Juan Morenilla: "Cidades gigantes, desafios gigantes"
Centros urbanos da América Latina precisam planos de edificabilidade, transporte e luta contra a desigualdade
Publicado no portal El País, em 13 de abril de 2015
Por Juan Morenilla
Megacidades. Aglomerações urbanas de até 20 milhões de habitantes. “Monstros ingovernáveis”, como admitem arquitetos que tentam ordenar o caos. Impossível. Os maiores centros urbanos do planeta são complexos organismos que se multiplicam sem freio e, na maioria dos casos, sem um padrão homogêneo. Núcleos superatrofiados que germinaram com o progresso das classes médias e o êxodo do campo para a cidade. São Paulo, México, Bogotá, Lima, Buenos Aires, Rio, etc. Urbanistas e arquitetos dessas metrópoles da América Latina analisam para EL PAÍS desafios para sua administração. E coincidem em apontar como problemas principais a falta de um critério unificador que harmonize o desenvolvimento dos centros urbanos, as dificuldades na mobilidade e o aumento das desigualdades sociais.
Os desafios futuros passam pela transformação dessas grandes cidades em espaços mais habitáveis, com melhores políticas de transporte público e menos poluição. E, sobretudo, traçar uma direção para a edificabilidade sob um plano único, e que os grandes centros urbanos não sejam o resultado de um quadro pintado com broxa.
Em 2014, um total de 450 milhões de pessoas compartilhavam o solo de 28 áreas metropolitanas em todo o planeta. Difícil impedir a autoconstrução, como se fosse um videogame. “Há um aspecto fundamental: a luta pela cidade”, afirma Abílio Guerra, urbanista e arquiteto brasileiro. “É difícil encontrar fórmulas adequadas no Governo das cidades. Na maior parte das vezes, a iniciativa privada passa por cima dos interesses da população, sem que o poder político tome medidas contra os abusos. Os grandes prejudicados são os espaços públicos das cidades. Vemos isso no Rio, no caso do Parque do Flamengo, e em São Paulo, no Largo da Batata e no Minhocão. É preocupante porque isso acontece em um momento de vulnerabilidade da sociedade civil brasileira”, analisa Guerra.
O padrão se repete na maioria das capitais latino-americanas. Em Bogotá seus 7,8 milhões de habitantes se acotovelam, produto da maior densidade urbana em toda a região: 26.200 pessoas por quilômetro quadrado. A quantidade cresce em 170 pessoas por dia. E a administração dá carta livre à construção para prover abrigo a essa demanda.
Um decreto permite que os construtores realizem grandes obras se for pago um valor adicional pelo potencial construtivo extra. “Isso significa que podem aparecer edifícios de qualquer tamanho em qualquer quadra, só porque o construtor busca mais metragem”, explica Mario Noriega, professor de urbanismo na Universidade Javeriana. Noriega pede “um marco legal segundo as necessidades das pessoas, que não mude de um prefeito para outro”. “Acreditam que isso dá uma aparência de modernidade à cidade. Mas as ruas não estão preparadas. A cidade tinha uma estrutura de quadras, com 30 moradias em cada uma. Com a nova norma, serão feitas até 400. Bogotá é muito densa nas extremidades e pouco no centro, mas agora será densa em todos os lados. Seu caso de densidade só pode ser comparável a algumas cidades chinesas e africanas. Estão criando uma zona de desastre. Fala-se da Cidade do México como a cidade-monstro, mas tem metrô, e Bogotá é cinco vezes mais densa”, explica o professor de urbanismo. Somente 55% dos habitantes diz estar orgulhoso de sua cidade.
Uma população semelhante à de Bogotá, embora com uma densidade 10 vezes menor, é a de Lima; Os arquitetos peruanos Arnold Millet, que trabalhou na Prefeitura, e Mario Lara compartilham a demanda de seu colega colombiano. “Lima não tem uma governança com um fio condutor único, mas se sucedem governos que rompem com o anterior e fazem o contrário”, diz Millet. “O grande desafio é ordená-la. Hoje é uma cidade desconjuntada, com mais de 40 municipalidades [43 distritos e prefeitos distritais] que cada um dirige à sua maneira, atomizada. A solução seria deixar Lima com menos prefeitos de distrito e com as mesmas normas”, argumenta Lara.
Poucas cidades no mundo conseguiram essa unidade metropolitana. Talvez Londres e Paris, dizem os urbanistas. “Parte-se de um centro e se acumulam municípios adjacentes”, diz sobre o México o espanhol Miguel Adrià, diretor da revista Arquine.
Como mover-se no labirinto
As horas voam ao volante ou no transporte público para milhões de pessoas que se deslocam nessa ida e volta eterna entre a casa e o trabalho. O morador de São Paulo gasta uma média de 2 horas e 52 minutos por dia em deslocamentos em veículo próprio e 2 horas e 46 minutos em transporte público (usado por 62% da população local). Pela cidade circulam 5,4 milhões de carros, quase um para cada dois habitantes. Cada mexicano dedica 16 horas por semana aos trajetos. Bogotá não tem metrô e a maré humana de viajantes é canalizada pelo sistema de ônibus. Em Lima, a única linha de metrô não é suficiente...
