As políticas de promoção da igualdade racial

07/07/2015 | Políticas de igualdade

Princípio da não discriminação

A Constituição Federal possui uma série de artigos e parágrafos contra a discriminação em geral, a discriminação racial em particular e dispositivos de punição ao racismo. Dentre os objetivos da República Federativa do Brasil está o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Nas relações internacionais, um dos princípios de nosso país é o repúdio ao racismo. No capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos está previsto que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão.

Racismo é crime

Uma lei anti-racista aprovada em 1989, conhecida como Lei Caó, define os crimes resultantes de preconceitos de raça, cor, etnia, religião ou precedência nacional e fixa penas de prisão que variam de um a cinco anos. Os crimes previstos nessa lei são, entre outros, os seguintes: a) impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos. Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção funcional; b) negar ou obstar emprego em empresa privada; c) recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador. Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça ou de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem nacional ou étnica: I - deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores; II - impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional; III - proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário; d) recusar, negar ou impedir a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino público de qualquer grau; e) impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem ou qualquer estabelecimento similar; f) impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público; g) impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público; h) impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros, bares, termas ou casas de massagem ou estabelecimentos com as mesmas finalidades; i) impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residências e elevadores ou escadas de acesso aos mesmos; j) impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios, barcos, ônibus, trens, metrôs ou qualquer outro meio de transporte concedido; l) impedir ou opor-se, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar ou social; m) praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Igualdade no trabalho

A Constituição Federal proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de cor, sexo, estado civil e idade. A lei proíbe ainda a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade. Prevê, ainda, o rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre: a) a readmissão com ressarcimento de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescida dos juros legais; b) a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida de juros legais.

Além disso, a CLT, no capítulo que trata dos direitos das mulheres, prevê medidas antidiscriminatórias, ficando vedado: a) publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir; b) recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade for notoriamente incompatível; c) considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional; d) impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez.

Cotas nas universidades federais, Cefets e ProUni

Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas (cotas de 50% para alunos do ensino médio das escolas públicas) serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em cada instituição federal de ensino técnico de nível médio as vagas (cotas de 50% para alunos do ensino fundamental das escolas públicas) serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As instituições de que trata a Lei deverão implementar, no mínimo, 25% da reserva de vagas, a cada ano, e terão o prazo máximo de 4 anos, a partir da data de sua publicação, para o cumprimento integral do disposto na Lei. Ou seja, as cotas serão implementadas, gradualmente, de 2013 a 2016.

As cotas para negros e indígenas nas universidades geraram uma enorme polêmica no Brasil. Mas mesmo antes da Lei das Cotas, vale dizer, já se tinha avançado muito nas políticas afirmativas na educação. Cerca de 60 universidades públicas, no governo Lula e Dilma, já tinham adotado algum tipo de cota para ingresso na educação superior.

A lei que implantou o ProUni prevê também as cotas, com percentual previsto, no mínimo, igual ao percentual de cidadãos autodeclarados indígenas, pardos e negros, na respectiva unidade da Federação, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

Estudo da história e cultura afro-brasileira

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBN, prevê que nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, é obrigatório o estudo da História e cultura afro-brasileira e indígena. O conteúdo programático incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à História do Brasil. Os conteúdos referentes à História e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e História brasileiras.

Ações afirmativas no trabalho

Um dos aspectos mais polêmicos no debate do Estatuto da Igualdade Racial foi a ga¬rantia de cotas para negros na Administração Pública. Essa previsão legal existe na cidade de Contagem, Minas Gerais. A Câmara Municipal aprovou a Lei nº 3.829/2004, que dispõe sobre a reserva de vagas em concursos públicos. Prevê essa Lei: a) ficam reservadas aos negros 12% das vagas oferecidas nos concursos públicos efetuados pelo poder público municipal para provimento de cargos efetivos; b) a fixação do número de vagas reservadas aos negros e respectivo percentual far-se-á pelo total de vagas no edital de abertura do concurso público e efetivar-se-á no processo de nomeação; c) preenchido o percentual estabelecido no edital de abertura, caso a Administração ofereça novas vagas durante a vigência do concurso em questão, a reserva de 12% aos negros deverá ser mantida; d) a observância do percentual de vagas reservadas aos negros dar-se-á durante todo o período de validade do concurso e aplicar-se-á a todos os cargos oferecidos; e) o acesso dos candidatos à reserva de vagas obedecerá ao pressuposto do procedimento único de seleção; f) para efeitos da Lei, considerar-se-á negro aquele que assim se declare expressamente, identificando-se como de cor negra ou parda, pertencente à raça/etnia negra. Essa lei foi aplicada pela administração petista na cidade, até que foi suspensa por um pedido de inconstitucionalidade do Ministério Público Estadual.

