
Governo Morales/Linera na Bolivia: Discurso revolucionário, inclusão social e ...forte disciplina fiscal
O governo boliviano do presidente, Evo Morales, e do vice, Garcia Linera, desenvolveu um caminho próprio para o desenvolvimento da Bolívia. Trata-se de um governo com forte discurso revolucionário, que nacionalizou os hidrocarbonetos, que, com os recursos arrecadados com sua produção de gás, implementou uma grande inclusão social, mas, ao mesmo tempo, é um governo marcado por uma forte disciplina fiscal. A Bolívia de Evo Morales não fez superávit primário apenas; entre os anos 2006 e 2013 o país teve superávit nominal (receitas menos despesas, incluindo o pagamento dos juros da dívida). Dois artigos publicados pelo jornal Valor Econômico e pelo blog de Emir Sader expõem os números e concepções do governo boliviano.
Bolívia cresce acima dos países da América Latina
O Valor Econômico informa: “Discurso revolucionário, mas política econômica ortodoxa a anticíclica. Com essa receita, a Bolívia tem dinheiro em caixa suficiente para aguentar pelo menos mais dois anos de preços baixos do gás, seu principal produto de exportação, sem prejuízo para o crescimento. O país crescerá neste ano acima da média da última década e mais que os demais países da região - e com redução da pobreza”. (...) “O PIB (Produto Interno Bruto) boliviano crescerá em 2015 pelo menos 5%, segundo analistas locais, o próprio governo e uma estimativa recente divulgada pela CAF-Banco de Desenvolvimento da América Latina. O país se destaca entre os vizinhos sul-americanos, que já sofrem fortes turbulências causadas pela queda dos preços das commodities”.(...) “Pelo segundo ano consecutivo, a Bolívia crescerá mais do que todos os países da América do Sul e o México. Em 2013, foi batida apenas pelo Paraguai, cujo PIB aumentou 14,2%, após ter afundado 1% no ano anterior. A comparação com o desempenho econômico previsto para este ano para países petroleiros e também "bolivarianos", como o Equador (1,9%) e a Venezuela (-7%), é ainda mais gritante”. (...) “À diferença dos vizinhos também governados pela esquerda, a Bolívia de Evo Morales conciliou, em meio ao boom de commodities da última década, uma agressiva política de inclusão social com o manejo responsável da economia e dos gastos públicos. Com isso, dizem analistas, La Paz pode suportar mais dois ou três anos de preços baixos do petróleo com crescimento do PIB próximo de 4,5%, enquanto os vizinhos sofrem com uma freada mais brusca”.
O Jornal continua: “Durante os primeiros anos do governo Evo, entre 2006 e 2013, a Bolívia acumulou superávits fiscais nominais (que já consideram os pagamentos dos juros da dívida). Além disso, o país, que tem um PIB de US$ 30 bilhões, possui hoje cerca de US$ 15 bilhões em reservas internacionais, US$ 17 bilhões em depósitos privados e US$ 20 bilhões em fundos de pensão”.
O Valor Econômico afirma que a Bolivia, com os gastos sociais, reduziu muito a pobreza: “O câmbio fixo, com o dólar a 6,96 bolivianos desde 2011, além de ajudar no controle da inflação, contribuiu para criar uma economia de importações que gerou cerca de 2 milhões de empregos, formais ou informais, sobretudo no comércio. Ou seja, cerca de 20% da população, de 10 milhões de habitantes, começou a viver das importações, enquanto os dólares do gás inundavam o país”. (...) “As exportações bolivianas subiram de US$ 3 bilhões ao ano em 2006, no início do governo Evo, para cerca de US$ 13 bilhões no ano passado. As importações, por sua vez, também aumentaram significativamente, dos mesmos US$ 3 bilhões para US$ 11 bilhões”. “Segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional), a fatia da população boliviana vivendo com menos de US$ 2,5 por dia caiu de 35%, em 2005, para 14% em 2013. Já aqueles com renda de menos de US$ 1,25 se reduziram de 18% para 7% da população, nesse período”. “De acordo com o FMI, a pobreza continuará caindo até 2016. Ao final do ano que vem, terão se reduzido em cerca de 2 pontos percentuais aqueles que ganham menos de US$ 2,5 diários e 0,5 ponto os que têm metade dessa renda”. “Mas, para isso, o governo terá que aumentar gastos. Já no ano passado, quando houve eleições presidenciais e o petróleo iniciou sua trajetória de queda, os seguidos superávits fiscais se reverteram em um déficit de 3,4% do PIB. Para este ano, a previsão do FMI de novo déficit, de 3,7%”.
