André Singer: “Derrota da esquerda não significa avanço de valores liberais”

09/11/2016 | Política

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Folha de S.Paulo – 07/11/2016

Os resultados das eleições municipais devem ser vistos duplamente. No plano imediato, as urnas indicaram forte vitória do campo da direita e derrota da esquerda. Em chave mais profunda, contudo, isso não significa, necessariamente, igual avanço de valores liberais sobre aspirações igualitárias.

Deve-se evitar o equívoco de, sem maior reflexão, tomar a nuvem por Juno. O fato de os eleitores terem optado por determinados candidatos do PSDB e outros partidos da atual base de Michel Temer não significa a adesão ao ideário mercadista que este governo professa.

Ainda que exista, em alguma proporção, avanço das teses privatistas contra as que defendem a expansão dos direitos universais da cidadania, não parece ter sido este o móvel principal do sufrágio no último domingo. A hipótese mais provável é que o eleitorado tenha apenas chancelado a rejeição, que já se fazia notar nas pesquisas, ao que foi o último período lulista no poder. Para expressar tal sentimento era necessário votar em uma oposição nítida à ex-presidente Dilma Rousseff, condição em que o PSOL não se enquadrava.

As razões são fáceis de compreender. A brutal recessão, com perda de emprego e renda, que começa no segundo mandato de Dilma já seria razão suficiente para explicar o descenso do PT. No entanto, se somou um megaprocesso de investigação criminal (Lava Jato), cujos efeitos seletivos se centraram sobre o partido no poder até seis meses atrás.

Diante do tsunami desencadeado pela soma explosiva dos dois fatores acima, o maior trunfo do PT foi ter sobrevivido. Perdeu metade do que obteve em 2012, com danos significativos na região metropolitana de São Paulo, cinturão histórico da legenda, mas ainda respira. O PSOL, embora vitimado pela vontade geral de punir a esquerda, conseguiu, por meio das candidaturas de Marcelo Freixo, no Rio, e Edmilson Rodrigues, em Belém, presença inédita na cena nacional.

Na esfera do curto prazo, a população espera que os novos governantes sejam capazes de melhorar as condições de vida. Geraldo Alckmin, sem dúvida o político individual mais beneficiado pelo conjunto de decisões que os votantes produziram, precisa que os seus representantes, João Doria em particular, apresentem logo resultados palpáveis. O governador paulista deve rezar para que a economia reaja, o que até agora não aconteceu.

Numa perspectiva de longo prazo, a expansão do pensamento capitalista, de que certas confissões evangélicas são veículo importante, poderá vir a predominar, produzindo um realinhamento conservador no futuro. Por ora, soa mais provável entrarmos num período de desalinhamento. A depender, também, de como a esquerda reaja ao banho que acaba de levar.