“O metrô é uma necessidade em Bogotá”. Quem diz é o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, consciente do afunilamento que representa para a capital a ausência desse meio de transporte. Em troca, a cidade possui a maior rede de ciclovias da América Latina, com 392 quilômetros de asfalto que os moradores utilizam cada vez mais. Pedem, na verdade, maior segurança nas vias e que as empresas incentivem o uso das duas rodas entre seus empregados. Somente 17% dos bogotanos se declara satisfeito com a rede de vias urbanas. E os problemas de estacionamento são cada vez maiores para uma frota de 1,5 milhão de carros. O sistema de ônibus, o TransMilênio, mobiliza 2 milhões de pessoas por dia. “Tudo é concentrado nos ônibus, mas não basta. Bogotá é uma cidade que funciona como uma cidade do século XIX e tem população do século XXI”, analisa Mario Noriega. Além disso, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cidade multiplica por 2,7 os níveis de poluição considerados prejudiciais à saúde.
Diante do congestionamento, as cidades buscam fórmulas como o Dia Sem Carro e diversos tipos de restrições. Em Lima, outro foco de poluição (sobretudo no inverno, dada a grande nebulosidade), o ônibus não pode circular por algumas avenidas. Na administração municipal passada diversas ruas do centro passaram a ser exclusivas de pedestres. Com 150.00 novos carros a cada ano (um total de 1,5 milhão), proliferam os táxis, formais e informais. Também na Cidade do México impuseram o sinal de Stop. Os carros com mais de oito anos estão proibidos de circular um dia por semana e um fim de semana por mês na cidade. “Embora esses mesmos carros sejam vendidos nos municípios e poluem. A solução é ter a mesma política nos dois lugares, a cidade e a área metropolitana”, afirma Miguel Adrià. Até seis milhões de veículos entram e saem da área urbana todos os dias O Distrito Federal pôs em andamento projetos para melhorar as comunicações, como pistas duplas nas estradas, novas estações de trem, estações de metrô multimodais, que unem várias linhas (há 300 quilômetros de trilhos e cinco milhões de usuários), e um novo aeroporto fora da cidade.
E com a saturação, a insegurança. Segundo um estudo da Fundação Thomson Reuters, seis de cada dez mulheres dizem ter sido assediadas nos transportes públicos na América Latina. Bogotá, Cidade do México e Lima são os cenários mais inseguros.
As desigualdades sociais
A polarização social também sacode os megacentros. O cidadão é parte do mobiliário. “O grande desafio é a inclusão”, comenta a arquiteta mexicana Tatiana Bilbao. “A moradia é um bem social, não deveria ser uma commodity. Nós, arquitetos, nos desconectamos por não querer lidar com o problema da falta de moradia digna para a população. No México é muito forre a segregação em todos os sentidos, físico e social. As classes estão muito demarcadas. É um México muito desintegrado e contrastante. Está tudo revirado. Há 20 anos as pessoas mudavam duas vezes de casa durante a vida. Hoje, são 17. Isso gera desarraigamento, desconhecimento da comunidade e falta de identidade.”
Raúl Fernández Wagner, professor de urbanismo da Universidade Nacional General Sarmiento, de Buenos Aires, apresenta sua visão sobre a capital argentina, com 15 milhões de habitantes em toda a metrópole. “O maior conflito é o acesso ao solo por parte da população. De cada dez novos habitantes de Buenos Aires, seis não buscam a compra de solo, mas entram no mercado informal. É muito difícil ter propriedade privada porque é muito cara. Em 10 anos Buenos Aires duplicou o PIB. |Isso desatou também um forte processo especulativo com o solo.”
Sustentabilidade, mobilidade e igualdade social. São três os desafios das grandes cidades latino-americanas. Para esses centros urbanos não se trata apenas de acumular população, mas de se transformar em melhores lugares onde se viver.
Grande São Paulo, densa Bogotá
São Paulo é a rainha dos megacentros urbanos da América Latina: 11,8 milhões de habitantes na cidade e 21,7 milhões em toda a região metropolitana. A Cidade do México (DF) é a segunda nessa lista de gigantes urbanos, com 8,8 milhões de habitantes na cidade e 20,1 na zona metropolitana. Buenos Aires engloba 15 milhões entre todos os seus distritos, embora a cidade se situe em apenas três deles. Bogotá e Lima, por sua vez, compartilham uma população urbana semelhante, de 9 milhões, apesar de a capital colombiana superar todos os centros urbanos do mundo quanto à densidade demográfica. Seus mais de 26.000 habitantes por quilômetro quadrado multiplicam por cinco a concentração populacional da Cidade do México e do Rio, e por 10 a de Lima.