ademais, um dos aspectos da atual crise econômica, relacionado ao déficit fiscal, tem sua raiz fincada em elementos de natureza estrutural, como os gastos da previdência etc. A oposição também tem responsabilidades em buscar soluções para estes problemas. Mas prefere manter-se no jogo da irresponsabilidade, por despeito, inconformismo e egoísmo, prejudicando o país e o povo brasileiro.

A farsa da judicialização e do impeachment

A semana passada permitiu que se assistisse e que fosse registrado em fotos e vídeos uma das cenas mais hipócrita e farsesca da política brasileira: ilibados líderes da oposição e alguns juristas entregando, ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, já sob a evidência de que existem provas de que manteve contas no exterior alimentadas com dinheiro de propina da corrupção, um novo pedido de impeachment contra Dilma. Esses arautos da moralidade, na verdade, querem que Eduardo Cunha assuma a condição de justiceiro moral do Brasil, de paladino da limpeza ética do governo, que estaria “impregnado de corrupção”. Na verdade, tratou-se de uma cena político-partidária revestida de uma suposta isenção jurídica. Quem se deu ao trabalho de ler o novo pedido de impeachment não consegue deixar de perceber a escassez de fundamentação jurídica da peça, ao mesmo tempo em que lhe sobra empáfia moralista e retórica oposicionista. 

Juristas e até mesmo oposicionistas sensatos argumentam que falta um fundamento jurídico para o impeachment. Os juristas que defendem o impeachment não conseguem disfarçar as motivações políticas e oposicionistas de seus argumentos. Miguel Reale Jr, por exemplo, argumenta que Dilma foi omissa perante a corrupção da Petrobrás. Em primeiro lugar, seria necessário provar cabalmente que Dilma sabia da existência da corrupção. Em segundo lugar, o conceito de omissão de um governante é tão abrangente e tão relativo que pode abarcar a responsabilização de todos os atos de corrupção e de todas as falhas de um governo em relação à boa administração da coisa pública. Se ele for aceito como fundamento jurídico para o impedimento, no futuro se terá um interminável festival de pedidos de impeachment de governantes alicerçados no argumento da omissão.

Outro argumento pró-impeachment sustenta que “Dilma se tornou ilegítima”. O problema aqui é o que se entende por “ilegítimo”. Se a ilegitimidade é jurídica, então os juristas deveriam evidenciá-la, algo que não conseguem fazer. Mas há também a noção de ilegitimidade política. De fato, a baixa popularidade de Dilma, mostra que lhe falta legitimidade. Mas ela está no mesmo patamar de legitimidade do Congresso Nacional.

Este Congresso, com vários deputados e senadores e com os presidentes das duas Casas envolvidos em denúncias de corrupção, teria legitimidade de tirar o mandato de Dilma apenas com base no conceito de legitimidade política? Tal processo, além de uma violência jurídica, seria uma farsa política. Além disso, abrir-se-ia um grave precedente na democracia: todo presidente impopular passaria a ser passível de processo de impeachment no futuro.

A tese do “crescente sentimento nacional de reprovação do governo” cai na mesma esparrela jurídica da tese da ilegitimidade. Um presidente não pode ser cassado simplesmente porque é impopular ou porque tem minoria no Congresso. Ser impopular ou ter minoria no Congresso também são condições da governabilidade democrática. O fato é que a agenda democrática do país e a agenda para superar a crise econômica estão bloqueadas pelo artificialismo da crise política, fomentado pela atitude golpista da oposição, secundada por alguns juízes de tribunais.

Sequer as pedaladas fiscais, que realmente aconteceram, são fundamento jurídico para o impeachment, já que aconteceram no mandato anterior. Evocar o escândalo da Lava Jato para o impeachment também cai na mesma insubsistência jurídica. Escândalos de corrupção acontecem em quase todos os governos. Nem por isto, o chefe do Executivo é necessariamente responsável juridicamente pelos mesmos. O fato é que a operação Lava Jato está correndo em absoluta normalidade, com o Ministério Público, a Polícia Federal e o Judiciário investigando, prendendo e julgando os culpados.

A oposição, se quiser o beneplácito do juízo da história, precisa abandonar imediata e publicamente a tese do impeachment e passar a exercer uma oposição democrática, crítica e propositiva. Não resta dúvida de que a historiografia consignará a fomentação dessa crise política artificial, por parte da oposição, como um moralismo sem moral, como um inconformismo de derrotados, como tentativa de atalho antidemocrático para chegar ao poder. Neste momento, a manutenção do movimento do impeachment é uma aposta contra a recuperação econômica, é uma aponta em favor do desemprego, é uma aposta contra o Brasil. Assim como o PT está pagando o preço pelos seus erros, a oposição precisa pagar o preço por esta aposta irresponsável.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

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