“História do Feminismo: breve síntese”. Uma contribuição ao debate do Coletivo de Mulheres do Mandato Marília Campos
Mandato Marília Campos
Grupo Coletivo de Mulheres
Adélia Baptista
Maria Lucia Pinto Habaeb
Patrícia Cassim
Rosane de Souza Guglielmoni
Telma Fernanda Ribeiro
(Organizadoras)
HISTÓRIA DO FEMINISMO: BREVE SÍNTESE
Contagem, julho de 2015
INTRODUÇÃO
“A mulher tem sido marginalizada desde tempos imemoriais na cultura dominada pelos homens. Os conceitos básicos que o feminismo tem defendido são o reconhecimento das mulheres como corpos sexuados, favorecer a reflexão em torno do significado de ser mulher em uma cultura que a coloca em situação de subordinação em relação ao homem e fomentar a criação de representações mais plenas, humanas e livres de outras maneiras de ser mulher. Nesse esforço se coloca a ênfase na experiência pessoal e na necessidade de encontrar uma voz própria que dê conta da subjetividade feminina.” (Celia Vásquez -Diálogos Intertextuais em Busca da Voz Feminina)
“Em vários momentos da história, as mulheres participaram das lutas de resistência dos povos contra a opressão”. Apesar da quase total invisibilidade dessa presença, houve rebeldia contra a desigualdade e a injustiça. Da mesma forma, a história nos conta sobre mulheres que se destacaram em um mundo que considerava “natural” a subordinação das mulheres. A organização das mulheres, questionando a opressão de todas as mulheres e buscando uma forma coletiva de resistência, começa a surgir no final do século 18, como parte do processo que questionava uma suposta desigualdade “natural” entre os seres humanos.
Os séculos 18 e 19 são um período de muitas lutas sociais que marcaram a modernidade mas, é a partir da metade do século 19 que a organização das mulheres se consolida como um movimento próprio, em vários países.(Partido dos Trabalhadores- Secretaria Nacional De Mulheres)
O feminismo tem sua origem em uma crítica à uma sociedade que se caracteriza pela desigualdade social que tem o gênero como um conceito chave de análise. Ressalta-se que o feminismo não desconhece outras fontes de desigualdade como classe social ou raça. O feminismo prioriza o gênero como categoria de análise por entender que é NELA que está a origem da primeira grande divisão do trabalho. O feminismo intentatornar visível as diferentes manifestações da desigualdade entre homens e mulheres, a subordinação, a dependência e suas consequências na ordem social, econômica e política e propõe novas formas de sociedade onde o elemento biológico contido nos sexos não dê lugar a relações que não sejam equitativas entre os gêneros.
A história do movimento feminista pode ser contada a partir dos diferentes momentos e contextos em que ele se desenvolve. Esses momentos ou etapas são geralmente classificados ou denominados “ondas”.
Apresentamos aqui uma breve síntese dos contextos e das características de cada uma dessas “ondas”.
A PRIMEIRA ONDA
Ao longo da história ocidental sempre houve mulheres que se rebelaram contra sua condição, que lutaram por liberdade e muitas vezes pagaram com suas próprias vidas.
A Inquisição da Igreja Católica foi implacável com qualquer mulher que desafiasse os princípios por ela pregados como dogmas insofismáveis.
A chamada primeira onda do feminismo aconteceu a partir das últimas décadas do século XIX , quando as mulheres, primeiro na Inglaterra, organizaram-se para lutar por seus direitos, sendo que o primeiro deles que se popularizou foi o direito ao voto.
- As sufragetes, como ficaram conhecidas, promoveram grandes manifestações em Londres, foram presas várias vezes, fizeram greves de fome. Em 1913, na famosa corrida de cavalo em Derby, a feminista Emily Davison atirou-se à frente do cavalo do Rei, morrendo. O direito ao voto foi conquistado no Reino Unido em 1918.
- Ao longo da história brasileira, inúmeras foram as mulheres que se mantiveram distantes dos padrões de comportamento considerados "normais" ou "comuns" por parte de uma elite social normativa e conservadora1.
- A miscigenação do país e as variadas normas de conduta atribuídas às diferentes etnias e camadas sociais que vieram a constituir o povo brasileiro, contribuíram para a existência de inúmeros, e por vezes contraditórios, padrões de comportamento.
