América Latina. Governos de esquerda estão pressionados pelo baixo crescimento, insatisfação popular e golpes midiáticos
As enormes dificuldades dos governos de esquerda não é uma particularidade do Brasil. Isto é uma característica da América Latina, e, para focar os casos mais graves, podemos citar, além do Brasil, também a Argentina, Venezuela, Chile e Equador. Em verdade, numa análise mais ampla, trata-se de uma crise que atinge, em maior ou menor grau, todos os países chamados emergentes, como a Rússia, a China, que, pelas dimensões de sua economia e da desaceleração da mesma, repercute em todos os seus grandes parceiros, na América Latina e na Ásia. A pressão sobre os governos de esquerda se deve conjugação de três fatores: baixo crescimento econômico, insatisfação popular e golpes midiáticos.
América Latina vive situação de estagnação e até de recessão
Relata o jornal Valor Econômico, de 30/07/2015: “O fim do ciclo de alta das commodities, e a conseqüente deterioração econômica sobretudo nos países sul-americanos, levou a uma pesada revisão para baixo nas estimativas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) para o crescimento da região neste ano. Em relatório divulgado ontem, a agência das Nações Unidas cortou pela metade a previsão para o PIB regional feita em abril, de uma alta de 1 % para 0,5%”.(...) “O fim do ciclo das commodities teve um efeito generalizado na região", disse ao Valor o secretário-executivo adjunto da Cepal, Antonio Prado. "Alguns países foram afetados mais rapidamente, outros mais lentamente. Mas o que se vê é uma rebaixa geral nas expectativas." (...) “Houve queda dos preços dos produtos básicos nos últimos anos - como metais e produtos agrícolas, que acumulam perdas de 41% e 29%, respectivamente, desde 2011 - e de produtos energéticos (petróleo, gás natural e carvão), que sofreram depois de meados de 2014 uma desvalorização abrupta de 52% até janeiro de 2015”. (...) “Ainda no âmbito externo, o órgão destaca o lento crescimento da economia mundial em 2015 e a desaceleração da China e de outros emergentes. O relatório ressalta que o comércio mundial se manterá estagnado, "no que já se transformou em um problema estrutural da economia mundial". Já no âmbito interno, o documento destaca que há desaceleração do crescimento do consumo e redução do ritmo de investimento”.
Luís Nassif , em artigo publicado neste site, abordou os conflitos depois de ciclos de inclusão social: “A expansão econômica abre espaço para a urbanização e para a criação de uma nova classe operária ou de incluídos. Nessa fase, o crescimento permite repartir os frutos por todos os setores, amainando os conflitos de classe e contendo os preconceitos. Quando à frente do processo estão políticos de fôlego – Mandela ou Lula – a fase de inclusão se dá com menos conflitos”.(...) “Quando esgota-se o ciclo de crescimento, frustram-se as expectativas de melhoria individual e afloram todos os preconceitos e frustrações, tanto dos velhos quanto dos novos incluídos, ambos irmanados na falta de perspectivas”.
Mas cabe um comentário a esta análise de Luis Nassif. São as classes médias tradicionais – os antigos incluídos -, que vem liderando, de forma barulhenta, as grandes mobilizações de rua. Os novos incluídos – como a chamada Classe C no Brasil, ainda que também muito insatisfeitos não vêm acompanhando as classes médias, como no caso dos panelaços. Ainda que não na intensidade necessária, até porque políticas recessivas vêm sendo adotadas, os novos incluídos estão se mobilizando em defesa dos governos de esquerda da região.
Insatisfação é bastante ampla contra os governos de esquerda
A baixa aprovação popular não é uma particularidade do Brasil, ainda que aqui a aprovação de Dilma, de menos de 10%, aponta para um quadro mais preocupante. Os governos Nicolás Maduro, na Venezuela, e Cristina Kirchner, na Argentina, estão mal avaliados. Situação também grave é da presidenta Michele Bachelet, do Chile, uma grande liderança daquele país, que, mesmo não tendo recuado de seus compromissos de campanha e com a economia crescendo, ainda que em desaceleração, atingiu a marca de 71% de desaprovação popular. Vale ressaltar que a insatisfação popular atinge também os governos de centro-direita da região, como no caso da Colômbia, onde Juan Manuel Santos atingiu a mínima histórica de 26% e Enrique Piñera Neto, no México, está também mal avaliado.
Mas tudo indica que esquerda na América Latina, mesmo em crise, continua sendo bastante competitiva, porque os neoliberais não tem propostas de superar a crise com mais inclusão social, mas com o desmanche das conquistas sociais da última década. É isso que explica que, no já iniciado processo eleitoral na Argentina, a aprovação da presidenta Cristina Kirchner tenha crescido de forma substancial, de 26% para 38%, e seu candidato, Daniel Scioli, tenha vencido as prévias presidenciais.
Golpes midiáticos tentam atropelar a democracia
O site Opera Mundi informa: “O maior confronto enfrentado na América Latina atualmente é “a batalha midiática”, desde pelo menos o ano de 2002, quando a tentativa frustrada de derrubar Hugo Chávez na Venezuela deu início a um novo tipo de golpe de Estado, o ‘golpe midiático’, transferindo aos meios de comunicação privados o papel de partido político nas oposições aos governos da ‘guinada à esquerda’. A avaliação foi feita pelo jornalista e professor Ignacio Ramonet, ex-editor do jornal Le Monde Diplomatique, na palestra de abertura do congresso ‘Comunicação e Integração Latino-Americana’, realizado entre os dias 22 e 23 de julho em Quito, capital do Equador”.
Ignácio Ramonet afirma: “Nos últimos 15 anos, todos os governos progressistas que chegaram ao poder democraticamente na região vêm sendo mantidos por via eleitoral. Nenhum deles foi derrotado nas urnas. Por isso, a resistência à mudança vem sendo cada vez mais brutal, apelando para novos tipos de golpes, alguns com fachada judicial, parlamentar, e sempre com forte ajuda da mídia, como nos casos do Paraguai, Honduras e investidas recentes na Argentina e no Brasil”.
Vale lembrar que diversos governos foram eleitos muito recentemente. No Chile, a eleição foi no final de 2013. Em 2014, foram eleitos os presidentes de El Salvador, Costa Rica, Panamá, Colômbia, Brasil, Bolívia, Uruguai. Neste ano somente haverá eleições presidenciais na Guatemala e na Argentina e eleições legislativas em El Salvador, México e Venezuela. Em toda a América Latina, a mídia, que se transformou em verdadeiro partido político, investe e estimula o aprofundamento das crises econômica e política e prega abertamente o afastamento dos governos de esquerda.
A denúncia do golpe midiático é feita no Brasil por uma figura insuspeita, Rogério César de Cerqueira Leite, do Conselho Editorial do jornal Folha de S.Paulo. Ele afirmou, em artigo recente, que uma das razões dos problemas que enfrentamos na economia e na política nacionais é: “A obsessão dos meios de comunicação, da mídia elitista pelo debacle do poder político alcançado pelo operariado, pela plebe”.