Jorge Arbache: “Qual será o formato da recuperação?”
Países que melhor potencializarem as ações de emergência e recuperação econômica melhorarão a sua posição pós-pandemia
Valor Econômico – 30/04/2020
Um dos assuntos mais prementes desses dias é o formato da recuperação econômica da crise. A recuperação será em formato de V, de U, de símbolo da Nike, de W, ou alguma outra? Quais são as causas e consequências de cada formato de recuperação? As perguntas são muitas, mas as respostas são poucas. Cada formato segue caminho próprio. Porém, a falta de referência é praticamente total e grandes crises anteriores iluminam pouco o caminho a seguir, o que pontua o tamanho do desafio.
Uma recuperação em V sugere que a crise não terá sido tão extensa e que as políticas públicas de contenção emergencial terão sido bem-sucedidas. Sugere, também, que mercados críticos, como o financeiro, logística, abastecimento e serviços públicos essenciais, e as capacidades de produção em geral, terão se mantido razoavelmente intactos.
"Quadro pré-crise sugere que a maioria das economias não estaria em condições de uma arrancada rápida"
Há que se notar, contudo, que muitos países já vinham mostrando sinais de fadiga do crescimento ainda antes da pandemia. Outros já vinham com indicadores econômicos fracos, alto desemprego, elevada ociosidade, deterioração fiscal e desaceleração dos investimentos.
O endividamento em nível global já tinha atingido padrões extremamente elevados, o comércio internacional já desacelerava, o protecionismo vinha aumentando e preços de commodities já apontavam declínio.
O que passará em cada país dependerá das suas condições específicas pré-crise; da sua dependência da economia internacional; das políticas públicas emergenciais implementadas; dos danos causados pela crise e da capacidade fiscal de financiamento de programas de recuperação. O quadro geral pré-crise sugere, porém, que a maioria das economias não estaria em condições de uma arrancada rápida. Salvo casos especiais, é improvável que a recuperação seja em V.
Uma recuperação em U sugere que a crise será longa; que as políticas públicas de contenção terão sido apenas parcialmente bem-sucedidas e que mercados críticos terão sido parcialmente afetados, com interrupções importantes e com custos econômicos e sociais significativos.
Nessas condições, uma recuperação com arrancada rápida logo após um período razoável de estagnação requererá que não tenha havido problemas severos de liquidez e solvência bancária e problemas graves nas cadeias de pagamentos; que as condições de financiamento público tenham sido razoavelmente preservadas; que mercados e cadeias de produção não tenham se desorganizado e que falências de empresas, informalidade, pobreza, desigualdade e desemprego não tenham aumentado de forma dramática.
Importará, também, que a crise não tenha deteriorado de forma comprometedora as contas externas e as condições de acesso a financiamentos internacionais e que o comércio internacional esteja em recuperação. O formato em U é considerado por muitos analistas como o mais provável.
Já a recuperação como o símbolo da Nike sugere que a pandemia terá tido profundos impactos sanitários; que as políticas públicas de contenção terão enfrentado dificuldades ou terão sido pouco efetivas; que mercados críticos terão sido extensamente afetados e que terá havido severos reveses na capacidade produtiva, nas cadeias de produção e nos indicadores sociais. Esse padrão também sugere grandes dificuldades de financiamento público e privado e problemas de solvência de bancos e nas cadeias de pagamentos.
Embora menos provável, esse formato não pode ser descartado em razão das incertezas acerca da extensão sanitária da pandemia, da simultaneidade da crise nas maiores economias e dos já claros sinais de que o protecionismo e o nacionalismo econômico aumentarão. O eventual acirramento de questões geopolíticas e a limitada cooperação e colaboração internacional poderão contribuir para uma recuperação fragmentada e com poucas sinergias. Tudo isto poderá favorecer uma recuperação mais lenta e dolorosa, especialmente para os mais vulneráveis.
Por fim, uma recuperação em W sugere que a infecção terá retornado, o que levará a novas quarentenas, ainda que mais seletivas e controladas. Especialistas sanitários indicam que somente uma vacina eficaz e de amplo acesso será capaz de levar a uma normalização efetiva. As incertezas quanto à possibilidade de novas ondas de infecções e novas quarentenas poderão levar à postergação de decisões de investimentos e de consumo e favorecer a volatilidade e movimentos especulativos em vários mercados importantes. Esse quadro levaria a uma provável redução do crescimento médio de médio prazo e a consequências preocupantes nos indicadores sociais.
Parece inevitável que as fases de recuperação e pós-pandemia requererão novas intervenções públicas - o formato do símbolo da Nike, por exemplo, deverá exigir mais e prolongadas intervenções que o formato em V. Está claro que cada um dos possíveis formatos terá implicações sociais, econômicas e políticas específicas, mas ao menos uma delas será comum e se refere a discussões sobre o contrato social e o papel do Estado na economia.
Ainda que seja razoável assumir que não se saiba qual será exatamente o formato da recuperação, parece razoável assumir que países que melhor conseguirem administrar a pandemia e a saída ordenada da quarentena e criarem pontes entre as ações de ajuda ao setor produtivo e ações que já mirem a próxima fase de expansão econômica, mais e melhor influenciarão o formato da sua própria recuperação.
Considerando que a pandemia é um choque exógeno com extraordinários custos sociais e econômicos para praticamente todo o mundo, então é razoável supor que os países que melhor souberem otimizar e potencializar as ações de emergência e recuperação econômica e aproveitar as oportunidades de negócios que emergirão se sairão melhor da crise, gerarão mais empregos e melhorarão a sua posição relativa na economia global pós-pandemia.
Jorge Arbache é vice-presidente de Setor Privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). Foi economista sênior do Banco Mundial em Washington