Joana Suarez: “Avenidas de Belo Horizonte escondem 25% dos córregos urbanos”

30/01/2020 | Nossas cidades

Avenidas da capital cobrem 25% dos córregos urbanos

Dos 654 km de rios, 165 km estão revestidos de concreto
Por JOANA SUAREZ

O Tempo: 20/01/2020

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Foto: Daniel Iglesias

Belo Horizonte podia ser uma cidade cheia de rios e pontes, como uma “Veneza brasileira”. Debaixo das avenidas Afonso Pena, Prudente de Morais, Silviano Brandão, Pedro II e tantas outras vias passam rios que foram canalizados e cobertos nas décadas passadas – assim como o Bulevar Arrudas, recentemente. Conforme levantamento feito pela Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), 165 km (25% do total) dos cursos d’água da cidade são tapados pelo concreto das chamadas “avenidas sanitárias”.


Enquanto os córregos se tornaram invisíveis, o trânsito de veículos passou a ser uma atração diária e “indesejada”. Não sobrou nenhum grande rio na paisagem da cidade, que se tornou a capital de Minas Gerais justamente porque era uma “caixa d’água”. No contexto atual de crise hídrica, especialistas avaliam que é o momento de se repensar como as águas urbanas são tratadas. Tinha-se a visão de que a canalização resolveria os problemas de inundações e de saneamento. Mas apenas escondia a “sujeira”.

Restaram apenas 96 km de rios em leito natural na capital, mas a maioria está tomada por lixo e esgoto. Em 2001, a Prefeitura de Belo Horizonte lançou o “inovador” programa de drenagem urbana Drenurbs/Nascentes, para recuperar os cursos d’água, evitando as então tradicionais canalizações.

Quase 15 anos depois, o programa não terminou a primeira fase – dividida em cinco bacias –, que seria concluída em cinco anos. “É um projeto elaborado para todos os córregos urbanos, mas as intervenções são feitas a partir da viabilização de recursos e das prioridades do plano de saneamento de Belo Horizonte”, disse o coordenador executivo do Drenurbs, Ricardo Aroeira.

Para o ambientalista Apolo Heringer, a promessa da prefeitura de reverter a fórmula de canalização não vem sendo cumprida. “Foram feitas as primeiras obras, depois se abandonou. A lógica ainda é canalizar e fazer bulevar. Todo dia tem canalização. O Arrudas era igual ao rio Cipó, com dezenas de afluentes, mas a especulação imobiliária e a mineração acabaram com as águas de BH, e agora a gente só vê quando tem enchente”.

Heringer defende a renaturalização dos córregos para diminuir, inclusive, as inundações. “Na Alemanha e na Espanha tiraram os canais. Rios e pontes embelezam as cidades”, completou.

Segundo o coordenador do Drenurbs, tirar o concreto dos córregos não seria uma opção viável, porque os rios já estariam “mortos”. “Uma vez revestido de concreto, ele deixou de ser um curso d’água para ser um canal. Por isso, o foco do Drenurbs é recuperar os rios que ainda estão em leito natural, e não ter mais canalizações”.

Bulevar


Arrudas. A cobertura do ribeirão que originou o Bulevar Arrudas começou em 2007, pelo governo do Estado, e teve a última etapa em 2013. Ainda está prevista a pavimentação de mais 1,3 km. Os jardins instalados na via só podem ser experimentados por meio dos automóveis.

Maior. Esse foi um dos maiores córregos cobertos em Belo Horizonte (cerca de 5 km), cortando as regiões Centro-Sul e Noroeste.

Saiba mais

Endereços dos parques. Primeiro de Maio: rua Joana D’Arc, 190, Minaslândia; Nossa Sra. da Piedade: rua Rubens de Souza Pimentel, 750, Aarão Reis; Baleares: rua Albânia, 17, Jardim Europa.

Estrutura. No Primeiro de Maio foi feita uma bacia de contenção para reduzir os riscos de inundação, rede de drenagem, pista de caminhada, quadras, academia e arborização paisagística.

Mais verde. A capital tem 43% do território impermeabilizado. A proposta aprovada na Conferência Municipal de Política Urbana adequa o uso e a ocupação do solo ao aumento de áreas permeáveis. Diante da impermeabilização, a captação de água para abastecimento atualmente é feita em mananciais fora da cidade.

O asfalto ‘embelezador’

O diretor do Arquivo Público de Belo Horizonte, Yuri Mesquita, em sua tese de mestrado em história, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisou a época da cobertura dos rios na capital, entre 1948 e 1973. “A canalização tornou-se o espelho do progresso para os políticos (...), a partir de 1960, o asfalto, além de ser mais útil, era mais bonito. A pavimentação também possibilitaria o plantio de árvores e flores nos canteiros (...), os córregos foram relegados a um segundo plano da vida urbana, pois seriam canalizados para acompanhar as ruas retas, com esquinas em 90 graus (...)”, dizem trechos do estudo. Mesquita ilustra essa situação com uma propaganda publicada no Diário de Minas, em 1973, sobre o córrego do Acaba Mundo: “Em nome do progresso a prefeitura eliminou-o da paisagem, abrindo em seu lugar uma ampla avenida pavimentada”. E o historiador conclui: “As obras de canalização não podem ser consideradas obras de saneamento básico, pois camuflam a poluição dos rios e não resolvem o principal problema: a degradação dos cursos de água. Além disso, provocam problemas ambientais como o aumento da temperatura e a diminuição da umidade”.