
Ivanir Corgosinho apresenta um amplo balanço das eleições municipais para prefeitos e vereadores
Ivanir Corgosinho (*)
Os resultados da eleição ocorrida em 02 de outubro último, e que prossegue em quase todas as capitais devido ao segundo turno, indica uma importante vitória política dos partidos aliados ao governo Michel Temer, e a derrota das forças sintonizadas com um ideário de esquerda, a começar pelo PT.
Por consequência, em primeiro lugar, foram criadas melhores condições institucionais para que o governo federal consiga aprovar no Congresso, o pacote de reformas regressivas que tem anunciado. Vitoriosos nos municípios, os partidos que formam a base de sustentação do governo Temer ficam mais à vontade para acelerar a votação de propostas como a PEC que fixa um limite para os gastos públicos e desvincula os recursos para a saúde e para a educação.
Exemplo disso foi o que aconteceu poucos dias depois da eleição, durante a votação do projeto que acaba com a obrigatoriedade da participação Petrobras da exploração do pré-sal. Dos 394 deputados votantes, 292 votaram a favor (75%). PSDB, DEM, PRB, PSC, PPS e SD votaram integralmente favoráveis ao projeto.
Outro significado relevante, que tem sido apontado pelos analistas da política brasileira, é o favoritismo que o PSDB passa a ostentar para a eleição de 2018 e há quem fale em fim do “lulismo”. De fato, o PSDB tem sido apontado como o grande vencedor da eleição e a extraordinária vitória de João Doria na capital paulista, em primeiro turno, fortalece – e muito – o governador tucano Geraldo Alckmin.
Quanto a Lula, o conceituado jornalista Luis Nassif resume a sensação que ficou depois do primeiro turno: “O sonho de Lula 2018 está comprometido pelos resultados da campanha política de desconstrução de sua imagem e pela continuidade do jogo político escandaloso da Lava Jato, visando inabilitá-lo juridicamente. Continuará sendo figura referencial das esquerdas, a liderança capaz de aglutinar os diversos setores. Mas os cenários possíveis para a esquerda têm que começar a trabalhar com a hipótese concreta de não contar com Lula em 2018.”
Nas prefeituras, a derrota do PT e da esquerda
O PT foi “reduzido a escombros”, como disse o cientista político Aldo Fornazieri, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Perdeu a condição de referência maior do campo de esquerda do país e o posto de terceira maior força política nacional em número de municípios. Se, em 2012, o PT havia conquistado 644 administrações, desta vez foram apenas 256. O partido ainda disputa o segundo turno em sete cidades mas, seja lá qual for o resultado, não haverá mudança na dimensão avassaladora da derrota petista.
O vácuo deixado pelo partido, por outro lado, não foi ocupado por outra força de esquerda, ao contrário do que previam algumas análises. Ainda que tenha crescido de forma significativa (56%), o PCdoB passará a administrar apenas 80 prefeituras a partir do próximo ano, podendo chegar a 82 se vencer nas cidades onde disputa o segundo turno. Além disso, a votação do PCdoB caiu de 1,880 milhão em 2012 para 1,762 milhão votos e a população dos municípios dirigidos pelo PCdoB recuou de 3 milhões para 2,120 milhões. O Psol venceu em duas cidades, e está no segundo turno em três municípios: Belém, Rio de Janeiro e Sorocaba (SP). Se vencer, vai melhorar substantivamente sua presença relativa no quadro nacional. O PSTU nada tinha e continuou assim.
PSDB e PMDB ganham
Entre partidos maiores, o PSDB foi o que mais cresceu. O número de prefeituras administradas pelos tucanos subiu das 686 conquistadas em 2012 para 793 agora. Considerados os 19 tucanos que disputam o segundo turno, o partido pode chegar a 812 administrações, o que significará um crescimento de 16%. Eles também se saíram melhor no grupo de capitais e cidades com mais de 200 mil eleitores (G-93), que concentram quase 38% da população do país.
Os peemedebistas, por outro lado, tiveram um crescimento residual, de apenas 1,2%. Ainda assim, o PMDB continua a ser o maior partido do país em número de administrações sob seu controle. A sigla venceu em 1.027 cidades, número pouco superior ao obtido no pleito de 2012, quando elegeu 1.015 prefeitos. No G-93, o PMDB ficou com a segunda posição, com seis cidades. Mas pode ampliar significativamente sua participação com os 14 municípios onde disputa o segundo turno.
