José Luís Fiori alerta para os riscos de uma virada autoritária na América Latina. É preciso mudar os rumos da história!

08/09/2015 | Política

Um dos maiores intelectuais brasileiros, José Luís Fiori, no artigo “Sincronia e transformação” alerta para os riscos de uma virada autoritária na América do Sul, que, com certeza, vale também para a América Central, abarcando, assim, toda a América Latina. Publicamos novamente o texto de Fiori para chamar a atenção dos setores progressistas de nossa sociedade. 

Fiori fala da sincronia pendular na América do Sul: “Apesar de sua aparente instabilidade, a história política da América do Sul apresenta uma surpreendente regularidade, ou ‘sincronia pendular’. Alguns atribuem ao acaso, outros, à conspiração política, e a grande maioria, aos ciclos e às crises econômicas. Mas na prática, tudo sempre começa em algum ponto do continente e depois se alastra com a velocidade de um rastilho de pólvora, provocando rupturas e mudanças similares nos seus principais países. Esta convergência já começou na hora da independência e das guerras de unificação dos estados sul-americanos, mas assumiu uma forma cada vez mais nítida  e “pendular”, durante o século XX”.  

Ele recorda a história: “Foi assim que na década de 30, se repetiram e multiplicaram por todo o continente, as crises e as rupturas de viés autoritário; da mesma forma que na década de 40, quase todo o continente optou simultaneamente pelo sistema democrático que durou até  os anos 60 e 70, quando uma sequencia de crises e golpes militares instalou os regimes ditatoriais que duraram até os anos 80, quando a América do Sul  voltou a se redemocratizar. Mas agora de novo, na segunda década do século, multiplicam-se os sintomas de uma nova ruptura ou inflexão antidemocrática - a exemplo do Paraguai -  com o afastamento parlamentar e/ou judicial do presidente eleito democraticamente”. 

Para Fiori, as forças autoritárias estão muito ativas: “Neste momento, até o mais desatento observador já percebeu esta repetição, em vários países do continente, dos mesmos atores, da mesma retórica e das mesmas táticas e procedimentos. Sendo que no caso brasileiro, estes mesmos sinais se somam a um processo de decomposição acelerada do sistema politico, com a desintegração dos seus partidos e  seus ideários,  que vão sendo substituídos por verdadeiros  “bandos”  raivosos e vingativos, liderados por personagens quase todos extremamente medíocres, ignorantes e  corruptos que se mantém unidos pelo único objetivo comum de destroçar ou derrubar um governo frágil e  acovardado”.

Fiori afirma que a crise esconde um impasse estratégico de grande proporção: “Mas a história não precisa se repetir. Mais do que isto, é possível e necessário resistir e lutar para reverter esta situação, começando por entender  que  esta crise  imediata existe de fato, mas ao mesmo tempo ela está escondendo  um impasse estratégico de maior proporção e gravidade, que o país está enfrentando,  e que não aparece na retórica da oposição, nem tampouco na do governo.  Neste exato momento, o mundo está atravessando uma transformação geopolítica e geoeconômica gigantesca, e seus desdobramentos determinarão os caminhos e as oportunidades do século XXI”. (...) “E ao mesmo tempo a sociedade brasileira está sentindo  e vivendo o esgotamento completo dos seus dois grandes projetos tradicionais: o liberal e o desenvolvimentista. Por isto mesmo, soam tão velhas, vazias e inócuas as declarações propositivas do governo,  tanto quanto as da oposição mais ilustrada.  O mundo bipolar da Guerra Fria acabou há muito tempo, mas também já acabou o projeto multipolar que se desenhara como possibilidade, no início do século XXI”.  

Fiori afirma que está em gestação uma nova bipolaridade global entre regiões e civilizações: “Esta mudança já vem ocorrendo há algum tempo, mas ficou plenamente caracterizada na reunião realizada na cidade de UFA, na Rússia, no mês de julho de 2015, do grupo BRICS, e logo em seguida, da Organização de Cooperação de Shangai ( que já conta com adesão - como observadores -  da Índia, do Iran, e  Mongólia) configurando uma nova bipolaridade global entre regiões e civilizações, e não entre países de uma mesma cultura europeia e ocidental”. (...) “É neste contexto que se deve situar e entender  a crescente colaboração militar entre a Rússia e a China,  a nova “guerra fria” da Ucrânia, a reaproximação dos EUA com Cuba e Iran e vários outros movimentos em pleno curso neste momento, ao redor do mundo.  Da mesma forma que se deve entender a extensão do impacto  mundial da crise da Bolsa de Shangai,  e sua sinalização de que está em curso uma mudança da estratégia nacional e internacional da China, envolvendo também sua decisão de entrar na disputa – de longo prazo – pela supremacia monetário-financeira global. A mesma pretensão e disputa que já derrubou vários outros candidatos, nestes últimos três séculos”.  

Para Fiori, o Brasil enfrenta uma situação nova e desconhecida: “Mas seja qual for o resultado desta disputa, a verdade é que o mundo está transitando para um patamar inteiramente novo e desconhecido, e o Brasil precisa se repensar no caminho deste futuro. Neste contexto, atribuir apenas ao Fisco, a causa ou a solução do impasse brasileiro, é quase ridículo, e tão absurdo quanto restringir a discussão sobre o futuro do Brasil a um debate macroeconômico, ou sobre uma agenda remendada às pressas contento velhas reivindicações libero-empresariais, dispersas e desconectadas”.(...) “O Brasil está vivendo um momento e uma oportunidade única de se “reinventar”, redefinindo e repactuando seus grandes objetivos e a própria estratégia de construção do seu futuro e de sua inserção internacional,  com os olhos postos no século XXI”.  

Fiori conclui afirmando que superar a crise imediata é um passo necessário em direção ao futuro: “Mesmo assim, nesta hora de extrema violência e irracionalidade, se o Brasil conseguir vencer e superar  democraticamente a crise imediata,  já terá dado um grande passo à frente, rumo a um futuro que seja pelo menos democrático.  Mas atenção, porque este passo não será dado se o governo e suas forças de sustentação não passarem à ofensiva, começando pela explicitação dos seus novos objetivos, e de sua nova estratégia, uma vez que seu programa de campanha caducou. Hoje, como no passado, a simples defensiva “será a vitória de fato das forças reacionárias que hoje investem contra o povo brasileiro”.

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