Crescimento da economia não virá com a reforma da Previdência
Publicamos um clipping com o debate de um tema relevante para o Brasil: como reagirá a economia brasileira, o emprego e a renda das famílias no pós reforma da Previdência. Selecionamos opiniões de economistas da UFMG; José Luís Fiori, sociólogo; André Lara Resende, economista; Raquel Faria, jornalista; Ciro Gomes, ex-candidato a presidente pelo PDT; José Paulo Kupfer, colunista do Estadão; Editorial da Folha S.Paulo; Nelson Barbosa, economista; Armando Castelar, Livio Ribeiro e Silvia Matos, economistas da Fundação Getúlio Vargas; Flávio Fligenspan, economista, professor da UFRGS. Todos estes analistas, alguns de centro-esquerda e outros de centro direita, alguns contra e outros favoráveis à reforma da Previdência, têm posições parecidas: o impacto da reforma da previdência no PIB será pequeno e/ou até mesmo recessivo, as diferenças são nas medidas a serem implementadas para a retomada do crescimento econômico. Veja as opiniões a seguir.
Economistas da UFMG (Cedeplar) fazem estudo que indica que a reforma da Previdência traz risco recessivo. Informa o jornal Valor Econômico: “A reforma da Previdência pode ter efeito recessivo sobre a economia brasileira, caso não ocorra um aumento relevante do investimento privado em resposta à melhora da confiança, alerta o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar/UFMG), em nota técnica publicada nesta semana.(...) Com um modelo que estima o impacto sistêmico da redução dos pagamentos de aposentadorias e pensões pelo governo sobre a renda das famílias - e suas consequências sobre o consumo, atividade econômica, investimento, preços e comércio exterior -, os economistas estimam que uma reforma com economia para os cofres públicos de R$ 800 bilhões em dez anos teria um impacto sobre o Produto Interno Bruto (PIB) de -1% a 2% no acumulado da década, a depender da resposta do investimento.(...) O estudo mostra ainda que cortes no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) pioram a desigualdade de renda entre as famílias, enquanto reduções nas aposentadorias do setor público (RPPS) melhorariam a iniquidade, um argumento em favor da proposta de alíquotas progressivas para os servidores, na visão dos pesquisadores Edson Paulo Domingues, Débora Freire Cardoso, Luís Eduardo Afonso e Guilherme Cardoso, do Cedeplar.(...) Para realizar o cálculo, usaram um modelo de equilíbrio geral computável, que permite estimar como variações na renda das famílias afetam a economia como um todo. Além disso, foram adotados dois cenários para a resposta do investimento ao corte de benefícios. Num deles, o investimento apenas responde à queda da demanda como resultado da redução da renda disponível das famílias. No outro, a queda da despesa do governo com Previdência seria integralmente substituída por aumento equivalente do investimento privado.(...) Essa segunda hipótese é considerada, no entanto, muito otimista pelos pesquisadores. Em primeiro lugar, porque não há consenso na economia sobre o efeito da confiança sobre o investimento, afirma Débora. Além disso, a morosidade da queda da taxa básica de juros, recuperação muito lenta da atividade passada a recessão, ausência de espaço fiscal para o crescimento do investimento público sob a regra do teto de gasto e redução do papel do BNDES como banco de financiamento são fatores que jogam contra uma retomada mais forte do investimento privado, avaliam os autores do estudo.(...) "Só a reforma da Previdência, se o investimento não responder dessa forma tão otimista quanto alguns economistas estão prevendo, coloca de fato a possibilidade de um cenário recessivo", diz Débora, frisando que ela e seus coautores são plenamente favoráveis à aprovação da reforma, mas avaliam que a mudança deve ser acompanhada de medidas de estímulo ao investimento, como queda dos juros, revisão do teto de gastos e uma reforma tributária com viés redistributivo” (Valor Econômico - 11/07/2019).
