Emir Sader: “A recriação do consenso democrático”

23/05/2017 | Política

Brasil 247 – 22/05/2017

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O fim da ditadura foi possível quando a grande maioria do povo se convenceu que a ditadura tinha levado o Brasil a um beco sem saída. Não havia democracia e nem sequer crescimento econômico. A campanha das direitas teve força suficiente para gerar esse consenso, embora não suficiente para aprovar a emenda das diretas no Congresso.

O fracasso do governo Sarney esgotou o impulso democrático gerado na resistência contra a ditadura e abriu espaço para outros consensos. Collor e FHC representaram a vitória do consenso contra o Estado, responsabilizado por eles pela crise econômica e abriram no Brasil a era neoliberal.

Quando o governo FHC se esgotou, nem conseguiu controlar de vez a inflação, nem retomar o crescimento econômico e, ao contrário, intensificando a desigualdade e a exclusão social, o tema social foi projetado como o maior consenso nacional. Lula soube encarnar essa prioridade e os governos do PT reduziram, como nunca na história do Brasil, a pobreza e a miséria, a desigualdade e a exclusão social.

A direita conseguiu romper esse consenso, promovendo o de que o país padeceria essencialmente de corrupção e que a situação econômica teria desembocado num fracasso, devido ao uso excessivo do Estado e dos gastos públicos por parte dos governos do PT. A democracia política, o papel positivo do Estado, as políticas de distribuição de renda, foram desaparecendo da agenda pública, substituídas pelas denúncias de corrupção do PT e do seu uso do Estado, pelas visões do suposto fracasso econômico das políticas dos governos petistas.

O pacote de medidas antipopulares do governo Temer representou, ao mesmo tempo, o deslocamento da agenda nacional para o tema da contraposição entre o que esse governo representa para o país e para o povo e o que o governo Lula representou. Daí o ínfimo apoio que esse governo tem e a subida irresistível do apoio ao Lula.

Simultaneamente, as novas denúncias sobre corrupção de MT provocam sua iminente queda e colocam a questão da sua sucessão. Volta com força o apelo às eleições diretas, enquanto a direita busca, sofregamente, uma alternativa viável institucional e politicamente dentro do golpe.

A força da esquerda virá da capacidade de associar o caráter antipopular do governo golpista a seu caráter corrupto, associando a luta pelas eleições diretas tanto à necessidade de recuperação de um governo legítimo, quanto de um governo com sensibilidade para resgatar o crescimento econômico junto com o respeito aos direitos da população. A luta pela democracia tem que se articular com a luta pela recuperação econômica do país, pelo resguardo dos interesses do povo, pela retomada da redistribuição de renda.

O retorno da democracia será possível quando a massa da população sair de novo às ruas pedindo não apenas pelo direito de eleger o presidente, mas também pelo fim do pacote retrogrado do governo e por medidas de emergência que superem a crise na perspectiva da extensão dos direitos da cidadania. Quando sentir que o golpe significa fome, desemprego, recessão.

A oposição democrática está conseguindo reduzir o governo à passividade. Qualquer movimento seu é pior para ele. Abandonou a votação do pacote de projetos no Congresso, só se defende, tem o tempo de vida daquele necessário para a definição do seu sucessor. É preciso manter o cerco sobre o governo e o Congresso, impedindo que este, agora ou depois que inventem outro presidente, tente retomar as medidas regressivas que iam votar.

As forças democráticas recuperam a iniciativa, as diretas-já são seu objetivo, assim como derrotar as tentativas de repressão a Lula. Ao Fora Temer se somam o Diretas-Já e o Lula-lá.