- Não poucas foram as mulheres que lutaram contra a situação de inferioridade e discriminação "próprias ao seu sexo", buscando maior autonomia e aceitação.
- No Brasil, a primeira onda do feminismo também se manifestou mais publicamente por meio da luta pelo voto.
- Como resultado da agitação republicana de 1889, surgiu a possibilidade de uma estrutura política mais fluida e aberta e, com a extensão do voto, em teoria, a todos os homens alfabetizados, a questão do sufrágio pôde tornar-se um tópico mais vital para as feministas cultas que experimentavam um sentimento de frustração e privação política. Assim, organizaram-se no país, logo após a Proclamação da República, grupos de mulheres com o objetivo de conquistar seu direito ao voto.
- O voto feminino foi discutido na Assembleia Constituinte de 1891, sendo considerado o caminho da dissolução da família brasileira, pois, para a maioria dos deputados dessa assembleia, era indiscutível e inapelável o papel da mulher no lar e na família e o sufrágio feminino parecia-lhes uma ousadia anti-social. Abrir a possibilidade de voto às mulheres seria admitir-lhes a capacidade de pensar os rumos políticos da nação e de exercer atividades de cunho público, campo destinado apenas aos homens.
- No inicio do Século XX as sufragetes brasileiras foram lideradas por Bertha Lutz, bióloga, cientista de importância, que estudou no exterior e voltou para o Brasil na década de 1910, iniciando a luta pelo voto.
- Bertha Lutz foi uma das fundadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, organização que fez campanha pública pelo voto, tendo inclusive levado, em 1927, um abaixo-assinado ao Senado, pedindo a aprovação do Projeto de Lei, de autoria do Senador Juvenal Lamartine, que dava o direito de voto às mulheres.
- Este direito foi conquistado em 1932, quando foi promulgado o Novo Código Eleitoral brasileiro.
- Este feminismo inicial, tanto na Europa e nos Estados Unidos como no Brasil, perdeu força a partir da década de 1930 e só aparecerá novamente, com importância, na década de 1960.
- No decorrer destes trinta anos um livro marcará as mulheres e será fundamental para a nova onda do feminismo: O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, publicado pela primeira vez em 1949. Nele, Beauvoir estabelece uma das máximas do feminismo: “não se nasce mulher, se torna mulher”.
SEGUNDA ONDA
A segunda onda do feminismo é um período de atividade feminista que começou na década de 1960, havendo diferenças, entre alguns autores, com relação ao período, (variando entre 60 e 80), nos Estados Unidos e, eventualmente, se espalhou por todo o mundo ocidental e além. Nos Estados Unidos, o movimento durou até o início da década de 1980.
- É um movimento social, filosófico e político que luta pela igualdade de gênero buscando uma vivência humana por meio do empoderamento feminino e da libertação de padrões opressores patriarcais, a ampliação da cidadania e o direito à sexualidade, e aspirando afirmar a identidade feminina, diferenciando-a das visões que pretendiam sobrepor as lutas gerais da sociedade à especificidade da condição feminina.
- Se envolveram com muitas campanhas pelo direito da mulher à sua autonomia e à integridade de seu corpo, pelos direitos ao aborto e pelos direitos reprodutivos (incluindo o acesso à contracepção e a cuidados pré-natais de qualidade), sendo que o tema Maternidade esteve muito presente nas discussões e no Ativismo Político desde o início da Segunda Onda.
- Ainda como pontos de reivindicação, a proteção de mulheres contra a violência doméstica, o assédio sexual e o estupro, pelos direitos trabalhistas, incluindo a licença-maternidade e salários iguais, e todas as outras formas de discriminação.
- Ao utilizar esta bandeira de luta, o movimento feminista chama a atenção das mulheres sobre o caráter político de sua opressão, vivenciada de forma isolada e individualizada no mundo do privado, identificada como, meramente, pessoal
- A contextualização do pensamento feminista da Segunda Onda mostrou também suas articulações com os movimentos sociais contestatórios, que emergiram da efervescência dos anos 60 e 70, nos Estados Unidos e na França, com relação à Segregação Racial e à Guerra do Vietnã, considerando ainda, seus contemporâneos, notadamente, o movimento negro pelos direitos civis.