José Luís Fiori, sociólogo: “Com ou sem reforma da Previdência, o programa deste governo não tem a menor possiblidade de recolocar o país na rota do crescimento”. Escreveu o sociólogo José Luís Fiori: “Existe uma pergunta angustiante que está parada no ar: o que passará com o Brasil quando a população perceber que a economia brasileira colapsou e que o programa econômico deste governo não tem a menor possibilidade de recolocar o país na rota do crescimento? Com ou sem reforma da Previdência, qualquer que seja ela, mesmo a proposta pelo Sr. Guedes. E o que ocorrerá depois disso? (...) O mais provável é que a equipe econômica do governo seja demitida e substituída por algum outro grupo de economistas que atenue os traços mais destrutivos do programa ultra-liberal do governo do governo. Mesmo assim, não estará afastada a possibilidade de que o próprio presidente seja substituído por algum dos seus aliados dessa coalisão de extrema-direita construída de forma apressada e irresponsável, em torno de uma figura absolutamente ignorante, despreparada e insana. Mas se nada disso acontecer e as coisas seguirem se arrastando e piorando nos próximos tempos, o mais provável é que as forças de extrema-direita venham a ser fragorosamente derrotadas nas próximas eleições presidenciais” (Carta Maior – 06/06/2019)
André Lara Resende, economista: “A busca do equilíbrio fiscal no curto prazo, quando há desemprego e capacidade ociosa, não apenas agrava o quadro recessivo, como termina por aumentar o peso da dívida em relação ao PIB”. André Lara Resende, economista próximo ao PSDB e um dos pais do Plano Real, despertou a ira da direita com suas críticas a política econômica de Bolsonaro: “No Brasil, depois de alguns meses do novo governo, a economia não dá sinais de que irá se recuperar. Continua estagnada, com a renda abaixo do que era há cinco anos e o desemprego acima de 12% da força de trabalho. O programa dos tecnocratas que estão no comando da economia parece estar condicionado à aprovação da reforma Previdência, uma reforma há décadas mais do que necessária, mas na qual não faz sentido depositar todas as esperanças. Transformada num cavalo de batalha com o congresso, insistentemente bombardeada como imprescindível pela mídia, a reforma da Previdência, ainda que aprovada sem grande diluição, como os resultados não são imediatos, não será suficiente para resolver o problema fiscal dos próximos anos. Também não será capaz de despertar a fada das boas expectativas. Como demonstra de forma dramática a experiência recente da Grécia, a busca do equilíbrio fiscal no curto prazo, quando há desemprego e capacidade ociosa, não apenas agrava o quadro recessivo, como termina por aumentar o peso da dívida em relação ao PIB.(...) O resultado pode ser avaliado por alguns números. O desemprego, que já era alto antes do início do ajuste, quase de 10%, três anos depois chegou a 28% da força de trabalho e a mais de 60% entre os jovens. No ano passado o desemprego ainda estava perto de 20% e o PIB tinha caído mais de 30% em relação a 2010. A dívida, que era equivalente a 150% do PIB em 2010, depois de quase uma década de ajuste, chegou a 180% do PIB. Mas os números, por mais impressionantes que sejam, não podem exprimir a dimensão da verdadeira tragédia que se abateu sobre a Grécia. O país foi destroçado” (Valor Econômico – 14/05/2019).
Raquel Faria, jornalista: “Nova previdência vai prejudicar a economia em vez de ajudar”. Diz a jornalista: “Projeto reduz consumo e tunga o maior patrimônio das empresas, que é o seu mercado, ao empobrecer muitos e privilegiar uns poucos. A reforma da previdência aprovada em 1º turno na Câmara nesta quarta (10/07) deve surtir efeitos opostos ao anunciado por seus patrocinadores. Vai deprimir a economia em vez de estimular. A reforma era inevitável. Mas, o seu custo social e econômico seria bastante atenuado se o ajuste fosse mais racional e equilibrado, tirando muito de poucos e não da maioria do povo. Como está, a reforma é concentradora de renda, antieconômica e contraproducente.(...) Os cerca de R$ 900 bilhões para cobrir os cofres previdenciários na próxima década sairão do bolso de consumidores; deixarão de circular no comércio. E esse desfalque não será compensado por investimentos. É um engodo a ideia de que ajuste fiscal atrai os capitais. Ninguém aplica dinheiro em negócio porque o governo está com contas no azul e, sim, porque há gente querendo o bem a ser ofertado. O que atrai investidor, sempre, é justamente aquilo que a nova previdência vai prejudicar: a demanda interna por serviços e produtos.