Bradford DeLong: "O que os democratas precisam fazer"
Bradford DeLong
Valor Econômico, 19/06/2020
Os Estados Unidos, assim como quase todos os outros países, ficaram mais pobres desde o início da pandemia da covid-19 porque os americanos não podem mais se envolver em atividades geradoras de valor que exijam contato humano próximo. Milhões de trabalhadores agora precisam encontrar outras atividades produtivas, mas muitas dessas novas tarefas não serão tão valiosas quanto as que substituíram.
Não deveria haver, contudo, motivos econômicos para que a depressão acarretada pela crise da covid-19 tenha que ser particularmente longa ou profunda. Os EUA lideram o mundo em competência organizacional e tecnológica e são lar de uma força de trabalho altamente capacitada. O problema é que essa recuperação não chegará sozinha.
Buscar o pleno emprego pode acabar exigindo impostos mais altos e progressivos e pode levar a níveis de dívida pública que seriam inconcebíveis na década de 70. Se for preciso endividamento nas alturas para alcançá-lo no médio prazo, isso estaria mais que justificado.
O fato de os EUA terem precisado de dez anos para se recuperarem plenamente da crise financeira de 2008 deveria servir de fonte de informação para os atuais pontos de vista. Na época, antes de a crise das hipotecas subprime irromper, o setor de construção residencial dos EUA já havia encolhido para seu tamanho normal, de forma que não era necessário um ajuste estrutural setorial. O desafio, em vez disso, era identificar e realocar recursos a bens anteriormente não produzidos que se tornariam mais valiosos no futuro.
Além disso, a crise financeira de 2008 e a recessão que se seguiu não tiraram a capacitação profissional dos trabalhadores americanos nem reduziram a eficácia das tecnologias existentes. No curto prazo, destruíram muitas redes profissionais e reduziram a confiança social que sustenta a divisão do trabalho na economia. O único efeito de longo prazo foi a perda da confiança dos investidores na capacidade das instituições financeiras do setor privado de criar ativos financeiros seguros e com classificação de risco adequada.
Mas é por isso que levou uma década para o emprego nos EUA se recuperar da crise das subprime. O mundo sofreu de uma falta de ativos seguros e os governos não conseguiram solucionar esse problema de forma adequada. Os EUA, por sua vez, deveriam ter feito mais para mobilizar uma capacidade adicional de tolerância a risco pelo setor privado, criar ativos públicos seguros e ajudar os trabalhadores, inclusive por meio da impressão de dinheiro e da compra de bens que estimulassem diretamente a demanda e o crescimento do emprego.
Embora agora não exista motivo para que uma volta do emprego aos níveis pré-pandemia também leve dez anos, provavelmente é isso que ocorrerá. As mesmas forças que levaram as autoridades econômicas em 2010 a declarar vitória sobre a crise e a passar a uma abordagem de “austeridade” agora voltaram a entrar em cena. Está claro que o governo federal dos EUA não adotará nos próximos 30 dias nenhuma iniciativa nova para mitigar a depressão ou melhorar a deficiente capacidade de reação do sistema de saúde pública dos EUA.
Também está claro que o Partido Republicano não tem ideias válidas sobre como alcançar uma recuperação rápida em forma de “V”. Cortes adicionais nos impostos dos mais ricos fariam tanto para impulsionar a demanda e o emprego quanto fizeram quando o partido se empenhou em conseguir aprovar a Lei de Empregos e Corte de Impostos no fim de 2017: absolutamente nada. Ninguém com qualquer grau de autoridade na Casa Branca de Donald Trump sabe o que fazer e ninguém seria competente o suficiente para adotar a política certa mesmo se tropeçasse nela por acidente.
Com o Partido Republicano controlando três das quatro possibilidades do governo dos EUA para exercer veto (a Presidência, o Senado e o Supremo Tribunal de Justiça), o país continuará até janeiro de 2021, pelo menos, sem ter medidas coerentes de reação às crises, que vem se multiplicando. Os republicanos já vêm fazendo de tudo para suprimir o comparecimento dos eleitores às urnas nas eleições de novembro. Mas presumindo que esses esforços fracassem e os democratas retomem a Casa Branca e possivelmente até o Senado, o que eles deveriam fazer para salvar os EUA de mais uma década perdida?
Acima de tudo, o Partido Democrata precisa comprometer-se incondicionalmente com o princípio de que todo americano que quiser um emprego deve ter condições de conseguir um. E embora esse emprego não precise ser ótimo, precisa pagar o suficiente para manter a família do trabalhador acima da linha da pobreza. Cada nova medida em estudo deve ser avaliada segundo sua conformidade com esse princípio.
Um comprometimento do governo federal com o pleno emprego não é ideia nova. A Lei do Emprego de 1946 seguiu o princípio, mas desde então ela se diluiu, em razão das reclamações de que o governo não tem como arcar com o apoio ao pleno emprego. A melhor resposta a tais objeções sempre foi a frase satírica de John Maynard Keynes durante um programa de rádio da BBC: “Podemos arcar com qualquer coisa que sejamos capazes de fazer”. O que ele quis dizer é que o sistema financeiro, longe de agir como um limitador independente das atividades econômicas, existe precisamente para respaldar tais atividades.
Encontrar empregos úteis para pessoas dispostas procurando empregos certamente é algo que somos capazes de fazer. Mas ajustar a estrutura financeira e de pagamentos predominante para sustentar o pleno emprego teria consequências, é claro. Por exemplo, poderíamos descobrir que, em condições de pleno emprego, os ricos teriam que tolerar um risco substancial para conseguir um crescimento composto sustentável de sua riqueza. Como argumentou Keynes, o pleno emprego “levaria a uma taxa de juros muito mais baixa” e, portanto, funcionaria como a “eutanásia do rentista”. Que assim seja. Para manter seus estilos de vida reluzentes, os mais ricos teriam que ir consumindo seu capital ou apostá-lo em empreendimentos de risco.
Buscar o pleno emprego também pode acabar exigindo impostos mais altos e mais progressivos e pode levar a níveis de dívida pública que pareceriam inconcebíveis na década de 70. Que assim seja. Se for necessário um endividamento nas alturas para alcançar o pleno emprego no médio prazo, isso estaria mais do que bem justificado. A única forma em que isso poderia se tornar perigoso é se a economia saísse de sua atual estagnação secular, ponto no qual um endividamento altíssimo não seria mais necessário.
Por fim, recuperar e manter o pleno emprego pode exigir que desviemos a demanda do consumo da elite para setores de mão de obra intensiva como a saúde pública. Também pode exigir programas de obras públicas de mão de obra intensiva em grande escala. Que assim seja. É hora de tornar o pleno emprego nossa prioridade. Uma vez que tenhamos feito isso, todo o resto irá se encaixando no devido lugar. (Tradução de Sabino Ahumada).
Bradford DeLong é economista, da University of California e foi subsecretário adjunto do Tesouro dos EUA.