Financial Times:"Trump está cortejando uma derrota esmagadora"
A deterioração das chances de Trump pode ser avaliada por sua crescente sensação de pânico
Valor Econômico –28/05/2020
Por Edward Luce, Financial Times
A vitória de Donald Trump em 2016 pegou a maioria das pessoas de surpresa, inclusive ele. A posição mais segura desde então tem sido pressupor que ele fará isso de novo. Mas existe um ponto no qual ter medo de água fria, quando se é gato escaldado, se torna renúncia intelectual.
A maioria dos números, entre os quais os resultados das pesquisas de intenção de voto da campanha de Trump, mostram que ele se encaminha para uma derrota em novembro. O senso comum aponta na mesma direção. Trump derrotar Hillary Clinton — à época a personalidade mais polarizadora dos Estados Unidos — foi uma coisa. Seria outra para ele derrotar Joe Biden, uma pessoa que conta com estima geral, com o presidente há muito ultrapassado a capacidade de gerar dissenso de Hillary.
A deterioração das chances de Trump pode ser avaliada por sua crescente sensação de pânico. A métrica mais simples são seus tuítes, que agora quadruplicaram, em média, por dia em relação ao seu primeiro ano de mandato, e quase triplicaram se comparados ao segundo ano. Duas vezes neste ano, inclusive no Dia das Mães, Trump postou tuítes mais de 100 vezes quando a maior parte dos EUA dormia.
Embora não parecesse possível, o conteúdo dessas mensagens, além disso, deteriorou. Entre os recentes pontos mais baixos está a recorrente afirmação de Trump de que Joe Scarborough, o coâncora do Programa “Morning Joe”, da MSNBC, assassinou um membro da equipe em 2001. Até publicações pró-Trump se sentiram obrigadas a contestar a afirmação caricaturalmente desagradável.
Mas o tema mais insistente de Trump — nas redes sociais e fora dela — é o de que seus adversários estão tentando vencer de maneira fraudulenta a eleição de novembro. Isso merece ser examinado mais de perto. Não consigo encontrar um exemplo em qualquer país, inclusive os EUA, em que um chefe de governo eleito afirme que seu próprio sistema está manipulado contra eles.
Com certeza, Trump fez essa denúncia como um “outsider” em 2016 porque previa ser derrotado. Após assumir o poder, ele instaurou uma investigação para apurar a afirmação de que milhões de imigrantes ilegais haviam votado contra ele. A sindicância foi dissolvida em 2018 sem ter detectado nada.
É quase tão difícil encontrar exemplos de dirigentes que tentam encolher o grau de comparecimento dos eleitores às urnas. Essa é a meta de Trump para novembro, que trai seu pessimismo em torno da eleição. Não há evidências de que o voto por correio favoreça os democratas — nem outras que mostrem que ele ajudou os republicanos. Mas Trump está fazendo tudo o que pode para dificultar a vida dos eleitores ausentes.
Em um ano comum, isso seria suficientemente assombroso. Durante uma pandemia, isso mostra a clara intenção de conter a votação. Os locais de votação são lugares de grande aglomeração, o que inibirá muitos de ir votar. Com alguma base, Trump está supondo que os democratas ficarão mais preocupados com o patógeno do que os republicanos.
Apesar disso, há sinais inequívocos de que os eleitores mais velhos estão indispostos com Trump por seu histórico na pandemia. No fim de fevereiro, Trump tinha uma liderança de dois dígitos sobre Biden entre eleitores com mais de 65 anos. As pesquisas recentes mostraram, em média, Biden 10 pontos à frente.
Pelos padrões da análise eleitoral científica, essa é uma mudança de dimensões tectônicas. Explica por que na Flórida, onde moram muitos aposentados e lugar de residência principal de Trump, Biden tem uma vantagem média de 4 pontos.
O mesmo ocorre no caso do Arizona. Biden tem uma dianteira clara nos Estados de Michigan e Pensilvânia e pequena vantagem em Wisconsin — os três Estados decisivos em 2016. Mesmo a Georgia e o Texas, Estados profundamente republicanos, mostram Biden a uma distância de Trump impressionante. Se esses números permanecerem os mesmos em novembro, Trump sofrerá uma derrota acachapante.
Duas coisas podem evitar isso. A primeira é Biden. A eleição de novembro será um plebiscito em torno de Trump. Tudo o que Biden precisa fazer é não interromper o presidente em sua tarefa de autoderrota.
Isso não é tão fácil quanto parece. Joe Biden sofre de incontinência verbal. Até agora o coronavírus está beneficiando Biden ao mantê-lo fora dos debates. Sua escolha do parceiro de chapa, além disso, também pode se mostrar espinhosa. Se ele optar por uma pessoa de centro, como Amy Klobuchar, a base do partido pode perder o entusiasmo. Se escolher uma pessoa de esquerda, como Elizabeth Warren, pode perder o voto dos eleitores dos bairros periféricos de classe média das grandes cidades.
A segunda é uma drástica recuperação da economia. É isso o que Trump tenta gerar ao pressionar pelo fim do isolamento social. Ele também está ameaçando mudar a convenção do partido para sua indicação da Carolina do Norte para outro Estado, se o governador não aceitar um evento normal (lotado).
É aí que está o dilema insolúvel de Trump. Uma recuperação de curto prazo é a que submeterá os americanos aposentados ao maior risco. Foram essas pessoas de mais idade que ajudaram a conduzir Trump ao poder. Colocar sua segurança em xeque é uma maneira estranha de retribuir o favor.