Bruno Wanderley Reis: "Impeachment seria solução mais barata e pactuada"
Para Bruno Reis, fato de Bolsonaro sair do “esgoto da política" e chegar à Presidência é prova da falência institucional
É inconsolável o quadro político atual e futuro traçado pelo economista e cientista político Bruno Wanderley Reis, diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em entrevista ao Valor , o professor afirma que a “degradação dos marcos de convivência política no país é patente” e que o palco armado de disseminação de notícias falsas - o que ele classifica de “terraplanismo político” - acelera a corrosão do Brasil.
Estudioso atento das relações legislativas no país, Reis sustenta que é “fantasia adolescente” imaginar o fechamento do Congresso e marcha nas ruas para prender ministros do Supremo Tribunal Federal. “A fantasia do golpe, seja pela revolução, pelo golpe militar autoritário, seja qual for a coloração e o sabor político da aventura, é irrealista. Mas qual a leitura ingênua disso: ah, hoje a democracia é invulnerável, a ordem institucional é impessoal e burocrática, está aí para ficar e nunca mais vai acabar porque revoluções e golpes são impossíveis. Em termos”, alerta.
Para o cientista político, o sistema político e as relações institucionais se deterioram de maneira acelerada, sobretudo nos últimos cinco anos. A eleição de Jair Bolsonaro é a evidência mais explícita disso. O jogo político deixou de ter fair play desde 2014, sentencia, e chegamos a um cenário em que nenhum dos Poderes exerce a autocontenção. A única exceção, aponta, seria a Mesa Diretora da Câmara, com a postura equilibrada do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).
“O mero fato de Bolsonaro sair do gueto, do esgoto da política, de ser o último dos deputados, o mais irrelevante de todos eles, para se tornar um protagonista e um candidato plausível da Presidência já é sintoma de fragilidade institucional, porque o Bolsonaro nunca fez outra coisa a não ser condenar as instituições vigentes. Quando Bolsonaro deixa de ser irrelevante, é porque as instituições estão frágeis.”
Reis não acredita que Bolsonaro terminará o mandato. “O Centrão acaba não sendo um lastro muito decisivo porque Rei Morto, Rei Posto”, diz, ao analisar a blindagem que o presidente tenta construir no Congresso. Com cautela, reconhece que as condições políticas para um impeachment ainda não estão dadas, mas não aposta numa saída pela cassação da chapa Bolsonaro-Mourão no Tribunal Superior Eleitoral. Para o establishment, advoga, será mais plausível e mais confortável fazer uma pactuação com as Forças Armadas deixando o vice, general Hamilton Mourão, seguir até 2022.
Risco de ruptura
Temos um presidente que conspira contra o controle institucional à luz do dia e todos os dias. Não só conspira, como exorta a conspiração, no meio da pandemia. Faz o que quer, insulta as instituições e elas têm dificuldade de enquadrá-lo. Tenho dificuldade em ver como plausível um cenário de ruptura, colapso. O golpe militar de 1964 sempre tentou se legitimar com um enquadramento institucional. Toda ordem institucional é vulnerável, como diziam os weberianos, a um ataque carismático. A recepção disso, no Brasil, é bem mais cínica, na medida em que os atores políticos têm muito mais espaço para sair interpretando, confrontando e eventualmente rasgando a ordem, aqui e acolá. Mas ela não entrará em colapso. Isso é fantasia. A queda da Bastilha não foi um colapso institucional para quem estava lá naquele dia. Passaram-se anos até cortarem a cabeça do rei.
Golpe militar
Eu vou invadir o Palácio do Planalto, controlar redes de televisão e estarei no Poder? Cercar o Congresso no meio da pandemia, trabalhando remotamente? Cercou o Congresso e daí? A fantasia do golpe, seja pela revolução, pelo golpe militar autoritário, seja qual for a coloração e o sabor político da aventura, é muito irrealista. Qual a leitura ingênua disso: ah, hoje a democracia é invulnerável, a ordem institucional é impessoal e burocrática, está aí para ficar e nunca mais vai acabar porque revoluções e golpes são impossíveis. Em termos. Estamos vivendo uma degradação e deterioração dos marcos de convivência política no país, para não falar no mundo, com a disseminação do que ingenuamente chamamos de “fake news” e que, na verdade, é uma espécie de terraplanismo político. O sistema está corroído.
Instituições
Instituições sempre funcionam. Uma vez que existem, moldam o ambiente. Ela não vai ser irrelevante. Cabe perguntar sobre a resiliência relativa, no tempo, o quanto ela amolda, cede ou constrange. Não existem métricas para isso. Nada opera em vazio completo. Está aí o Supremo botando limites ao presidente, o Congresso botando limites. É uma queda de braço incerta e esse fato mostra que, sim, as instituições produzem efeito. Por outro lado, na medida em que o efeito é incerto e as pessoas estão perplexas e inseguras, isso é sintoma de fragilidade institucional. Se a instituição é realmente sólida, o colapso institucional é impensável. A ruptura é impensável.
