Emir Sader: “A democracia como armadilha”
Brasil 247 – 14/03/2018
O que a direita fez e continua fazendo é transformar a institucionalidade supostamente democrática em arma para derrotar o projeto mais popular e democrático da historia do Brasil, junto com sua liderança maior, o Lula.
O Congresso não teria o direito de terminar com o mandato da Dilma, mas inventou argumentos, incensados pela mídia monopolista e tolerado pelo Judiciário, para dar um golpe. Não poderia assim tomar posse o vice presidente e, menos ainda, colocar em prática o programa derrotado quatro vezes nas urnas pelo povo, de que, em duas oportunidades, participou dessa derrota do programa neoliberal da direita, o próprio vice presidente.
Não há crime, nem argumentos para processar e condenar o líder que o povo quer de volta como presidente do Brasil, mas o Judiciário, atuando partido totalitário, como máquina unânime, acelera a condenação e a exclusão do Lula da disputa eleitoral.
Tudo montado com cobertura institucional, como se as instituições democráticas funcionassem, legitimados pela mídia monopolista.
A esquerda foi acusada, durante muito tempo, de usara democracia, sem se comprometer profunda e permanentemente com ela. Quem faz isso é a direita, tornando a democracia uma armadilha para destruir a democracia.
Tinha feito isso em 1964. Fez gigantesca campanha de que a democracia estava em perigo, sobre o risco da instauração de uma ditadura comunista no Brasil, para instaurar a pior ditadura que o pais já conheceu, destruindo tudo o que havia de democrático no Brasil.
Agora, de maneira similar, acusam o PT de se ter valido da democracia para promover políticas sociais que colocariam em risco a saúde financeira do país. Mas é a direita quem destrói o país, seu patrimônio público, os direitos sociais de todos, o poder de lugar dos trabalhadores, a soberania externa do país. Destroem-se os pilares da democracia, como o respeito ao voto popular que reelegeu a Dilma, o direito do povo escolher quem será o próximo presidente do Brasil, o direito de defesa nos processos judiciais, a isenção básica dos juízes que dirigem os processos.
Desmoraliza-se assim a democracia, se quer instaurar um sistema político esvaziado de poder e de participação política do povo. Se quer naturalizar o golpe.
Para a direita, democracia só vale quando ela controla o processo eleitoral, quando só ela elege quem ganha e governa.
A democracia no Brasil foi conquista popular e interessa ao povo sua preservação. A democracia é o espaço privilegiado de organização, de manifestação e de luta do povo.
Lula pautou toda a sua vida de lutas pela defesa da democracia e pelo seu fortalecimento. Nasceu para a luta na defesa dos interesses dos trabalhadores e na resistência à ditadura militar.
Fez sua carreira de líder político na construção do PT e nas campanhas eleitorais pela via democrática. Lula segue essa lógica coerente de vida, enfrentando a pior perseguição política que um dirigente político já sofreu no Brasil, valendo-se dos seus argumentos para provar que não cometeu nenhum crime.
A defesa do Lula é a defesa da democracia e a defesa da democracia é a defesa do Lula.
Não há outro caminho para a esquerda brasileira. Não é ilusão com o Judiciário ou com a direita brasileira. Se trata de explorar os espaços existentes, dar a luta de massas pela defesa da democracia, se valer dos espaços existentes para fortalecer as forças democráticas.
Que diz que se trata de um caminho sem saída, ilusório, que aponte outro. A luta clandestina e insurrecional? O movimento seria massacrado rapidamente e derrotado por muito tempo.
Ninguem tem ilusões na institucionalidade nas mãos da direita. Mas a democracia é um espaço de disputa. Abandonar esse caminho seria um suicídio para a esquerda. A logica do Lula é a da luta democratica intransigente. Dela depende o futuro do Brasil.
Emir Sader é sociólogo e cientista político.