(...) Pelo projeto aprovado, mais de R$ 680 bilhões ou quase 80% da poupança previdenciária serão pagos por trabalhadores do setor privado. A segunda maior conta, mais de R$ 150 bilhões, recairá sobre os mais pobres, beneficiários do BBC (benefício para idosos vulneráveis) e do abono salarial. Os servidores federais, que ganham muito mais e ainda têm estabilidade, vão contribuir com pouco mais de R$ 50 bilhões. E os reis das benesses, os militares, darão meros R$ 10 bilhões. O principal critério na distribuição dos custos parece ter sido o seguinte: quanto mais rico, poderoso e privilegiado, menor o sacrifício.(...) É a “maior redução de direitos já vista em nossa história” segundo Marcus Oriente, professor de direito previdenciário da USP, em artigo na Folha. “A reforma prevê condições para a obtenção de benefícios que serão impossíveis de serem atendidas pelos trabalhadores em geral, o que é agravado pela reforma trabalhista, que generalizou o acesso a trabalhos instáveis, dificultando a continuidade da vida contributiva”, comentou.(...) Na prática a reforma extingue a aposentadoria para muitos brasileiros, quiçá a maioria. Os ‘inaposentáveis’ passarão a vida pagando para ajudar a financiar os grupos que seguirão usufruindo da aposentadoria, agora um privilégio social. Isso é uma solução? Claro que não. Para as contas do governo será um alívio, mas somente temporário, até que a destruição da perspectiva de aposentadoria aprofunde a queda na arrecadação do INSS e comprometa novamente o sistema (a contribuição dos privilegiados não sustenta nada). A injustiça da reforma anulará com o tempo os ganhos fiscais. E para a economia, será um desastre na certa.(...) Virou mantra no Brasil atribuir ao empresário ou investidor o papel de movimentar a economia, fazer a roda girar. Não é bem assim. Se tem algo abundante no mundo de hoje são capitais. Não falta dinheiro para novos empreendimentos. Desde que haja mercado. O maior ativo da empresa moderna não está em seu caixa ou imóveis e sim no seu cliente, no seu mercado. Essa reforminha mesquinha e distorcida aprovada ontem não passa de uma tungada, um golpe, no maior patrimônio das empresas brasileiras. Empobrecer muitos para beneficiar poucos é a receita mais antimercado e antieconômica que existe. E não se faz outra coisa em Brasília. Não é à toa que o país não vai para frente”.
Ciro Gomes: “No dia seguinte à reforma da Previdência, não vai acontecer nada; será a maior ressaca da história brasileira”. Informa o Valor Invest: “Terceiro colocado nas eleições presidenciais de 2018, Ciro Gomes (PDT) avaliou que, ao contrário da expectativa do governo do presidente Jair Bolsonaro, a eventual reforma da Previdência não terá impacto significativo na retomada da economia brasileira. A proposta é uma das maiores apostas do governo para o primeiro ano de mandato. O mercado tem acompanhado de perto cada movimento político em torno da reforma, na expectativa de que ela equilibre as contas e destrave o crescimento da economia. O discurso dos ministros de Bolsonaro é de que a aprovação reforma da desencadearia uma série de mudanças, inclusive na política tributária. Ciro discorda.(...) Em apresentação para avaliar os primeiros seis meses do governo, o pedetista apontou que, por um lado, o nível de atividade da indústria está muito abaixo de sua capacidade. Do outro, o nível de inadimplência da população está muito alto. “No dia seguinte à reforma da Previdência, não vai acontecer nada. O nível de atividade está tão baixo e inadimplência tão alta que nada se mexerá só com reforma. Será a maior ressaca da história brasileira quando se derem conta disso”, avaliou Ciro.(...) Do ponto de vista político, o governo Bolsonaro também não obterá grandes ganhos, prevê. “Tal como está o parecer, teríamos em tese economia de R$ 800 bilhões. Mas não é R$ 80 bilhões por ano. É na verdade bem pouco no início e mais no final. O governo Bolsonaro não vai beber desta fonte. O efeito para 2020, por exemplo, é nulo”.(...) Para Ciro, a mudança no quadro poderia ocorrer com medidas que ele questiona se serão tomadas pela atual gestão, como um aumento robusto no investimento público.“Com a indústria com 25% de sua capacidade ociosa, o investimento tem de ser do governo. Mas os que estão aí acreditam justamente no contrário disso”, disse. Além disso, ele defendeu tomar medidas como a tributação de lucros e dividendos, de onde se poderia levantar R$ 70 bilhões, afirmou, e imposto sobre transmissão de heranças acima de R$ 2 milhões, de onde viriam mais R$ 15 bilhões. “Só aí você já quase mata o déficit”, defendeu. Dado como futuro candidato a presidente em 2022, Ciro diz que “Bolsonaro não é responsável pela tragédia brasileira, que começa em 2014”. Mas, tendo em vista a intenção do presidente de concorrer à reeleição, ele se verá obrigado futuramente a dar uma “guinada” no rumo do governo. “Para onde é que ainda não sabemos”, pontuou. (Valor Invest 02/07/2019).
