Fernando Horta: “Por que Lula tem quase 50% das intenções de votos?”
Jornal GGN – 21/05/2018
A primeira resposta é porque o golpe deu errado. O óbvio não fica tão óbvio se você pensa que o poder se exerce pelas instituições e só. Se você acha que o golpe "deu certo" porque Temer está no poder, Carminha zigue-zague no STF e Lula preso, desculpe lhe dizer, mas você não entendeu o que é "poder".
O grande benefício que uma democracia entrega é o exercício legítimo do poder. Uma democracia diz que o vencedor governa, até o próximo mandato. E as pessoas aceitam isto. Democracia vive de legitimidade. Se o poder precisa se justificar física e violentamente por todos os lados, ele passa a ser um poder "caro".
Desde a queda de Dilma havia quatro promessas feitas pelos golpistas a quatro grupos essenciais na sociedade brasileira:
(1) os golpistas prometeram que a economia voltaria a crescer, e fizeram isto não ao dono da ambev ou aos bancos (que ganham em quase qualquer cenário), mas fizeram isto aos empresários de varejo, aos médios empresários que vivem do poder de consumo da população. Como o nível de conhecimento deles sobre economia é muito baixo, eles acreditaram que Temer faria tudo "voltar ao normal" e que a "crise" de 2014 e 2015 era culpa do "pêtê".
Agora dá um google aí e descobre os prejuízos da Natura, da Magazine Luíza e de outras empresas e te assusta.
(2) os golpistas prometeram que iam parar a caça aos políticos no Brasil. O golpe foi para "estancar a sangria" como vocês e a História lembram. Ocorre que não apenas o PMDB continua sendo alvo inconteste das investigações sobre corrupção como vem se tornando o PRINCIPAL alvo. A Lava a Jato usou a justiça de forma política, mas agora, vários outros "agentes" empoderados resolveram que vão continuar a cruzada moralista. PMDB, PP e até mesmo o PSDB começam a ser alvos. E tem pouco Gilmar Mendes para tanto caso de corrupção. Os políticos sentiram que TODOS serão colocados no rolo compressor, sem distinção se são culpados ou não. Isto porque os juízes tomaram o poder. E acreditam que a "verdade" é o que eles dizem. Assim, não interessa se um político é ou não inocente, é ou não corrupto. Interessa se um juiz embestar que ele tem que ser punido. Um juiz ou um membro do MP. São os micro-fascismos soltos. Ou como se dizia na ditadura, "o problema é o guarda da esquina".
(3) os golpistas prometeram à classe média manutenção dos seus privilégios e o crescimento condizente com o que esta classe média julga ser seu espaço de importância. A classe média brasileira é egoísta, ignorante e megalomaníaca. E dá muito pouco, no final das contas ao país. Mas para dar o golpe, os golpistas prometeram à classe média tudo o que ela achava que deveria receber. Ocorre que um dos efeitos da economia é destruir a classe média. Juros altos, dólar alto, empregos urbanos qualificados em queda (engenheiros, médicos, advogados sendo todos destruídos) representam o pesadelo da classe média. Além disto, o fim dos investimentos em educação tocam num ponto essencial para a classe média: poder colocar seus filhos para estudarem de graça em boas universidades públicas para manterem o seu padrão de vida. Tudo isto está destruído.
(4) os golpistas prometeram ao capital internacional um país dócil, pacificado e propenso aos investimentos estrangeiros. Claro que o pré-sal conta, mas mais do que o pré-sal é preciso um país dócil. Os golpistas prometeram o retorno da "normalidade" e isto simplesmente não acontece. Não apenas a violência explode tanto por parte dos bandidos quanto das polícias, como agora caminhoneiros, petroleiros e outras categorias (sentindo o peso do golpe) começam a se rebelar. A destruição das leis trabalhistas ofereceu um menor custo apenas ilusório para a mão de obra. Isto porque os empresários brasileiros vão descobrir que o que importa é a "produtividade" do trabalhador. E ela se dá em função da necessidade de sobrevivência apenas até um limite. Após, o que define se um trabalhador é melhor que o outro é seu nível educacional e o dinheiro que recebe. A destruição da CLT, no longo prazo vai afastar investimentos estrangeiros e acabar com empregos que necessitem de conhecimento. Os trabalhadores que trabalham para comer (para sobreviver) já não podem ser mais explorados do que este nível. Mas esta condição desumana não pode ser replicada além da linha da sobrevivência.
