Jornal Valor Econômico, de 15/04/2016: “A Dilma assinou o seu destino quando quis reduzir os juros e o spread bancário”

06/09/2016 | Cultura política

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Dilma participa da 44ª reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, em janeiro de 2016

O jornal Valor Econômico, de 15/04/2016, numa longa reportagem de seis páginas do caderno EU&FIM DE SEMANA, de Denise Neumann, contou os bastidores empresariais do golpe contra Dilma Rousseff, iniciado de forma mais articulada e decisiva a partir de 2012/2013. Um dos depoimentos colhidos de uma grande empresária: "Os empresários se voltam contra o governo quando acaba o dinheiro. Isso não é ideológico. Eles mudam mesmo de lado quando acabam as benesses. Simples assim. A Dilma assinou o seu destino quando quis reduzir os juros e o spread bancário. Foi ali que começou. A indústria já estava sofrendo, mas é quando ela mexe com os bancos que a campanha contra ela começa’, avalia uma empresária”. Golpearam a democracia e ainda debocham: “Simples, assim”.

O jornal descreve as fontes da reportagem: “Sete empresários da indústria e da infraestrutura e cinco analistas econômicos e políticos conversaram com o Valor ao longo das duas últimas semanas para traçar o cenário de quando, como e por que se deu a mudança da posição dos empresários em relação ao governo petista. ‘Dilma jamais angariou a simpatia do empresariado’, resume um industrial”. Os depoimentos foram dados sob a condição de anonimato.

Não foi a corrupção, foram os juros, estúpido! O que derrubou Dilma não foi a corrupção. Parafraseando James Carville, marqueteiro dos EUA, o que derrubou a Dilma, foram os juros, estúpido! É isto o que diz a reportagem do jornal Valor Econômico: “A corrupção aparece entre as críticas dos empresários, mas não como uma marca da presidente. Ela é vista como honesta, mas eles acham que seu erro foi ser complacente com os desmandos feitos na Petrobras”.(...) “Embora a personalidade de Dilma tenha contribuído para o distanciamento, são nas ações do governo que os empresários identificam momentos decisivos para o ‘divórcio’. O primeiro foi a campanha pela redução do spread bancário e o corte acentuado da taxa Selic, que entre agosto de 2011 e outubro de 2012 recuou expressivos 5,25 pontos percentuais. Enquanto os juros caíam, a aprovação da presidente subia - foi de 48% de ótimo e bom para 64% ao longo desse período”.(...) "Os empresários se voltam contra o governo quando acaba o dinheiro. Isso não é ideológico. Eles mudam mesmo de lado quando acabam as benesses. Simples assim. A Dilma assinou o seu destino quando quis reduzir os juros e o spread bancário. Foi ali que começou. A indústria já estava sofrendo, mas é quando ela mexe com os bancos que a campanha contra ela começa’, avalia uma empresária”.

Industriais aplaudiram de pé medidas de Dilma, como no caso das desonerações. Continua o Valor Econômico: “Entre o fim do segundo mandato de Lula e o primeiro de Dilma, diferentes planos e medidas de apoio à indústria foram adotados. Eles incluíram o corte no preço da energia, a redução dos juros, crédito subsidiado, redução do Imposto sobre Produtos Industriais (IPI), regras de conteúdo local, compras governamentais por preços superiores aos do exterior, desoneração da folha de pagamento, aumento das alíquotas de importação, entre outros”. Isto sem contar a melhoria do câmbio com a redução da taxa de juros.(...) “Nos dois episódios - corte dos juros e queda no preço da energia -, o governo atendeu a reivindicações feitas pelas mesmas entidades que hoje mantêm o ‘pato’ nas ruas”.(...) “Outro economista que acompanhou as peregrinações do PIB ao Ministério da Fazenda - onde os empresários eram recebidos - lembra que mais de 30 empresários aplaudiram a presidente de pé em maio de 2014, no Planalto, quando foi anunciado que a desoneração da folha de salários seria uma política permanente. ‘Essa era uma relação cheia de contradições’, diz ele, falando de conflitos entre setores e da diferença entre apoiar uma medida e dar suporte ao governo”.