José Paulo Kupfer, colunista do Estadão: “Reforma da Previdência pode tirar mais sangue de um corpo já anêmico”. O colunista José Paulo Kupfer escreveu: “O “tudo” da reforma previdenciária corre o risco de contribuir para mais alguns anos de “nada” de crescimento. Transcorre, agora no segundo trimestre de 2019, o quinto aniversário do mergulho da economia brasileira numa recessão da qual ainda não se recuperou. Comemora-se também agora o terceiro ano em que a reforma da Previdência galgou o posto de grande panaceia dos problemas econômicos brasileiros.(...) Pode parecer que a ligação de uma coisa com a outra não seja apenas coincidência. Mas a resposta depende do teste de uma “hipótese tostines”: a economia não cresce porque não foi feita a reforma da Previdência ou a economia não cresce porque se insiste quase exclusivamente em concentrar esforços nas tentativas de fazer a reforma da Previdência? Os gastos previdenciários, que já superam metade das despesas primárias do governo federal, são apontados pelo “main stream” econômico-financeiro como razão primordial do travamento da atividade econômica. Por isso, imaginar que sem reduzi-los não haverá como recuperar a economia não deixa de ter um peso lógico. É nessa lógica que se sustenta o mantra segundo o qual sem reformar a Previdência, aumentando contribuições e cortando benefícios, advirá o caos. Um pulo no futuro mostraria, contudo, que nenhuma reforma previdenciária, robusta ou desidratada, terá a capacidade de evitar o “caos” — esse conceito apocalíptico que estamos conseguindo esculhambar, ao banalizar seu advento e ao retalhá-lo em gradações que não lhe são próprias. Ao contrário, o mais provável é que concluída a reforma, seu impacto de curto prazo será contracionista e recessivo.(...) Sem medidas compensatórias, a reforma da Previdência aumentaria a chance de se descobrir que o “caos” brasileiro é daquele tipo com alçapão. Nos primeiros tempos pós-reforma, o consumo tenderia a encolher, tudo o mais mantido constante, não só pelo aumento das contribuições previdenciárias e pelo corte nos benefícios, mas também pela percepção de que seria necessário poupar mais para garantir a mesma aposentadoria anteriormente prevista. É verdade que as condições financeiras menos apertadas — juros básicos menores, câmbio mais valorizado, risco-Brasil minorado — poderiam trazer algum impacto compensatório, mas seus efeitos demoram a se efetivar e o saldo final permaneceria contracionista. Sem falar que, mesmo depois da reforma, o teto de gastos, nos primeiros tempos, continuaria ameaçado. Se a tendência pós-reforma é de contração, aquele famoso circuito “confiança – investimentos – empregos – consumo – retomada” não se concretizaria. Como, diga-se, não tem se concretizado desde que passou a ser a tábua de salvação dos ideólogos da austeridade fiscal.(...) Depois de suas mais recentes pesquisas, o economista italiano Alberto Alesina jogou a toalha. A teoria da “contração expansionista”, que ele mesmo lançou logo após a crise de 2008, passa por revisão. Como resume o economista Manoel Pires, pesquisador do Ibre-FGV, em resenha do último livro de Alesina (“Austeridade – quando funciona e quando não funciona”, em tradução livre), embora não queira dizer que não devam ser implementados, “ajustes fiscais são contracionistas”. A experiência brasileira desses cinco anos de recessão e quase recessão parece suficiente para deixar claro falhas do circuito previsto na contração expansionista — que é o fiador da ideia sem base real do “tudo ou nada” atribuído à reforma da Previdência. Há evidências de que a recuperação da confiança de empresários e consumidores não basta para que se retome o investimento. Também há evidências de que, pelo menos no caso brasileiro recente, é a demanda que impulsiona o investimento — e não o inverso.(...) Nesse ambiente, o “tudo” da reforma previdenciária corre o risco de contribuir para mais alguns anos de “nada” de crescimento. O maior perigo é que, se não vier acompanhado de medidas compensatórias, que evitem tirar mais sangue de um corpo econômico já anêmico, nem mesmo o ajuste fiscal pretendido fica garantido” (Blog Poder360 – 12/04/2019).