Afora isto, o golpe destruiu com a Marinha e a Aeronáutica brasileiras. Se o Exército é tão visão curta que acha que o objetivo é tirar o PT, a Marinha e a Aeronáutica pensavam em emancipação das forças. Os projetos de troca de tecnologia dos caças e da produção nacional do submarino nuclear eram projetos que os fascistas do Exército simplesmente não entendem. Temer destruiu a aeronáutica brasileira, impugnou o acordo com os suecos e vendeu a Embraer. Prenderam o almirante Otton, acabaram com o projeto do submarino nuclear e estão para vender a Odebrecht Defesa para os israelenses. Marinha e Aeronáutica, que não tem o pequeno objetivo de "acabar com o PT" viram que se tornaram forças de segunda linha pelos próximos 30 anos.
Engenheiros que foram em maioria apoaidores do golpe sentiram que seu empregos acabaram. Estão procurando subempregos ou passando necessidade mesmo. E isto contrasta com o período Lula onde importávamos engenheiros latino americanos e até europeus com todos os postos nacionais preenchidos.
Os professores universitários que apoiaram o golpe (e foram muitos) viram que o mundinho da academia virou moeda de troca do governo com os fascistas. Temer não apenas cortou todas as verbas como está passando leis para acabar com o status de segurança destas profissões. Professor universitário vai poder ser demitido, bastando que um membro do MP e um juiz digam que sim ou que um "jestor" defina que ele tem "baixo desempenho". Não há critério algum. Os que acreditavam no "livre mercado", vão ser empurrados para ele. O problema é que eles sempre defenderam o livre mercado para os outros e nunca para si. A UnB, por exemplo, foco inconteste do golpismo (apesar de gloriosas exceções), já avisou que fecha as portas no segundo semestre.
Deste triste, mas avisado, cenário as opções de recuperação são Bolsonaro (com vice sendo magno malta na chapa "quinto dos infernos" ou janaína paschoal na chapa "anti-darwin") e Alckmin Opus Dei, neoliberalismo e corrupção endêmica. Nenhum dos dois consegue oferecer qualquer solução aos quatro grupos mencionados.
A disputa fica entre Ciro Gomes, que passa a ser um candidato da direita para se opor ao retorno de Lula e o próprio Lula. Ciro seria um coringa com um misto de discurso tecnocrático nacionalista com herança coronelística e apenas bravastas contra o capital. Perfeitamente palatável aos bancos, grandes empresários e às oligarquias locais. Ainda, de quebra, ajudaria a manter a esquerda fragmentada, engrossando o discurso "Lula Ladrão". Ciro é o sonho de parte da direita que já está no modo dar os aneis para salvar os dedos. Ciro seria mudar para deixar tudo como está, uma conhecida fórmula na História brasileira. Mas isto seria feito com fogos de artíficio e muito discurso "macho alfa". Algo semelhante à construção que fizeram de Collor. O preço é Lula nas masmorras para sempre.
Ao contrário do que muitos pensam, Lula é visto como uma verdadeira possibilidade de colocar o Brasil nos trilhos. Sua rejeição é a menor de todos os candidatos. Conta com a história de ter sido o melhor presidente do país e com legitimidade de dois mandatos. De quebra (como pensam nossas elites), Lula pacificaria a força de trabalho com o apelo que tem aos mais pobres e teria que lutar apenas contra a banda fascista empoderada no exército, legislativo e judiciário. Do ponto de vista prático, é muito menor o esforço atacar estas maçãs podres do que enfrentar um país dividido, empobrecendo e violento nos póximos 12 anos. Lula é sim uma solução, e isto vai ficando cada vez mais claro.
Fernando Horta é historiador pela UFRGS.