Esquerda precisa de um modelo econômico que funcione
Emir Sader relata em seu blog as suas impressões sobre Garcia Linera, vice presidente da Bolívia: “Na sua exposição no seminário sobre Emancipação e Desigualdade, organizado pela Secretaria da Cultura da Argentina, o vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera, fez uma síntese dos caminhos pelos quais os governos progressistas latino-americanos podem superar seus problemas atuais e seguir em frente”. (...) “Em primeiro lugar, disse ele, há umas necessidades insuperáveis de que exista um modelo econômico que funcione. Sem isso, não há desenvolvimento econômico, não há melhoria da situação do pais, não há avanços substanciais nas condições de vida da grande massa da população”. “Pode parecer uma visão demasiado simples, mas com sua intensa experiências de já quase uma década de governo e com a carga de problemas econômicos e sociais pendentes nos países do nosso continente, García Linera sabe dos desajustes, das insatisfações, das debilidades para se impor um novo modelo hegemônico, quando não há uma política econômica de sucesso, que atenda, de diferentes maneiras, a todos os setores que é preciso dirigir para se legitimar como governo. Que fortaleça e desenvolva de forma sustentável as condições materiais em que repousam nossas sociedades”.
Emir Sader relata o seu contato pessoal com Garcia Linera: “Na conversa pessoal que tivemos em seguida, ficou clara sua preocupação com os modelos econômicos de países progressistas da região, que tropeçam com problemas estruturais não resolvidos, agudizados pelo terrorismo econômico interna da posição e pelo cerco financeiro internacional sobre os países que não se resignam aos modelos do FMI. Que não se trata de uma visão economicista, está claro por todo o pensamento de García Linera e pelo próprio governo de Evo Morales. É um enfoque de construção da hegemonia pós-neoliberal”. (...) “Trata-se, ao contrário, de um elemento essencial na construção dessa hegemonia. Subestima-lo é se deixar levar pelas correntes avassaladoras da especulação financeira e do poder dos bancos que dominam o capitalismo contemporâneo. Não construir, a partir do Estado – elemento que ele valoriza de diferentes maneiras, como seus inovadores raciocínios do último período o demonstram -, esse modelo próprio, é permanecer reagindo a mecanismos recessivos, depressivos, que deixam nossas economias presas no circulo vicioso das cadeiras financeiras do neoliberalismo e que além disso se prestam ao pessimismo que a direita trata de impor sobre o ânimo das pessoas”.
Emir Sader diz que para Garcia Linera, além de um modelo econômico que funcione, as transformações sociais dependem de uma disputa política e ideológica permanente na sociedade: “Mas se esse é um elemento estrutural das alternativas sustentáveis ao neoliberalismo, há mecanismos indispensáveis, destacados por García Linera, para que esses processos não apenas se mantenham vivos, mas que além disso se renovem e se estendam permanentemente na direção de camadas mais amplas e jovens das nossas sociedades”. (...) “Um é suscitar permanentemente a indignação diante das injustiças da sociedade capitalista: a exploração, a discriminação, a exclusão social, a opressão, a violência contra os mais frágeis, o machismo, os monopólios da riqueza e da palavra, entre tantas outras injustiças”. (...) “Esse é a mola permanente que permite impedir que descanse, que repouse, que se aliene a consciência das pessoas. Desenvolver esse trabalho permanente é responsabilidade de todos os militantes por um mundo melhor: de governantes a militantes de base, de sindicalistas a professores, de dirigentes de organizações sociais a dirigentes de organizações culturais, de intelectuais a jornalistas – total, de todos, como seres humanos”. (...) “Mas para que essa indigna ao seja despertada, mobilizada, tem que encontrar alternativas viáveis, reais, para vislumbrar que o outro mundo possível não só seja necessário, mas também possível.Tem que encontrar forças e lideranças capazes de encarnar essa rebeldia, essa resistência a toda resignação, a toda burocratização, a todo desalento, a todo pessimismo. Forças que proponham e personifiquem estratégias de ação ao mesmo tempo audazes e factíveis, utópicas e realistas”.