Dilma e sua equipe subestimaram a força do capital financeiro. Os analistas consultados pelo jornal Valor Econômico afirmam que Dilma e sua equipe de formuladores subestimaram a financeirização do capitalismo. Diz o jornal: “Em 2011, lembra um analista político, houve um movimento de aproximação com empresários. Em maio, entidades empresariais e sindicais entregaram ao vice-presidente Michel Temer o documento ‘Brasil do Diálogo da Produção e do Emprego’, em evento no Moinho Santo Antônio, em São Paulo. Depois, várias daquelas propostas foram encampadas no Plano Brasil Maior. Também em maio, Dilma instalou a Câmara de Competitividade, presidida por Jorge Gerdau. ‘Há uma disposição de negociar e atender às demandas mais amplas. Por que dá errado?’, questiona o analista. Ele pondera que a crise internacional (que se mostrou mais forte que o esperado) pode ter sido uma das causas do ‘fracasso’, mas lembra que as ligações intersetoriais são hoje mais complicadas do que no passado. A indústria, que historicamente pediu redução dos juros, hoje tem parte de seu capital nas mãos do setor financeiro. Além disso, pondera um economista, o lucro financeiro é parte importante do resultado das empresas produtivas. ‘E a queda da taxa básica de juros afeta seu lucro’, diz. Para os dois, essas contradições ainda foram pouco entendidas pelos formuladores de políticas públicas”.

Populismo impede esquerda de enxergar dimensão do rentismo

Já faz algum tempo que temos alertado a esquerda para  a guerra civil que o capital financeiro decretou contra Dilma a partir de 2012/2013. Transcrevemos a seguir os principais trechos de um artigo divulgado em 2014, no Blog do José Prata.

Empresários utilizaram desonerações para compensar perda do lucro financeiro. “O jornal Valor Econômico, estampou manchete no dia 07-10-2013: ‘Dilma agirá para abrandar a desconfiança dos empresários’. O jornal explica o mau humor: ‘O Palácio do Planalto avalia que cometeu dois erros de cálculo. Um foi imaginar que a queda de 525 pontos da taxa de juros entre agosto de 2011 e março deste ano - período em que a Selic saiu de 12,5% para 7,25% ao ano - implicaria em um enorme incentivo ao investimento privado. Outro foi abrir mão de mais de R$ 70 bilhões em receitas para conceder desonerações de tributos, comprometendo a meta fiscal, para colher um aumento do investimento que não veio. (...) "Foi uma ilusão do governo", comentou uma fonte da presidência da República, explicando que ambas as medidas eram demandas que a presidente colheu junto aos próprios empresários nas reuniões que manteve com eles no ano passado. (...) Ao contrário do que pensava o governo, segundo essa mesma fonte, o que ocorreu foi uma queda do lucro financeiro das empresas, pela redução dos juros, e a recuperação de margem de lucro com a desoneração. Agora Dilma quer retomar, sob novas bases, a interlocução com o setor privado vislumbrando, também, um eventual segundo mandato”. Isto foi confirmado pela reportagem mais recente do Valor Econômico que citamos na primeira página deste artigo.

Populismo impede esquerda de enxergar a dimensão do rentismo. “Somos de uma geração de esquerda, educada politicamente de forma primária, no combate ao capital financeiro e ao rentismo no Brasil. Para facilitar a comunicação de massas simplificamos, de forma populista, nossos questionamentos. Tratamos o capital financeiro como sendo algo autônomo em relação aos outros segmentos da economia (os serviços para além dos bancos, a indústria, o comércio, a agricultura) e também em relação à sociedade. Sempre combatemos a ‘meia dúzia de banqueiros’ que exploram a todos, ou a ‘bolsa banqueiro’ que os bancos embolsam com os juros estratosféricos. Esta autonomia do capital financeiro não existe. Só existe em nossa publicidade limitada e de má qualidade. O certo é que o capital financeiro se fundiu com outros segmentos da economia e tem bases em diversos setores da sociedade e o capital amplamente dominante”.

A “coligação dos juros altos” é muito maior do que podemos imaginar. “Bancos compraram empresas; empresas compraram bancos; empresas aplicam suas disponibilidades financeiras em renda fixa; o grande comércio não quer vender à vista, prefere o parcelamento em diversas prestações ‘sem juros’, na verdade com os juros já embutidos; Estados e municípios aplicam os recursos disponíveis em títulos do governo federal e alavancam suas receitas; a classe média tem suas aposentadorias privadas financiadas, em grande medida, pelos ganhos com os títulos do governo; mesmo trabalhadores vinculados a sindicatos de esquerda têm os seus grandes fundos de pensão e são grandes aplicadores institucionais em renda fixa; os servidores, agora com a criação da previdência complementar, e com os regimes de capitalização dos Estados e municípios ficarão também dependentes de aplicações financeiras”.