A tabela I, abaixo, mostra o desempenho dos partidos na disputa eleitoral deste ano, comparado aos resultados da eleição de 2012.
Pulverização cresce nas Câmaras de vereadores
O resultado para as Câmaras de Vereadores indica uma forte pulverização da distribuição de cadeiras nos legislativos municipais e o encolhimento dos grandes partidos – como o PT e o PMDB.
As perdas do PT foram significativas. Em 2012, foram eleitos 5.185 vereadores petistas. Este ano, o número caiu para 2.808, num recuo de 45,8% que jogou o partido de volta ao tamanho que tinha em 2000. Já o PMDB viu sua presença nas câmaras diminuir de 7.969 para 7.571 vereadores, com recuo de 5%. Levantamento realizado pelo site Congresso em Foco mostra que 16 partidos (PMDB, PP, PSD, PTB, PR, DEM, PT, PPS, PV, PMN, PTdoB, PSDC, PRTB, PPL, PCB e PSTU) perderam vereadores em relação à eleição de 2012.
Por outro lado, 12 partidos (PSDB, PDT, PSB, PRB, PSC, PCdoB, PSL, PHS, PTN, PRP, PTC e Psol) conseguiram aumentar suas bancadas. Os tucanos elegeram 5371 vereadores, com crescimento de 2% em relação a 2012. Por outro lado, partidos como PHS e o PTN tiveram crescimento expressivo. Na primeira eleição que participa, o Rede conquistou 180 vereadores.
Apenas duas legendas não elegeram ninguém: o PCO e o PSTU.
O fenômeno da pulverização se explica pela proliferação de legendas dos últimos anos. Conforme informação do jornal Valor Econômico, em 2000, os cinco partidos com maior número de vereadores (na época PMDB, PFL, PSDB, PP e PTB) detinham 69% das cadeiras de vereador. Esse percentual foi caindo e ficou em 55% em 2004 e 2008; chegou a 49% em 2012 e ficou em 45% no último domingo. Vale lembrar que foram criados mais cinco partidos políticos desde 2012, totalizando hoje 35 legendas em busca de votos.
Os resultados para as câmaras municipais estão na Tabela II.
Na disputa pelas capitais, vence a oposição
Um dado relevante da eleição deste ano foi o fracasso de grupos políticos que estavam no poder local nas capitais. A dificuldade dos candidatos governistas parece ter relação direta com a crise econômica e com os crescentes problemas para o financiamento das contas municipais.
Em 2008, no início da crise, dos 20 prefeitos que tentaram a reeleição em capitais apenas um não se elegeu. Há quatro anos, apenas oito prefeitos de capitais tentaram a reeleição e metade teve sucesso. Este ano, em 8 das 26 capitais, os candidatos de situação foram derrotados já no primeiro turno. São os casos de Fernando Haddad (PT), em São Paulo, Gustavo Fruet (PDT), em Curitiba, e de João Alves (DEM), em Aracaju.
Na segunda maior cidade do país, o Rio de Janeiro, o primeiro turno também definiu a vitória de um oposicionista já que o candidato do prefeito Eduardo Paes (PMDB), o peemedebista Pedro Paulo, ficou apenas em terceiro lugar.
A Tabela III retrata a situação nas capitais brasileiras.
Ausências, votos brancos e nulos
O comportamento dos ausentes e daqueles que votaram nulo ou branco nesta eleição, tem sido motivo de debates nos meios de comunicação. Há, inclusive, quem diga que o “nenhum” foi o maior vencedor o primeiro turno. Essa é uma análise que precisa ser feita com cuidado.
O jornalista e colunista do Estadão, José Roberto de Toledo, lembra que abstenção é inflada nos locais onde não foi realizado o recadastramento eleitoral. “A Justiça Eleitoral não atualiza a listagem de eleitores como deveria. Ela está repleta de fantasmas e dados desatualizados sobre quem deveria votar – do endereço dos pais à escolaridade que o eleitor tinha aos 16 anos quando tirou seu título”. Jairo Nicolau, cientista político e especialista em sistemas eleitorais, corrobora essa tese. Segundo ele, a abstenção não significa, necessariamente, desinteresse ou protesto. “Há idosos e analfabetos que têm o voto facultativo, há pessoas sem dinheiro para pegar um ônibus e ir a votar, registros eleitorais desatualizados que ainda contemplam falecidos”, afirmou o cientista ao site El País.