- A importância de falar sobre o Movimento Feminista da segunda Onda a partir dos Estados Unidos e França se torna fundamental dominado por mulheres brancas heterossexuais de classe média, em um primeiro momento e/ou fase, também a ele se integram lésbicas, negras/e ou pobres e mulheres trabalhadoras tornando o movimento muito mais amplo e inclusivo.
- Movimento que muita influência causou e causam na realidade do feminismo brasileiro. Chama a atenção o valor dado pelas feministas radicais da segunda onda, à Autonomia, como um objetivo a ser perseguido, em relação à vida quotidiana, aos movimentos sociais, assim como, principalmente, em relação ao controle sobre seus corpos.
- Quer o problema fosse a violência contra a mulher, quer a disparidade de gêneros na representação política, o resultado foi uma grande mudança no imaginário feminista.
- Apesar das conquistas conseguidas desde a recriação dos Movimentos Feministas, o objetivo de cada mulher de ser sujeito de suas escolhas no campo da procriação, ainda oferece grandes desafios.
- No Brasil, a Segunda Onda se inicia em um momento de crise da democracia. Além de lutar pela valorização do trabalho da mulher, o direito ao prazer, contra a violência sexual, também lutou contra a ditadura militar.
- O primeiro grupo que se tem notícia foi formado em 1972, sobretudo por professoras universitárias, entre outros.
- Em 1975 formou-se o Movimento Feminino pela Anistia, e no mesmo ano surge o jornal Brasil Mulher, editado primeiramente no Paraná e depois transferido para a capital paulista e que circulou até 1980.
- Importante destacar que durante a segunda onda uma importante ferramenta usada pelas feministas para divulgar suas ideias e suas exigências foram os meios de comunicação, dentre eles revistas e jornais. E enfatizar que no Brasil o movimento retornou sob forte influência de Ativistas vindas dos movimentos de esquerda com os quais muitas não se romperam.
TERCEIRA ONDA
- Terceira onda do feminismo teve início na década de 1980 e consolidou se a partir da década de 90.
- Foi uma onda que questionou as falhas e lacunas da segunda onda, refletindo abordagens micropolíticas na tentativa de responder as necessidades individuais. As lutas das mulheres são diferentes, pois as lutas das mulheres brancas são diferentes das negras que por sua vez são diferentes das transexuais.
- Nesta luta, algumas mulheres se destacaram como: Carol Gillian, psicóloga. Ela defende a existência de diferenças entre os sexos.
- Judith Butler argumenta que o discurso universal é excludente, pois as opressões atingem as mulheres de formas diferentes, por isto torna-se necessário discutir gênero com recortes de classes e raça, considerando as especificidades das mulheres. Neste período a Marcha das Vadias teve destaque.
- Marlise Matos coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre as Mulheres – NEPEM da UFMG discute que nesta terceira onda existem duas visões deste período.
- Alguns entendem que consiste no retorno ao passado de forma conservadora, ou seja uma onda reversa.
- A outra visão na qual ela acredita é a de que com o neoliberalismo aconteceu a especialização dos feminismos coma criação das Organizações Não Governamentais – ONG’s, Conselhos de políticas públicas para as mulheres e delegacias especializadas.
- Segundo Marlise Matos acontece uma difusão do feminismo que se aproxima do Estado. Não é reversa, mas sim difusa, mais dinâmica no aspecto de como as lutas acontecem nas disputas tensas com as instituições. E também, surge o feminismo rural e no movimento estudantil.
QUARTA ONDA
A quarta onda feminista não é um movimento único, são vários grupos distintos, cada um tem a sua concepção acerca do feminismo, constroem suas estratégias para buscar mais igualdade.
- O movimento feminista no limiar do século XXI acontece de várias formas, nas igrejas cristãs a partir do surgimento de várias teólogas feministas que refletem e escrevem sobre religião e gênero, tribos indígenas, no meio rural e até mesmo no mundo virtual as manifestações ali acontecem, os grupos que são criados fazem parte desse contexto
- Várias teóricas chamam essa onda de feminismo difuso, feminismos, pós feminismos entre outros. Nessa perspectiva fala-se também de um ecofeminismo.