Cotas no serviço público federal e no Judiciário

Servidores federais – Prevê a Lei 12.990/2014: “Ficam reservadas aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma da Lei. A reserva de vagas a candidatos negros constará expressamente dos editais dos concursos públicos, que deverão especificar o total de vagas correspondentes à reserva para cada cargo ou emprego público oferecido. Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso”.

O CNJ e a cota também para o Poder Judiciário - Informa o site do CNJ: “O Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou no mês de junho de 2015, durante a 210ª Sessão Ordinária, resolução que dispõe sobre a reserva aos negros, no âmbito do Poder Judiciário, de vagas oferecidas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na magistratura. A partir de agora, haverá reserva mínima de 20% das vagas para estes candidatos, sendo que o percentual poderá ser elevado a critério de cada tribunal, que também terá autonomia para criar outras políticas afirmativas de acordo com as peculiaridades locais. Com a aprovação da resolução, a magistratura é a primeira carreira jurídica a estabelecer esse tipo de política afirmativa para preenchimento de vagas”. O presidente do Supremo Tribunal Federal – STF, Ricardo Lewandowski, apoiou a medida: “Estamos diante de um momento importante, pois é primeira vez que um dos poderes da República reservará uma cota para cidadãos oriundos de mais de 50% da população que não têm acesso aos cargos de poder nesse país. Esse é um passo histórico muito relevante, pois estamos contribuindo para a pacificação e a integração deste país, e de certa forma reparamos um erro histórico em relação aos afrodescendentes”.

Quilombolas - Tarifa Social de Energia Elétrica

As famílias indígenas e quilombolas inscritas no CadÚnico do governo federal  que atendam aos critérios fixados em lei, terão direito a desconto de 100% na tarifa de energia elétrica até o limite de consumo de 50 kWh/mês, a ser custeado pela Conta de Desenvolvimento Energético – CDE. As famílias terão esse direito desde que atendam a pelo menos uma das seguintes condições: a) seus moradores deverão pertencer a uma família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico, com renda familiar mensal per capita menor ou igual a meio salário mínimo nacional; ou b) tenham entre seus moradores quem receba o benefício de prestação continuada da assistência social.

Estatuto da Igualdade Racial

A mais ampla iniciativa legislativa de promoção da igualdade racial no Brasil é o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.

Para efeito deste Estatuto, considera-se: a) discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada; b) desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica; c) desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais; d) população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga; e) políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais; f) ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.

O Estatuto da Igualdade Racial, em seus capítulos, dispõe sobre temas como: a) pesquisa, formas de prevenção e combate de doenças prevalecentes na população negra; b) respeito às atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer; c) respeito aos direitos fundamentais das mulheres negras; d) direito à liberdade religiosa e de culto, especialmente no que diz respeito às religiões afro-brasileiras; e) reconhecimento e titulação das terras remanescentes de quilombos; f) direito à moradia adequada da população negra que vive em favelas, cortiços, áreas urbanas degradadas; g) políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho; h) garantia de que a herança cultural e a participação dos afro-brasileiros na história do país serão divulgadas pelos meios de comunicação e em livros de história; i) instituição do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República destaca a importância do Estatuto da Igualdade Racial: “Foram anos de luta para que o Estado brasileiro pudesse ter enfim um documento que consolidasse os anseios históricos da população negra, ainda carente de políticas que diminuam o enorme fosso que nos impede de acessar as condições básicas para o exercício da cidadania. (...) É inegável a importância histórica do Estatuto da Igualdade Racial. No seu conjunto, trata-se da reafirmação, pelo Estado brasileiro, de demandas seculares dos Movimentos Negros e da população negra, nas mais diversas áreas. Entre elas: educação, cultura, esporte e lazer, saúde e trabalho, defesa dos direitos das comunidades remanescentes de quilombos e proteção de religiões de matrizes africanas. O documento também formula respostas para a inserção apropriada da população negra brasileira nos meios de comunicação de massa, para as demandas por moradia, acesso à terra, segurança, acesso à justiça, financiamentos públicos, entre outros itens. A se considerar a distribuição de cada uma dessas demandas entre os artigos que o compõem, o Estatuto da Igualdade Racial significa uma nova etapa na luta pelos direitos dos negros e negras no Brasil. (...) O Estatuto sedimenta uma série de avanços, fruto de uma árdua luta política, que definem seu caráter fundamental, o de um diploma de ações afirmativas. A partir da aprovação desse documento, terá início outra fase de extrema importância na luta pela Igualdade Racial em nosso país: a da mobilização da sociedade brasileira em torno do aperfeiçoamento deste instrumento legal, através da regulamentação de seus dispositivos”.

*Extraído da cartilha “Guia dos Direitos do Povo 2”