Dilma “quebrou o contrato” dos juros altos que vem desde o Império. “Muitos destes segmentos podem ser ganhos para uma política de forte redução dos juros, mas as insatisfações são muitas. Até Fernando Henrique, recentemente, expressou o mal estar com os juros baixos, o que é um indicativo do humor da classe média tradicional com a queda dos juros da renda fixa. FHC aplicou R$ 222,3 mil numa empresa de empreendimento imobiliário porque o rendimento no mercado financeiro é baixo. Disse ele: "É difícil encontrar investimento em renda fixa que dê alguma coisa." Nos últimos meses alguns dos principais jornais brasileiros trouxeram longas reportagens com a verdadeira Tensão Pré-Aposentadoria nos segmentos que têm planos de aposentadorias privados, fechados ou abertos. Valor Econômico: “Queda dos juros põe fundos de pensão em encruzilhada” (manchete de capa de 23/07/2012); “Juro baixo e custo alto adiam plano de previdência privada” (chamada caderno de economia da Folha, 04/06/2012) e “Juro real baixo adia data da aposentadoria” (Folha, 26/11/2012). Segundo relatos de especialistas consultados, a queda dos juros poderá implicar que os segmentos de classe média que têm previdência privada tenham que trabalhar de cinco a 15 anos a mais para obter a aposentadoria desejada. A redução da taxa de juros para os menores níveis da história está sendo visto como uma espécie de ‘quebra de contrato’ em relação aos altos rendimentos financeiros que vêm desde o Império”.

Até mesmo homens experientes, como Mino Carta, da Carta Capital, expressa a sua mais completa perplexidade com o isolamento de Dilma na política de redução dos juros. Mino Carta, editor da Carta Capital sempre se destacou com um porta voz de segmentos da indústria. Diz ele em editorial da revista Carta Capital: “Há situações que me causam alguma perplexidade. Durante o governo Lula o empresariado queixava-se dos juros escorchantes, com exceção dos banqueiros, está claro. De sua alegria cuidava o presidente do BC, Henrique Meirelles. Em compensação, o vice-presidente da República, o inesquecível e digníssimo José Alencar, defendia com ardor a demanda dos seus pares. (...) Agora o governo Dilma abaixa os juros, e todos se queixam, em perfeito uníssono. Busco uma explicação, embora me tente recorrer a um dos grandes escritores do absurdo, movido pela convicção de que somente eles seriam capazes de explicar o Brasil. Este é um país que consegue viver contradições abissais, a começar pelo seguinte fato: atravessamos no mesmo instante épocas diferentes. A modernidade tecnológica e a Idade Média política e social. (...) No caso dos juros, os lances mais recentes do governo Dilma revelaram outro fato bastante significativo: muitos brasileiros que se dizem empresários são, de verdade, apenas e tão somente especuladores. Contaminados pelo vírus do neoliberalismo, acertaram sua irredutível preferência pela renda no confronto com a produção, e a baixa dos juros os atinge na parte mais sensível do corpo humano, ou seja, o bolso, como disse há muito tempo o professor Delfim Netto. (...) O governo Dilma dá um passo adiante em relação àquele que o precedeu. Mexe com os interesses do poder real, conforme a opinião de analistas atilados. Ousa o que Lula não ousou. E o balanço da primeira metade do seu mandato há de registrar esse avanço em primeiro lugar”.

Esquerda não defendeu Dilma como deveria. “O que impressiona é o silêncio da esquerda na defesa da política macroeconômica de Dilma, que está sob fogo cruzado das elites econômicas. Realizei uma extensa pesquisa na Internet e só achei um único e solitário artigo sobre o assunto. É de Igor Grabois, publicado no portal Viomundo. Ele afirma: “Com Lula, a economia crescia e passou relativamente bem à crise internacional. O crédito cresceu a despeito dos juros altos. Reservas internacionais foram acumuladas em sucessivos superávits comerciais. E houve uma generalizada sensação de elevação dos padrões de vida. (...) Reduzir a Selic e deixar o real depreciar são medidas necessárias para o funcionamento do capitalismo no Brasil. Era inescapável para o governo Dilma. Não são medidas ideológicas, em que pese a cortina de fumaça que cerca esses temas. A taxa Selic, que é a taxa básica de juros da economia, vem descendo desde o ano passado. Com isso, a dívida pública diminuiu em termos de proporção do PIB. O governo reconheceu a manipulação cambial como saída da crise por parte das economias centrais. O dólar saiu de R$ 1,60 em meados de 2012 para R$ 2,15 neste momento. (...) A redução dos juros e a subida do dólar atingiram diretamente quem se beneficiava da arbitragem de juros e câmbio, ou seja, pegar dinheiro barato fora do país e ganhar dinheiro caro aqui dentro. Atingiu especuladores nacionais e internacionais. A subida do câmbio pega quem está endividado em dólar, fugindo dos juros do sistema financeiro brasileiro”. É isso que está por trás da guerra que o capital financeiro, seus aliados e a grande mídia nos últimos meses decretou ao governo Dilma”.