Bernardo Guimarães: “BC precisa colocar juros a zero”
Valor Econômico – 02/05/2020
Na quarta o Copom se reúne e o Banco Central tem a chance de fazer o que já deveria ter feito em sua última reunião: colocar a taxa de juros Selic num nível próximo de zero.
Os argumentos para derrubar a taxa de juros são claros.
Famílias estão precisando se endividar para suprir suas necessidades. Empresas estão precisando de crédito para sobreviver. Derrubar os juros é uma forma simples de ajudar.
O custo de bem-estar de famílias sem renda e empresas quebrando é altíssimo. Tanto que o governo está programando um gasto de uns 4% do PIB em resposta à crise para reduzir esses custos. Uma expansão fiscal é de fato necessária, mesmo sabendo que boa parte do gasto não chegará onde gostaríamos.
Com juros perto de zero, recursos que iriam para o Banco Central financiarão empresas ou pessoas que perderam receitas e rendas. Essa realocação é feita pelo mercado, sem as ineficiências inevitáveis do pacote fiscal emergencial.
Juros mais baixos, aliás, melhoram a situação fiscal, ainda mais deteriorada com a crise e o aumento nos gastos.
O próprio Banco Central reconhece a importância de prover mais liquidez e quer poder comprar títulos privados. Não faz sentido fazer isso sem antes baixar os juros - e comprar os títulos que ele mesmo emitiu.
A inflação, por seu lado, deverá ficar abaixo da meta estabelecida pelo Banco Central. O custo usual de baixar juros, a inflação mais alta que o desejado, não se aplica.
Por fim, como as expectativas de inflação caíram bastante, uma queda de 1 ponto percentual na taxa Selic nem compensa essa queda. Um pequeno corte nos juros ainda implica um aumento na taxa de juros real.
Juros baixos não vão acabar com a crise (nenhuma medida econômica vai), mas vão ajudar quem está sofrendo no momento, sem efeitos colaterais relevantes para a economia.
Os argumentos contra juros próximos de zero são equivocados ou fracos.
Corre por aí que derrubar a taxa Selic levaria a juros maiores no futuro e a taxa de juros de longo prazo subiria. Então, não ajudaria. Argumenta-se que dados de decisões passadas mostram isso.
Estranho, não? Até porque a evidência empírica de outros países em geral mostra que quando bancos centrais reduzem os juros, as taxas longas caem. Há alguma explicação para o efeito contrário?
Sim, há. Quando uma redução na taxa de juros passa a mensagem que o Banco Central não está preocupado com a inflação, espera-se uma inflação maior no futuro. Assim, sobem as taxas de juros nominais futuras. Vimos isso no passado.
Essa lógica, contudo, não se aplica ao cenário atual. Taxa de juros no nível mais baixo possível é a resposta correta de bancos centrais no mundo todo. Então, esse efeito estranho não deve ocorrer. Derrubar os juros vai ajudar famílias, empresas e governos a se financiarem nesse momento difícil.
Outro argumento é que derrubar os juros levaria a uma desvalorização na taxa de câmbio.
Investidores podem comprar títulos brasileiros ou títulos indexados ao dólar. Se a taxa Selic cai, os títulos brasileiros passam a ficar menos atrativos. Por um argumento de arbitragem, isso leva a uma desvalorização do real.
Quanto seria essa desvalorização?
Suponha que os juros caíssem para 0,5% ao ano agora e que em um ano estivessem de volta ao esperado. Digamos que os juros no período fossem dois pontos percentuais abaixo da trajetória esperada hoje.
Os títulos em reais renderiam 2% a menos. Se a taxa de câmbio esperada para o futuro não mudasse, o real se desvalorizaria em 2% agora, para compensar essa perda de rendimentos. O dólar subiria 10 ou 12 centavos. Mas o efeito dos juros no câmbio deve ser até menor, em parte porque juros mais baixos aliviam a situação fiscal do país e os riscos de títulos em reais.
Seja lá como for, os custos de bem-estar dessa desvalorização são desprezíveis perto dos ganhos de juros muito baixos.
Outro argumento é que os bancos não vão aumentar muito seus empréstimos com uma taxa Selic mais baixa.
De fato, uma queda de 3% no custo do crédito não faz tanta diferença em operações com spread bancário alto.
Contudo, isso não é argumento para não baixar os juros. É argumento para derrubar o máximo possível. Se o efeito no crédito não será grande, tampouco será o efeito na inflação ou no produto. Se a política monetária tem pouco poder, as mudanças na taxa de juros têm que ser maiores. Para baixo ou para cima.
Por fim, a palavra credibilidade às vezes entra às vezes entra no argumento.
Um Banco Central subordinado ao governo teria, com frequência, incentivos para estimular o produto, ainda que isso levasse a um pouco mais de inflação. O problema é que, antecipando isso, as empresas passariam a esperar inflação mais alta. Essas expectativas acabariam se traduzindo em preços maiores. Em suma, a possibilidade de estimular a economia gera um viés inflacionário.
Bancos Centrais no mundo todo buscam arranjos institucionais para evitar esse viés inflacionário.
No arranjo ideal, o Banco Central faz exatamente o que gostaria de ter prometido, para que as decisões sobre preços e negociações salariais sejam feitas com base em baixas expectativas de inflação.
O plano ideal de um Banco Central prevê aumentos de juros quando há pressões inflacionárias. Mas também determina que se o PIB despencar por conta de um choque raro, e famílias e empresas precisarem se endividar para sobreviver, a política monetária fará o possível para ajudar. Mesmo que isso gere um pouco de inflação - o que nem é o caso no momento.
No Brasil, nós temos um arranjo institucional para lidar com o problema do viés inflacionário: o regime de metas. O Banco Central prometeu inflação por volta de 4% em 2020, entre 2,5% e 5,5%. A inflação corre sério risco de ficar abaixo do piso. Se a preocupação é manter a credibilidade cumprindo suas promessas, o Banco Central deve fazer o possível para gerar um pouco mais de inflação.
Bernardo Guimarães é professor titular da EESP-FGV, com doutorado em Economia em Yale, e ex-professor da London School of Economics.