Os dados da Justiça Eleitoral registram uma taxa de aproximadamente 17,58% do eleitorado, percentual que corresponde a 25.073.027 eleitores. Esse número acompanha a taxa de abstenção dos últimos pleitos, embora tenha ficado um pouco acima da ausência registrada em 2012, quando 16,41% do eleitorado não votou.
Por outro lado, a taxa de votos nulos e brancos reflete mais claramente o descontentamento das pessoas. É preciso lembrar, entretanto, que uma parte significativa dos votos nulos corresponde a votação de candidatos cujos nomes estavam na urna eletrônica, mas que havia sido impugnados pela justiça eleitoral. “Os nulos por impugnação somam 3,3 milhões de votos”, diz José Roberto de Toledo.
Feito este desconto, os brancos e nulos de protesto chegaram a quase 13 milhões, ou 11% dos 119 milhões de eleitores que compareceram à sua seção de votação. Além disso, o voto nulo ou branco tende a aumentar conforme o porte do município e é expressivamente maior nas grandes cidades, particularmente nas capitais. Como resultado, em alguns casos, a soma de eleitores que não votou em ninguém (se ausentou, votou nulo ou branco) foi realmente significativa. No Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, por exemplo, essa soma chegou a superar os votos obtidos pelos dois primeiros colocados, juntos, na disputa pela prefeitura. Em dez das 26 capitais, superou o primeiro colocado.
De acordo com Jairo Nicolau, trata-se de “um sentimento que começamos a ver em 2013, veio mais forte em 2015 e 2016 com as denúncias de corrupção e a crise do PT, que era uma espécie de reserva moral desse sistema político, e refletiu-se nessa eleição. É claro que aumentou o pessimismo das pessoas. Mas o que mais me assustou nessa eleição não foi uma pesquisa, senão a conversa com pessoas mais pobres que transformaram a insatisfação no não voto. É uma surpresa”.
O cientista político Aldo Fornazieri concorda. “O desgaste era previsível, já que a maioria da população considera que os políticos são corruptos e também não conseguem promover os benefícios e os direitos que os cidadãos necessitam”, disse o professor ao jornal Folha de São Paulo.
De qualquer forma, o percentual de votos nulos vem crescendo eleição após eleição. A tabela IV apresenta a evolução das abstenções e dos votos nulos e brancos nas últimas eleições para prefeito.
Votos por partidos
Os números apurados pelo TSE mostram que os partidos de esquerda tiveram uma dramática redução do número de eleitores que se colocam sob sua influência. O caso do PT é, naturalmente, o mais grave. Os petistas somaram apenas 6,8 milhões de votos no primeiro turno da eleição majoritária, uma perda de mais da metade dos eleitores que apoiaram a sigla em 2012. A votação do PCdoB caiu de 1,880 milhão em 2012 para 1,762 milhão votos este ano. O Psol recuou de 2,389 milhões para 2,098 milhões. O PSTU desabou de 176 mil para 78 mil votos.
O PSB foi o partido que mais cresceu, em número de votos aos cargos majoritários, na eleição deste ano. Seus eleitores cresceram 27%: de 12,9 milhões há quatro anos para 17,6 milhões agora. Em seguida, figura o PSDB, que cresceu 25,1%. Quanto ao PMDB, com 14,8 milhões de eleitores no primeiro turno, sofreu queda de 12,5% na contabilidade dos votos recebidos.
Por outro lado, várias siglas pequenas apresentaram um crescimento significativo nas urnas, reforçando a ideia de uma pulverização partidária e eleitoral. O manico PHS, por exemplo, conquistou um acréscimo de 196% no número de votos; o PTN, segundo colocado nesse aspecto, contabilizou 97,1% a mais de apoiadores e o PRB cresceu 48,4% no primeiro turno deste ano.
A distribuição dos votos por partido está registrada na tabela V.
Eficiência eleitoral
O cálculo do número de eleitos em função do total de candidatos inscritos por partido na disputa, oferece um quadro da eficiência eleitoral. Nesse quesito, o PSDB foi o mais eficiente e elegeu 46% dos 1.721 tucanos que se lançaram a prefeito neste ano, como mostra um levantamento realizado pelo jornal Valor Econômico. Essa taxa pode melhor, de acordo com os resultados no segundo turno.
