João Gualberto Jr., de O Tempo: “Temer está quase lá, mas não terá sossego nem respeito. Governará a convulsão”.
Jornal O Tempo – Minas Gerais – 03/06/2016
Artigo publicado originalmente com o título: O pior ainda nem começou”
Antes de qualquer outra ideia, convém assimilar esta, de uma vez por todas: ser contra impeachment não é ser petista nem tampouco favorável ao governo. Neste furacão, está difícil entender a gravidade da situação em que uma presidente eleita democraticamente será destituída do cargo por ser impopular e incompetente. Não, não venha com a balela de que pedalada é crime de responsabilidade.
Hoje destituímos esta e, amanhã, destituiremos outro(a). E daí? E daí que o princípio da estabilidade democrática estará perdido, e o que essa perda arrasta consigo é a segurança de instituições, empresas, famílias, pessoas. Mas já é chover no molhado debater moralidade e legalidade do processo de impeachment em curso.
O que está em curso? A sociedade se polarizou no segundo turno de 2014. As forças tradicionais mais retrógradas do país escolheram um lado, o de Aécio, no entanto, não foram capazes de apear o PT do poder. Ruralistas, rentistas, industriais, barões, fundamentalistas de direita, oligopolistas da mídia, enfim, a mesma aristocracia patrimonialista que reina por estas bandas desde as capitanias hereditárias, depois de se refestelarem nas mesuras feitas por Dilma e Lula em suas crises mal-intencionadas de identidade ideológica, perceberam que não tinha mais como tirar coelho daquele Planalto. Financiaram a eleição de outro mais confiável, mas se frustraram. Como em outras tantas vezes, partiram para o golpe.
Temer, o conspirador, é o ungido da vez. Vai chegar lá, e a fatura já está em cima da mesa dele no Jaburu. Com uma, ele já havia se comprometido, o que, por acordo, rendeu-lhe a adesão da Fiesp à causa golpista: a ponte para a futuro. O nome é uma piada, mas sintetiza a ideia de lucro máximo com o mínimo de aporrinhação do poder público. O trabalhador? Ele que se dane: acendamos uma grande fogueira com a CLT de Getúlio.
Mais: privatizar o que for possível, inclusive a Petrobras e o pré-sal, claro. A Lava Jato vir agora e levar à dissolução do patrimônio da estatal foi coincidência? A “ponte” também sugere a desvinculação dos orçamentos públicos às despesas mínimas com saúde e educação. Queimem a Carta de Ulysses também.
Quais são as últimas demandas que chegam ao vice golpista? Revogação do Estatuto do Desarmamento e das regras de demarcação de reservas indígenas; mobilização das Forças Armadas para abafar conflitos agrários; definir como obrigatório curso superior para concorrer a cargo eletivo (metalúrgico, portanto, não vai poder se candidatar). A lista só cresce, e é o preço com que Temer terá que arcar em troca do voto “sim, sim, sim” pelo impeachment.
O traíra-mor está chegando lá e se ata às forças mais atrasadas e obscuras do Brasil, que, por meio da revisão legal de direitos individuais e coletivos, em nome de mais dinheiro e mais poder, seus interesses de sempre, querem nos jogar no atraso. Temer está quase lá, mas não terá sossego nem respeito. Governará a convulsão.
Hoje, fazemos todos uma tomada de posição, tornou-se imperativo. Que a história tenha piedade de cada um de nós pelo lado que assumimos.