André Singer: “Vai ter luta”
Folha de S.Paulo – 17/09/2016
Nem bem terminava, na segunda (12 de setembro), a novela Cunha, o núcleo curitibano da Lava Jato meteu o pé pelas mãos e abriu o capítulo mais grave desta crise. Depois da condução coercitiva e da divulgação de fitas ilegais, a exposição do procurador Deltan Dallagnol na tarde de quarta (14 de setembro) foi tão vazia que caiu mal até nas hostes antipetistas. Em lugar da seriedade técnica que sobressaía nas primeiras aparições, o jovem funcionário deixou-se levar por arroubos que tiraram a credibilidade da denúncia contra Lula.
Isto posto, embora a derrapada dê ao ex-presidente vantagem na largada da nova partida, por outro lado deixa o país embrulhado numa situação delicada. O juiz Sergio Moro, autor das duas descabidas ações anteriores, está moralmente comprometido a aceitar a denúncia oferecida pelo Ministério Público. Com isso, irá deflagrar processo político cujo único julgador será ele mesmo, que não é instância adequada nem suficiente para julgar o que Dallagnol colocou em pauta.
O que vem pela frente é mais sério do que o impeachment de Dilma Rousseff. Convém lembrar que a ilegítima destituição da presidente foi decidida por um colegiado senatorial. As acusações eram de responsabilidade e a perda do poder por quem venceu nas urnas, embora manche a democracia, poderia ser corrigida pelo andamento da luta eleitoral, pois o PT teria chance de voltar a vencer.
Agora, o que está em questão é estrutural. Trata-se da tentativa de proscrever Lula e o PT do cenário para sempre, o que dará lugar a uma batalha de proporções épicas. Ao transformar as acusações específicas a Lula, na realidade, pequenas, ainda que desconfortáveis, no combate a uma suposta organização criminosa em que teria se convertido o PT, o procurador fez-se porta-voz da histeria ideológica que deseja "acabar com essa raça", como dizia um senador anos atrás.
Dallagnol não entende duas coisas. A primeira é que Lula e o PT ocupam um espaço garantido no Brasil. Por mais que sofram revezes, cometam erros — que precisariam ser explicados e corrigidos– e experimentem derrotas— como certamente vai acontecer nesta eleição municipal —, o partido e sua principal liderança respondem à necessidade profunda de representar as camadas populares no processo democrático.
Em segundo lugar, que a esquerda é especializada em resistir. Por ter nascido e crescido em oposição à ordem estabelecida, sabe melhor que ninguém como sobreviver em condições desfavoráveis. Não foi acaso que Lula, de camiseta vermelha, mencionou no discurso pronunciado quinta-feira (16 de setembro) o orgulho de haver criado o maior partido de esquerda da América Latina. A mesma esquerda, por vezes, tão maltratada em outras frases suas.
Vai ter luta.