- O ecofeminismo é a junção de ecologia com o feminismo, quer mostrar a conexão entre dominação das mulheres e da natureza do ponto de vista da ideologia cultural e das estruturas sociais e também introduzir novas de formas de pensar, em vista de uma “eco justiça”. A perspectiva ecofeminista é uma linha de ação e pensamento que, com outras, abre caminhos para ousar uma nova relação com todos os seres viventes.
- Para a cientista política Marlise Matos (2010), pensar uma quarta onda do feminismo brasileiro pode ser percorrer quatro caminhos:
- Primeiro o da institucionalização das demandas das mulheres e do feminismo por intermédio da elaboração, implantação e tentativas de monitoramento e controle de políticas públicas para mulheres que tenham claramente o recorte racial, sexual e etário, bem como a busca do poder político, inclusive o parlamentar.
- Segundo, a criação de novos mecanismos e órgãos executivos da coordenação e gestão de tais políticas no âmbito federal, estadual e municipal.
- Terceiro, desdobramentos oriundos da institucionalização, com a criação de organizações não governamentais, fóruns e redes feministas e, em especial, sob influência das inúmeras redes comunicativas do feminismo transnacional e da agenda internacional das mulheres.
- Quarto, uma forma para atuação do feminismo, numa perspectiva trans. ou pós-nacional em uma luta anticapitalista para se pensar uma “quarta onda” para o feminismo brasileiro e da América Latina.
O terceiro milênio nos convoca à SORORIDADE (união entre mulheres que se reconhecem irmãs formando um grupo político e ético na luta pelo feminismo contemporâneo). Numa relação de sororidade, somos espelhos uma das outras, o que nos permite reconhecermos – nos na outra. Recuperar este sentido de irmandade permite-nos destruir a falsa rivalidade entre as mulheres que construíram ao longo da história da humanidade. Impuseram-nos a ideia de que o lugar da mulher é apenas no privado, o lugar da mulher é de mãos dadas com todas as mulheres em todos os lugares onde elas quiseram estar. É através dessa rede de solidariedade que temos a possibilidade de criar um novo modelo social de vida, harmonia e paz para toda a humanidade. Na relação de sororidade, somos espelhos uma das outras, o que nos permite reconhecermo-nos na outra.
Através do mandato da deputada Marília Campos queremos construir juntas uma nova maneira nos relacionar, para que com outras mulheres espalhadas por Minas Gerais, pelo Brasil afora possamos mudar as relações humanas e o mundo. Enquanto coletivo de mulheres do mandato criamos encontros de trocas de experiências e tudo que podemos cambiar, roupas, livros e bugigangas, literalmente tomamos café e saboreamos pão de queijo e outras quitandas misturadas ao conhecimento que cada uma tem construído ao longo da sua jornada. Que os nossos encontros sirvam para reconhecermos uma as outras como iguais respeitando que somos diversas e diferentes.
REFERENCIAS
- "Feminismo": dois pontos - UFMG 21/05/14 - vídeo disponível no youtubeprofmarlise Matos - Prof adjunta do depto de Ciência Política -Coordenadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre a Mulher -NEPEM da UFMG & Cynthia Semírames- doutoranda em direito da UFMG.
- GEBARA, Ivone. Teologia ecofeminista. Ensaio para repensar o Conhecimento e a Religião. São Paulo: Edições Loyola,1997
- MATOS, Marlise. Movimento e teoria feminista: é possível reconstruir a teoria feminista a partir do sul global? Disponível em . Acesso em: 05 jan.
http//jardineriashumanas.blogspot.com.br/; Acesso em 8de maio 2015
- PARTIDO DOS TRABALHADORES- Feminismo e Organização das Mulheres Petistas. Secretaria Nacional de Mulheres, Escola Nacional de Formação Política, 2008.
- REIS, Ana Regina Gomes dos"Do Segundo Sexo à Segunda Onda - Discursos Feministas sobre a Maternidade" Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, gênero e feminismo do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher - Universidade Federal da Bahia - UFBA - 2008
- VÁSQUEZ, CeliaDiálogos Intertextuais em Busca da Voz Feminina -. Disponível em www.abebooks.co.uk/Consulta em 20/06/2015.