Fair Play na política
O Executivo, flagrante e orgulhosamente, se recusa a exercer qualquer autocontenção. Ele julga que está lá para fazer o que der na telha. Qualquer contenção do Executivo, no Brasil de hoje, é inteiramente dependente de outros Poderes. É um governo que ostensivamente rejeita e se ofende com a mera possibilidade de contenção. Conspira abertamente contra a ordem constitucional. Bolsonaro, em 30 anos, nunca foi outra coisa. O mero fato de Bolsonaro sair do gueto, do esgoto da política, de ser o último dos deputados, o mais irrelevante de todos eles, para se tornar um protagonista e um candidato plausível é sintoma de fragilidade institucional. Quando Bolsonaro deixa de ser irrelevante, é porque as instituições estão frágeis. Uma dose de fair play é indispensável. É preciso que os caras se contenham. Se todo mundo joga bruto, deslealmente com todo mundo, não tem sistema político que fique em pé. Depende de certo fair play, de postura cavalheiresca naquela competição. Ou seja, eu vou jogar duro na eleição, mas eu vou até certo limite, porque eu não quero matar a galinha dos ovos de ouro. Políticos racionais não minam a credibilidade do sistema. Em boa medida, parte da nossa encrenca tem a ver com o fato de que, na última década, foi sumindo esse fair play.
PT e PSDB
Para dar nome aos bois: em 2014 faltou fair play da campanha da Dilma com Marina, e da campanha de Aécio com Dilma. Todo mundo cruzou a linha. Aécio de maneira desleal contestou o resultado da eleição. A campanha de Dilma falou inverdades sobre Marina. Todos cruzaram o rubicão.
O STF preferiu não conter, no período anterior, as investigações do período da Lava Jato dentro dos limites legais. Ajudou a desandar as coisas. Há problemas agudos, toda a questão em torno da prisão e julgamento do Lula. Numa questão tão sensível como a prisão em segunda instância, e num ano eleitoral e com um ex-presidente líder das pesquisas, o STF se permitir mudar a interpretação duas, três vezes. Neste momento, constatada a encrenca, a impressão é que o Supremo está usando os recursos que tem e que não tem para tentar minimizar os efeitos de seu próprio mal comportamento anterior. Vira vidraça. Mas tem sua resiliência institucional. Ninguém vai sair por aí cassando ministro do Supremo. Até que ponto o Alto Comando do Exército iria entrar numa aventura como essa? Em nome do que? De Bolsonaro e de seus filhos, e uma quadrilha de gente que bota robôs na rede? Não vejo a coisa se deteriorando para algo do tipo golpe militar. Vejo a coisa deteriorando rumo à violência difusa e à instabilidade crônica. Já estamos neste processo.
Bolsonaro e COVID 19
A pandemia botou Bolsonaro num beco sem saída. Ele adotou um caminho explosivo e se isolou do eleitorado conservador que racionalizou o apoio a ele por rejeição ao PT. A racionalização de que ele vai colocar a crise econômica no colo de governadores tem limites. Está muito claro o que aconteceu. Na hora em que Bolsonaro entra confundindo tudo, ele desorganiza o combate, a coesão, a organização básica entre Estados, municípios e União para ter uma resposta. Pior: ele politizou. Isso o isola da institucionalidade de maneira drástica, não só de Judiciário, Congresso, governadores. Inclusive o capital. Uma tragédia com 100 mil mortos no Brasil é algo que tira o oxigênio da polarização política mais dura. Está todo mundo com medo de morrer. Isso diminui posturas abrasivas e bélicas.
Violência difusa
A presença de Bolsonaro no poder significa carta branca a grupos de extermínio e da banda podre do aparato repressivo. Somos uma sociedade muito mais violenta.
Impeachment
Há um movimento do sistema político como um todo para se livrar de Bolsonaro. Tem um establishment brasileiro conservador que desistiu do Bolsonaro agora na pandemia, gente poderosa e influente. Isso não é posição confortável para se estar. O que está segurando ele são esses 30%, e tem uma ação para minar - com a intensificação do inquérito das “fake news” no STF. Não acredito muito na cassação da chapa. Se tem uma solução mais ou menos natural com o Mourão. Se cassar a chapa, a incerteza sobe muito. Impeachment só sai depois de algum acerto sobre o governo que vem depois. Aí começam a embarcar. É questão de tempo. É a solução mais barata do ponto de vista de acomodação de interesses um acerto tácito com o governo atual, inclusive do ponto de vista da não desmoralização das Forças Armadas. É a opção de menos risco para o Exército. As condições do impeachment não estão dadas, mas minha intuição me diz que Bolsonaro vai cair.
Apoio do Centrão
O Centrão firma pouco. Há negócios para o Centrão em qualquer governo. Estavam no governo da Dilma e votaram pelo impeachment dela. Ponto. O Centrão acaba não sendo um lastro muito decisivo porque “rei morto, rei posto”.
Rodrigo Maia
Rodrigo Maia se comportou dignamente na presidência da Câmara dos Deputados. Deve ter muita gente na elite política ansiosa para resolver a sucessão do Maia ainda neste ano, com tanta incerteza. Maia atua com um comedimento pessoal, em busca de alguma pactuação. Neste momento isso vale ouro, porque o país está desmanchando.