Depois de manifestações de 150 mil pessoas, Chile vai reformar a sua previdência privada, que levou o povo à pobreza

17/08/2016 | Política

Valor Econômico - 11/08/2016

Dobrando-se à insatisfação popular, a presidente do Chile Michelle Bachelet está propondo mudanças na mais radical de todas as reformas econômicas do ex-ditador Augusto Pinochet - o sistema de previdência privada que inspirou uma onda de projetos parecidos no mundo.

Pela primeira vez, as empresas terão de contribuir para o sistema, que até agora dependia dos pagamentos dos trabalhadores a contas de poupança privadas. Bachelet fez o anúncio em um pronunciamento à nação transmitido pela TV na noite de anteontem. As propostas estão sendo apresentadas depois que mais de 100 mil manifestantes saíram às ruas de Santiago no mês passado para exigir mudanças.

É fácil entender a ira popular. O sistema implementado em 1981 aumentou a taxa nacional de poupança, deu suporte à expansão dos mercados de capital e alimentou mais de 30 anos de crescimento econômico.

Mas fracassou em um aspecto de vital importância: ele paga pensões muito baixas.

Os chilenos recebem uma aposentadoria média equivalente a 38% de sua renda final, a menor taxa entre as 35 nações da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), depois da do México. Os fundadores do sistema sinalizaram que essa taxa seria próxima de 70%.

"Precisamos construir um sistema de solidariedade que não deixe todas as responsabilidades com os indivíduos e que os abandona quando eles são deixados para trás", disse Bachelet.

As propostas marcam uma mudança de atitude em relação a um sistema que já foi tido por muitos economistas como uma panaceia na década de 90, uma vez que o envelhecimento populacional ameaça quebrar os sistemas tradicionais de previdência.

O sistema foi copiado, pelo menos em parte, por países como Peru, Colômbia e México e elogiado por candidatos republicanos nos Estados Unidos. Mas ele se mostrou um fardo muito pesado para os chilenos comuns, que se sentem abandonados na velhice por um governo que tem mais de US$ 20 bilhões em fundos soberanos e mesmo assim pouco contribui para o sistema previdenciário.

"As primeiras gerações que trabalharam sob esse modelo começam a se aposentar e estão percebendo que suas aposentadorias são muito menores que o prometido", diz o economista Claudia Sanhueza, membro da Comissão de Pensões estabelecida pelo governo que propôs mudanças no sistema.

O sistema previdenciário foi criado na metade da ditadura Pinochet, pelos chamados "Chicago Boys", economistas formados pela Universidade de Chicago. Ele encaminhava as contribuições dos trabalhadores para fundos privados, reduzindo a receita do governo nas décadas seguintes, em troca da redução dos pagamentos de aposentadorias pelo Estado decorridos 30 anos.

"O sistema foi imposto durante a ditadura e visto como uma maneira simples de o Estado se livrar de uma parte importante dos gastos fiscais", diz Sanhueza. "Em razão de suas origens e resultados, o sistema não tem legitimidade."

Ele foi desencadeado por uma recessão, cortes nos gastos fiscais e uma repressão a todas as formas de dissidência. Os chilenos não gostaram de um sistema que lhes foi imposto, mas a economia não olhou mais para trás.

Os fundos de pensão acumularam bilhões de dólares em poupanças, chegando a US$ 176 bilhões no mês passado, grande parte deles aplicados em ações e bônus locais, cortando os custos financeiros e encerrando décadas de dependência do capital externo. O PIB cresceu em média 5,2% nos últimos 32 anos.

Com os fundos de pensão crescendo, assim como a economia, 33 países, do Peru à Polônia, copiaram o sistema. Nove deles o copiaram em sua totalidade, enquanto que 24 adotaram partes dele.

Mas ao longo do tempo a frustração popular foi aumentando, com milhares de chilenos mergulhando na pobreza ao se aposentar. O sistema não conseguiu cumprir com suas promessas iniciais sobre o valor das pensões.

O problema é que os chilenos não poupam o suficiente. Os criadores dos sistema previram que os trabalhadores iriam fazer contribuições por mais de 30 anos, um estudo da Pension Funds Association constatou que apenas um em cada quatro aposentados economizou dinheiro por mais de 25 anos. Como resultado, a aposentadoria média das pessoas que se aposentaram no ano passado foi de cerca de US$ 400, mas para cerca de 40% delas a aposentadoria ficou entre US$ 160 e US$ 260.

E o problema estava piorando. Os fundos de pensão conseguiram um retorno médio sobre os ativos de 12,3% na década de 80, 10,4% na década de 90, 6,3% nos anos 2000 e apenas 4,3% desde 2010. Com contribuições menores que as esperadas e a queda dos retornos, o sistema precisava encontrar mais dinheiro em algum outro lugar.

Bachelet disse que os empregadores serão a nova fonte de recursos e vão pagar 5%, além dos 10% que os trabalhadores já contribuem. O pagamento extra, que será introduzido gradualmente ao longo dos próximos dez anos, irá para um chamado pilar de solidariedade, em vez das contas-poupança pessoais dos trabalhadores, permitindo ao governo aumentar as atuais pensões e conseguir uma maior igualdade futura.

As propostas deixarão as contas-poupança individuais da população intocadas. Aqueles que ganham mais ajudarão aqueles que ganham menos a economizar para suas aposentadorias, disse o ministro das Finanças Rodrigo Valdes, destacando a necessidade de um acordo com a oposição para a aprovação das mudanças. A reforma, conforme se encontram elaboradas, custará US$ 1,5 bilhão, ou 0,5% do PIB, segundo disse Valdes.