Folha de S.Paulo, em editorial: “Grandes empresários e investidores apoiam a agenda liberal, como a reforma da Previdência, mas não investem”. Em editorial escreveu a Folha de S.Paulo: “Crises internas e embates ideológicos à parte, um dos fenômenos mais marcantes dos primeiros seis meses do governo Jair Bolsonaro (PSL) é, sem dúvida, o contraste entre o otimismo da Bolsa de Valores e a prostração da economia real. Enquanto os preços das ações mais negociadas bateram recordes nominais, a produção e a renda do país ficaram estagnadas em patamares já deprimidos —e em flerte com uma recaída recessiva.(...) Entre grandes empresários e investidores nota-se ampla aprovação à agenda liberal e aos quadros da equipe econômica de Brasília, além de prognósticos favoráveis quanto à urgente reforma da Previdência. Entretanto essa boa impressão não se traduz em investimentos e contratações. Como resultado, as projeções para o crescimento do Produto Interno Bruto neste 2019 estão em queda contínua e hoje rondam 0,85%, abaixo até da taxa pífia de 1,1% verificada nos dois anos anteriores. À falta de um entendimento mais completo, uma hipótese usual para explicar o mau desempenho é a cautela do setor produtivo —que estaria a aguardar um desfecho mais palpável da mudança no sistema de aposentadorias ou, quem sabe, sinais mais convincentes de estabilidade no cenário político.(...) Em entrevista a esta Folha, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, previu um “ganho de expectativas gigantesco” com a aprovação da reforma previdenciária. A isso seriam somados os efeitos de outras medidas liberalizantes, da abertura do mercado de gás à redução da participação dos bancos públicos no setor de crédito. Essa agenda, diga-se, está em curso desde 2016, na chegada de Michel Temer (MDB) ao Planalto, com feitos relevantes —como o teto para o gasto federal, a reforma trabalhista e a quebra do monopólio da Petrobras no pré-sal, além da redução expressiva da inflação e dos juros do Banco Central. O governo Bolsonaro teve, até agora, o mérito de aproveitar iniciativas que encontrou em andamento, casos do projeto que busca ampliar o cadastro positivo e mesmo do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.(...) A resposta da economia a esses avanços tem sido frustrante, decerto. Como mostraram trabalhos recentes da Fundação Getulio Vargas e do Bradesco, a taxa de investimento do país caiu, na recessão, ao menor nível das últimas décadas, de meros 15% do PIB —e pouco se alterou desde então. Nada parece recomendar, porém, movimentos na direção oposta. Não se trata aqui de purismo liberal, mas do incontornável esgotamento dos meios para elevação do gasto público, dos incentivos tributários ou do crédito oficial. Neste cenário ainda pouco compreendido, ainda estão por serem corrigidos erros e excessos do passado” (Folha de S.Paulo, 3/09/2019).
