Até os “aliados carnais” dos EUA – Arábia Saudita e Kuwait – tem petroleiras estatais. Por que entregar a Petrobras?

07/03/2016 | Cultura política

O debate sobre o futuro da Petrobras, revela que temos no Brasil um conjunto de forças conservadoras – liberais, mídia e “especialistas” do mercado, partidos de oposição - que têm mais do que o que se chama de “complexo de vira latas”. São mais imperialistas que o próprio Império e defendem a entrega da Petrobras às petroleiras estadunidenses, quando até mesmo os “aliados carnais” dos Estados Unidos no Oriente Médio – Arábia Saudita e Kuwait – tem suas petroleiras estatais. São mais anti-comunistas do que quem patrocinou a guerra fria  – veja o grito de “Vai pra Cuba” -, quando os Estados Unidos, com Barack Obama, rompem o cerco aquela ilha rumo ao fim do bloqueio comercial de décadas. São mais patronais do que os patrões do mercado financeiro, quando defenderam o aumento dos juros pelo Banco Central na reunião de janeiro, quando o Bradesco e o Itaú foram contra. É uma submissão aos interesses do capital sem limites. 

Petroleiras estatais controlam maioria das reservas mundiais

Tratemos do caso da exploração de petróleo e gás no Brasil, onde a Petrobras tem ampla participação. Essa presença estatal na área petrolífera não é só no Brasil, mas em quase todo o mundo. O sociólogo, Marcelo Zero, especialista na questão petrolífera, pergunta: “Qual é a maior empresa de petróleo do mundo? A Exxon? A Shell? A Chevron? A BP? Nenhuma delas. As maiores empresas de petróleo e gás do mundo são estatais - as chamadas national oil companies (NOCs). Entre elas, estão a Saudi Aramco (Arábia Saudita), a NIOC (Irã), a KPC (Kuwait), a ADNOC (Abu Dhabi), a Gazprom (Rússia), a CNPC (China), a PDVSA (Venezuela), a Statoil (Noruega), a Petronas (Malásia), a NNPC (Nigéria), a Sonangol (Angola), a Pemex (México) e a Petrobras”. (...) “Numa estimativa conservadora, feita em 2008, antes do pré-sal ser bem conhecido, as NOCs já dominavam 73% das reservas provadas de petróleo do mundo e respondiam por 61% da produção de óleo. Segundo a Agência Internacional de Energia, a tendência é a de que as NOCs sejam responsáveis por 80% da produção adicional de petróleo e gás até 2030, pois elas dominam as reservas”. 

Marcelo Zero afirma: “Nem sempre foi assim. Até 1970, as chamadas international oil companies (IOCs), as grandes multinacionais, as Sete Irmãs, dominavam inteiramente 85% das reservas mundiais de petróleo. Outros 14% das jazidas eram dominados por empresas privadas menores e as NOCs tinham acesso a apenas 1% das reservas. As estatais que existiam na época, como a YPF (Argentina) a Pemex (México), a Petrobras e a PDVSA, não tinham a menor influência real nesse mercado”. “As IOCs faziam o que bem entendiam. Ditavam a produção e o preço do petróleo e derivados no mundo, sempre com a perspectiva de curto prazo de obter o maior lucro possível e remunerar acionistas. Fortemente verticalizadas, as Sete Irmãs se encarregavam da pesquisa, da prospecção, da produção, do refino e da distribuição. Conteúdo nacional? Só o suor de trabalhadores locais de baixa qualificação. Tudo isso começou a mudar ao final da década de 1960”. (...) “O nacionalismo árabe, de inspiração nasserista, incitou uma onda de nacionalização do petróleo, que se iniciou na Argélia, em 1967, e na Líbia de Khadafi (o ódio do Ocidente a Khadafi não era gratuito), em 1969 e 1970. Tal onda nacionalizante se estendeu rapidamente por todo o Oriente Médio, no início da década de 1970. Governos nacionalizaram jazidas e expropriaram ativos das multinacionais para criar as suas próprias companhias de petróleo”.(...) “Em 1972, Arábia Saudita, Qatar, Kuwait e Iraque, onde estavam as principais reservas mundiais, já tinham iniciado esses processos. Isso mudou inteiramente o mercado do petróleo”.

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Manter a Petrobras como operadora única do pré-sal 

Em novo artigo sobre a questão do petróleo, Marcelo Zero enumera seis razões para se manter a Petrobras como operadora única garante do pré-sal: a) porque ter a Petrobras como operadora única garante ao país o controle estratégico das reservas e da produção de óleo. Sem a Petrobras, perdemos essa garantia; b) porque o petróleo ainda será um recurso energético fundamental ao longo deste século; c) porque a Petrobras tem totais condições de explorar o pré-sal; d) porque o País perderia todo o investimento feito pela Petrobras e a alta tecnologia por ela desenvolvida; e) porque o Brasil perderia os instrumentos para conduzir a política de conteúdo nacional, consolidar a cadeia produtiva do petróleo e alavancar seu desenvolvimento; f) porque o Brasil perderia futuro.

O blogueiro Luís Nassif explica que o governo Dilma errou ao negociar modificações pontuais ao projeto do senador José Serra, o que transforma, na prática, a defesa do petróleo, não como uma questão de Estado, mas de governo. Disse ele: “No início de 2015, quando a base de apoio à Dilma Rousseff erodiu, iniciou-se imediatamente uma caça ao petróleo, digna dos pioneiros texanos. Três craques saíram na frente tentando perfurar o primeiro poço: o presidente da Câmara Eduardo Cunha e os senadores José Serra e Renan Calheiros. Serra e Calheiros acabaram se aliando em seus trabalhos pioneiros. Nas votações conseguiram a adesão do governo com uma versão muito simples da estratégia do bode na sala”.(...) “Consistiu no seguinte. A Petrobras, de fato, tem problemas imediatos para manter o ritmo de investimentos no pré-sal. Está com um alto grau de endividamento agravado pela queda nos preços do petróleo. Serra apresentou um projeto que tirava da Petrobras a obrigatoriedade e a preferência de ficar com os 30% de cada exploração. Teve início as negociações, e a base aliada foi convencida de que, dando à Petrobras o direito de preferência, tudo estaria resolvido”.

Luís Nassif conclui: “Ou seja, em cada leilão, a Petrobras terá direito de preferência sobre seus 30%. Só se abrir mão dele, o leilão será estendido às demais petroleiras. Resolvido. A Petrobras optará apenas pelos campos que forem vantajosos e empurrará os demais para outras petroleiras - como sustentou Serra e outros senadores. Não explicaram por que petroleiras competentes aceitariam ficar com campos desinteressantes. A questão central é que em 2018 haverá novas eleições presidenciais. E há enorme possibilidade de entrar um presidente que não tenha o pré-sal em suas prioridades. Entrando, indicará uma nova diretoria da Petrobras. Para alijar a Petrobras do pré-sal, bastará a nova diretoria não exercer nenhum de seus direitos de preferência. Tudo de acordo com o projeto de lei aprovado no Senado”.