Em seguida, está o PMDB, com 44,3% de seus candidatos próprios já eleitos; o PP, com 43,4%; e o PSD, com 40,3%.
No caso dos petistas, a legenda lançou 981 candidatos a prefeito neste ano, metade do que havia lançado quatro anos atrás. Mas, elegeu apenas 26,1% de seus representantes (256), ficando com a 13ª posição neste ranking de eficiência. Esse resultado pode melhorar na dependência do segundo turno mas, não deverá ocorrer uma mudança significativa no quadro geral.
Um quadro semelhante ocorre nas eleições para as Câmaras Municipais. O PMDB lançou 39.023 candidatos a vereador em todo o país e foi o campeão em número absoluto de eleitos (7.570). A taxa de sucesso eleitoral foi de 19,4%. Em seguida, estão o estão o PP, com 19%; o PSD, com 17,8%; e o PSDB, com 17%. Nesta lista, o PT aparece em 10º lugar com 13,2% (21.360 candidatos, 2.809 eleitos).
Urnas punem o PT, mas não a corrupção
A mídia deu grande destaque à derrota do PT nestas eleições e, no senso comum, a punição das urnas significa uma vitória contra a corrupção. Mas, não é isso que o resultado das urnas mostra. O PP, por exemplo, é campeão em políticos citados na Operação Lava Jato: são 32 políticos investigados. Ainda assim, passou a ser a quarta maior força política nacional em número de prefeituras, com 494 prefeitos eleitos. O PMDB também tem diversos nomes de expressão citados nesta operação, como Renan Calheiros, presidente do Senado, e Romero Jucá, ex-ministro do Governo Temer. Ainda assim, continua a ser o maior partido do país em número de administrações sob seu controle.
Para o sociólogo Jessé de Souza, existe uma fulanização da corrupção na figura do PT. “Este tema tem sido usado de forma manipulativa e desta vez não foi diferente. Ao apontar para o PT, o problema da corrupção, que é sistêmico do programa político brasileiro, é esvaziado. Assim, o castigo da urna é torto em alguns casos e em outros não acontece”, afirmou em entrevista a El País.
70% dos prefeitos eleitos no primeiro turno são brancos
O Repositório de Dados Eleitorais do TSE mostra que 3.856 eleitos no primeiro turno são brancos. Esse número equivale a 70% do total. Negros (pretos e pardos, conforme os critérios do IBGE) conquistaram 1.512 prefeituras – ou 27,52% das disputas pelos Executivos municipais que terminaram no primeiro turno. As vagas restantes foram divididas entre orientais (28 prefeituras) e indígenas (6 prefeituras).
Nas disputas aos legislativos municipais, a distribuição das vagas conforme a cor é mais equilibrada. Os eleitos de cor branca somaram 57% do total, ao passo que negros e pardos chegaram a 42% do total.
A proporção de brancos e negros entre os eleitos é bastante diferente da taxa verificada na população. No País, os negros são maioria e representam 53,6% dos brasileiros e brasileiras. A Tabela VI reproduz a distribuição das vagas conforme a cor.
Número de eleitas cresce nas maiores capitais – mas cai no resto do país
Das 5.495 cidades com eleição definida no primeiro turno, apenas 639 terão prefeitas a partir do ano que vem. Esse total corresponde a 11,6% e é ligeiramente menos que o verificado no pleito de 2012. Naquele ano foram eleitas 663 mulheres, 11,9% do total. Nas disputas aos legislativos municipais, as mulheres conquistaram 13,51% das vagas.
Nas capitais, o resultado foi um pouco melhor. Nas dez maiores capitais brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza, Belo Horizonte, Manaus, Curitiba, Recife, Porto Alegre e Goiânia), o número de vereadoras eleitas chegou a 63 das 422 cadeiras disponíveis. Com isso, a representação feminina nestas praças saltará de 12% para 15%. A taxa de mulheres eleitas, no entanto, ainda é bastante inferior à de mulheres candidatas, que gira em torno de 30% por conta da legislação eleitoral. Também é bem inferior ao número de eleitoras que, segundo o TSE, corresponde a 52% da população.
Na tabela VII, a distribuição das vagas conforme o sexo.
?(*) Ivanir Corgosinho é sociólogo e assessor da deputada Marília Campos.