Nélson Barbosa, economista, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento: “Em um contexto de alta capacidade ociosa e elevado desemprego, o principal problema macroeconômico é a falta de demanda, não a restrição de oferta”. Artigo de Nélson Barbosa na Folha: “As projeções de crescimento da economia brasileira já caíram para menos de 1% neste ano. Caso isso se confirme, será o terceiro ano de estagnação do PIB per capita após a grande recessão de 2014-16. Por mais que alguns colegas insistam em culpar os governos do PT pelo lento crescimento desde 2017, essa desculpa está ficando cada vez mais esfarrapada com o passar do tempo. Sem ignorar que os eventos de 2014-16 ainda têm influência sobre a economia (vide o colapso da construção civil pós-Lava Jato, o apagão de canetas na infraestrutura e a fragilidade política do Executivo no Congresso), cabe perguntar: qual foi a influência da política econômica adotada desde 2017? Uma análise objetiva dos fatos revela que parte da recente estagnação decorre de decisões fiscais e monetárias. Começando pelo fiscal, no primeiro semestre de 2017, quando a economia mal havia saído da recessão, o governo Temer fez grande contingenciamento de gastos, e isso prejudicou a recuperação da renda e do emprego (o erro de Meirelles). Naquele momento, alertei para o risco de fazer consolidação fiscal tão cedo, pois a redução do investimento público prejudicaria a recuperação do crescimento devido ao seu impacto negativo na construção civil. Infelizmente meu alerta se confirmou. Reconheço que o governo Temer tentou reverter seu erro inicial, liberando recursos do FGTS para o consumo ainda em 2017 e relaxando um pouco a política fiscal em 2018. Porém, devido à mudança do cenário político e internacional, isso se mostrou insuficiente para garantir a recuperação da economia.(...) Hoje voltamos à política fiscal medieval de sangrar o paciente para ver se ele melhora. O governo Bolsonaro fez novo contingenciamento, e o investimento público deve cair para seu nível mais baixo nos últimos 16 anos, quando medido em proporção do PIB. A lógica da atual equipe econômica é a mesma do início de 2017: a redução do gasto público abrirá espaço para a redução da taxa de juro, e isso, ao lado da maior confiança decorrente da melhora das finanças públicas, aumentará o consumo e investimento privados. Essa hipótese —a “contração fiscal expansionista”— é possível, mas improvável.(...) O que dizem os números? Desde 2017 tivemos redução do gasto discricionário do governo, queda da inflação e corte da taxa de juros como previsto pelos defensores da sangria. A taxa básica de juro real caiu de 9% para 3% ao ano, e mesmo assim a economia não se recuperou. A conclusão inevitável é que a Selic poderia e deveria ter caído bem mais se o BC não tivesse inventado riscos inexistentes para a inflação em 2017 (o erro de Goldfajn). O fracasso da política fiscal e monetária em recuperar a renda desde 2017 não é surpresa para quem acompanha o assunto. Em um contexto de alta capacidade ociosa e elevado desemprego, o principal problema macroeconômico é a falta de demanda, não a restrição de oferta. Nesse quadro, adotar política fiscal restritiva sem compensação adequada do lado monetário tende a prejudicar, em vez de ajudar a recuperação do crescimento. E apontar que o problema de hoje é a demanda não significa que não teremos problemas de oferta mais à frente. O governo pode atuar sobre a demanda no curto prazo ao mesmo tempo que realiza reformas para melhorar a produtividade da economia no longo prazo. Existem mais de duas escolhas no menu de política econômica, e até o governo Bolsonaro pode atuar sobre a demanda e a oferta ao mesmo tempo. Porém, antes disso será preciso abandonar o atual viés ideológico do Ministério da Economia” (Folha, 05/07/2019).
