Bloomberg: Centro-esquerda mostra reação na União Europeia”

15/02/2017 | Política

Valor Econômico, 4/2/2017

schultz3.jpgCandidato a premiê, Schultz reenergizou sociais-democratas na Alemanha O renascimento da direita nacionalista na Europa tornou-se quase um clichê. Mas não é inconcebível que uma reação esteja ocorrendo em alguns países antes de os nacionalistas terem a oportunidade de assumir o poder.

É cedo demais para tirar conclusões, mas nas duas maiores economias da União Europeia, Alemanha e França, episódios recentes mostram que os eleitores poderão estar receptivos a mensagens de centro-esquerda caso seus representantes sigam regras simples e deem seu recado com energia.

Emmanuel Macron, ex-ministro do governo socialista do presidente François Hollande, é agora o favorito, entre os quatro candidatos originários da política tradicional da França. Embora Marine Le Pen, a dirigente da Frente Nacional (de extrema direita), seja tecnicamente a candidata mais popular, as pesquisas atribuem uma vantagem de 20 a 30 pontos ao candidato que for ao segundo turno das eleições e enfrente Le Pen. As pesquisas, claro, erraram nos últimos anos, mas fechar uma diferença dessa magnitude em apenas três é bem mais difícil do que o que Donald Trump conseguiu nos EUA.

O surgimento de Martin Schultz como o candidato a premiê da Alemanha pelo Partido Social Democrata (SPD) reenergizou o partido, acostumado a desempenhar um papel secundário na coalizão de governo chefiada pela União Democrata Cristã (CDU), de Angela Merkel. Duas pesquisas recentes mostram um salto na intenção de voto dos social-democratas, de 22% para 26% - o que ainda não basta para vencer a CDU, que tem de 32% a 35% de apoio.

Se Schulz ampliar a adesão, o SPD poderá até conseguir coligar-se com a esquerda e os Verdes, negando a Merkel o quarto mandato. Mas, mesmo se essa possibilidade for fugaz, o SPD tende a conquistar mais influência numa próxima grande coalizão com Merkel.

Tanto Schulz como Macron têm sólidas credenciais de centro-esquerda. O francês não é o candidato do governista Partido Socialista - que é Benoit Hamon, um político mais de esquerda - mas trabalhou no governo socialista e, apesar de oferecer um programa pró-negócios, acena com alguma expansão do seguro-desemprego - por exemplo, aos que trabalharam temporariamente ou em empregos de período parcial. Quanto a Schulz, ele deixou claro que sua campanha terá como base promessas sociais, como aumento dos salários. Ele diz que os trabalhadores o merecem após anos de renda inferior à expansão da economia.

Schulz e Macron compreendem duas coisas: para ganhar, é necessário ter um certo ar de não adepto da política tradicional e ser pró-ativo, infatigável, na campanha.

Ser parte da política tradicional envolve claros riscos. Não é só que as pessoas, em todos os países, estejam insatisfeitas com a política convencional: ter um histórico de "establishment" político pode ser a base de um assassinato político. Hillary Clinton descobriu isso em 2016. Fillon está descobrindo agora, ao perder popularidade devido às revelações de que sua mulher e filhos teriam recebido US$ 1 milhão como assessores parlamentares sem terem de fato trabalhado. Ele já perdeu a liderança que tinha na disputa, e poderá cair mais.

Quanto a Merkel e os social-democratas com altos cargos em seu governo, a integridade pessoal não está em questão, mas eles sentem o peso de concessões discutíveis, que incluem desconfortáveis idas e vindas na política de imigração.

Diante disso, o ex-executivo de banco de investimentos Macron chama a atenção para seu histórico no setor privado, e Schulz para a sua ausência de envolvimento na atual grande coalizão, já que ele atuava no Parlamento Europeu, em Bruxelas. Ambos deram seus recados diretamente à população num estilo que mais parece americano que europeu. Macron gosta de comícios que atraem um número grande de eleitores. Schulz deu início à sua candidatura com uma viagem ao coração industrial da Alemanha, a zona do Ruhr, e prosseguirá fazendo um giro pelo país.

Nada disso significa que ambos tenham sucesso. Mas suas atividades e aparente poder de atrair eleitor mostram que o centro-esquerda da Europa estão longe do aniquilamento como força política.

Tudo isso obrigou centristas liberais, como Merkel, Fillon e o premiê Mark Rutte, da Holanda (com eleição em 15 de março), a se deslocar à direita para levar votos de alguns populistas nacionalistas.

As forças à esquerda do centro demonstraram capacidade de vencer nas eleições da Áustria, em 2016. Se vencerem na França e Alemanha, uma Europa de inclinação socialista mais unida se lançará contra um EUA nacionalista-populista, o que será talvez o resultado mais imprevisto de 2017 do que a série de vitórias nacionalistas - ainda bastante possíveis.