Três economistas da Fundação Getúlio Vargas - Armando Castelar, Livio Ribeiro e Silvia Matos - afirmam que a reforma da Previdência terá “impacto pequeno” no crescimento da economia e que, no curto prazo, ela é contracionista por tirar renda das pessoas. Informa o jornal Valor Econômico: “A reforma da Previdência é indispensável e sua não aprovação seria desastrosa para a economia, mas a mudança do sistema de aposentadorias não levará sozinha a uma aceleração significativa do crescimento, advertem economistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). O avanço de medidas que simplifiquem o sistema tributário, melhorem o ambiente de negócios e aumentem a previsibilidade são fundamentais para que o país consiga crescer a taxas mais robustas, segundo os pesquisadores Armando Castelar, Livio Ribeiro e Silvia Matos. Os três pesquisadores do Ibre/FGV participaram ontem de evento no Valor, discutindo a reforma da Previdência e os obstáculos à retomada. Para eles, a reforma da Previdência terá algum impacto positivo na economia, por reduzir uma incerteza importante sobre a sustentabilidade das contas públicas no longo prazo. A questão é que ela, por si só, não levará a economia a crescer com muito mais força. Para Silvia, o ritmo de expansão do PIB pode passar para a casa de 1,5% a 2%, mais do que o cerca de 1% que vigora desde 2017, mas longe de ser uma taxa exuberante. "A reforma da Previdência é superimportante e será um desastre se não for aprovada, levando o país à recessão; mas, se passar, não resolverá tudo sozinha", reiterou Castelar. Ele vê como factível o Congresso aprovar uma mudança do sistema de aposentadorias que economize de R$ 700 bilhões a R$ 800 bilhões em dez anos, o que seria um bom número. A proposta original do governo previa uma poupança de R$ 1,25 trilhão em uma década. Castelar lembrou que o efeito direto da reforma é contracionista, por tirar renda das pessoas. O ponto é que, ao reduzir a incerteza, isso deve levar a alguma expansão do investimento, com impacto favorável sobre a atividade. "Não sou pessimista de achar que a reforma vai atrapalhar o crescimento. O resultado líquido deverá ser positivo, mas será algo pequeno", disse ele, destacando que a economia continua travada por outros fatores, como restrições de oferta, ainda que as incertezas pesem negativamente sobre a recuperação” (Valor Econômico, 28/07/2019).
Flávio Fligenspan, economista, professor da UFRGS: “Na economia brasileira nunca o setor privado saiu na frente; pelo contrário, sempre foi puxado pelos sinais bem nítidos do planejamento e do gasto público e isto ficará claro com a permanência da estagnação logo após a reforma da Previdência”. Artigo do professor da UFRGS: “Várias vezes, nos últimos anos, representantes do governo tentaram convencer a sociedade brasileira de que determinados eventos teriam a capacidade de, ao recuperar a confiança de empresários e consumidores, relançar as bases de um novo ciclo de crescimento. Sabia-se, desde sempre, que estas eram diferentes versões do que antigamente se chamava de “conversa mole”. Lembro de pelo menos três destes eventos: o impeachment de Dilma, a reforma trabalhista de Temer e a introdução da Lei do “Teto de Gastos”. Neste primeiro semestre de 2019 estamos diante da quarta versão, a reforma da previdência. Ela mostraria a firme intenção do Governo de melhorar o resultado das contas públicas, o que sinalizaria para um reequilíbrio fiscal num horizonte de médio prazo. Tal sinal traria de volta a confiança que está faltando para a decisão empresarial sobre novos investimentos que estimulariam o crescimento da economia.(...) A exemplo das vezes anteriores, os economistas que não se alinham com o Governo sabem que isto não é verdade. Os economistas que se alinham com o Governo também sabem que isto não é verdade, mas que está chegando a hora de evitar esta desculpa, porque a reforma – alguma reforma – vai passar no Congresso e o crescimento não virá. E aí eles não vão ter como se explicar, a não ser que se recorra mais uma vez ao conhecido subterfúgio de que ainda faltou um pouco mais de intensidade do mesmo remédio para se alcançar o objetivo prometido. As ciências cujos laboratórios são a própria sociedade e que, portanto, não conseguem controlar rigidamente seus experimentos, sempre oferecem esta saída.(...) Como a realidade da estagnação da economia brasileira logo vai se impor, após a reforma da previdência, alguns dos que defendiam a versão mais recente do choque de confiança já começaram a mudar de lado e admitir que, dadas as condições de letargia da atividade por cinco a seis anos, não é possível voltar a crescer dependendo apenas da política monetária e de reformas microeconômicas que vão dar respostas incertas e nada rápidas. Passam então a pregar publicamente a necessidade de estímulos fiscais, isto é, gasto público que incentive a retomada, este sim, capaz de injetar confiança no setor privado. Aliás, nada de novo na economia brasileira, já que nunca o setor privado saiu na frente; pelo contrário, sempre foi puxado pelos sinais bem nítidos do planejamento e do gasto público.(...) Por isso, estimular a demanda pelo gasto público anticíclico, preferencialmente em obras de infraestrutura e no deprimido setor da construção civil, é fundamental neste momento. As respostas deste tipo de estímulo são grandes, o que já está medido para a economia brasileira. Bem vindos os que estão mudando de opinião e que se juntam aos que apoiam desde sempre tais medidas” (Sul 21 – 09/07/2019).