“Não queremos a Lagoa da Pampulha maquiada para a Copa, mas revitalizada”
“O aspecto da Lagoa da Pampulha é péssimo. Cheia de lixo, algas, esgoto, com muito mau cheiro. Nem dá vontade de ir para lá”. É assim que a jornalista Nirma Damas descreve a lagoa perto de sua casa. Nirma mora há 44 anos às margens de um córrego que desagua na Pampulha, em Belo Horizonte (MG).
Agência Pública, 30 de agosto de 2013.
A menos de um ano da Copa do Mundo, a situação dessa paisagem de cartão postal da capital mineira é preocupante. A maior parte das águas que banham o entorno do estádio Mineirão – que vai sediar jogos do evento – e da Igreja de Santo Antônio, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e um dos principais pontos turísticos de BH, apresentam um índice de qualidade ruim (45%) ou péssimo (32%); o restante tem qualidade média. Os números são de um relatório do Igam (Instituto Mineiro de Gestão de Águas) referente ao quarto trimestre de 2012.
Nenhuma das amostras coletadas atingiu qualidade boa ou excelente, já que todas (100%) continham coliformes fecais. “Desde a década de 60, a Lagoa é um depósito de lixo, esgoto, sujeira, sedimentos. Tudo que é carregado pelos córregos que formam a bacia da Pampulha fica lá, depositado”, explica o médico e professor Marcus Vinícius Polignano, coordenador do Projeto Manuelzão, iniciativa interdisciplinar da Universidade Federal de Minas Gerais que estuda as águas do estado.
A origem do problema está na ocupação desordenada em torno dos afluentes, ele explica: “A partir da década de 60, muita gente foi morar no entorno da Lagoa. Enquanto parte das ocupações foi feita com construções de qualidade por pessoas de classe mais alta, muitas foram absolutamente desordenadas, principalmente em direção à cidade de Contagem (município vizinho de Belo Horizonte). Por isso grande parte do esgoto da região passou a ser depositado diretamente nos afluentes que iam para a Lagoa.”
O geógrafo Rodrigo Lemos explica que, até hoje, a desigualdade marca a região da Bacia da Pampulha, que abrange Belo Horizonte e Contagem. “A orla da Pampulha tem um dos metros quadrados mais caros de Belo Horizonte, mas as comunidades no entorno dos afluentes são frágeis, do ponto de vista social, e ocupam essas áreas de risco por necessidade.”
Alto investimento, resultado duvidoso
Para a Copa do Mundo, a Prefeitura e o Governo do Estado decidiram realizar uma ação conjunta para despoluir o local. Em maio deste ano, a Prefeitura emitiu a ordem de serviço para o desassoreamento da Pampulha. Durante oito meses, o fundo da lagoa será escavado para retirar lixo e sedimentos, que serão transportados por tubulações até as margens, onde serão desidratados e levados para um aterro sanitário situado na rodovia BR-040. Essa operação custará R$ 108 milhões aos cofres da cidade.
O problema é que enquanto o projeto pretende retirar 800 mil m3 de terra e sujeira, os afluentes continuam depositando 500 mil m3 desses materiais por ano, segundo o professor Polignano. “Vai ter uma melhora parcial no ano que vem, mas a durabilidade vai ser muito curta e a eficácia muito pequena para a dimensão do problema que a gente tem. Questionamos a validade desse tratamento por entender que ele é paliativo e ineficaz para cumprir o que ele tem que atingir”, diz o professor.
Essa não é a primeira vez que o poder público decide tomar uma iniciativa como essa. Segundo levantamento do jornal Estado de Minas , feito com base em dados do Igam, R$ 333,1 milhões foram investidos, entre 1997 a 2011 para limpar a lagoa.
Um bom motivo para que a população desconfie da efetividade da obra atual. “Pelo menos três vezes gastaram uma verba grande no trabalho e aí, 5, 6 anos depois, o problema voltou e tiveram que fazer de novo”, critica Nirma Dias, que também coordena o Programa Pampulha Viva, integrante do Projeto Manuelzão. “Quando foi anunciado que a Copa seria aqui e o governo começou a falar em revitalizar a Lagoa, nós do Projeto Manuelzão colocamos: não queremos uma Lagoa maquiada para a Copa, e sim, toda a Bacia revitalizada”, ela defende.
Para o professor Marcos Polignano, a solução tem de englobar toda a bacia, evitando a entrada de sedimentos nos rios que a compõem, controlando o uso do solo e impedindo a ocupação das áreas de proteção do entorno: “Para resolver o problema da Lagoa, tem que garantir a qualidade da água que chega lá, pelos afluentes”, diz.
Tratamento de esgoto e qualidade das águas
Assegurar a qualidade das águas é responsabilidade do governo do estado, por meio da Companhia de Saneamento de Minas Gerais. Desde setembro de 2012, a Copasa diz estar investindo R$102 milhões para construir 80 km de redes coletoras de esgoto e 20 km de interceptores e tubulações que impedem que ele caia dentro dos córregos da Bacia da Pampulha. O esgoto será levado para a estação de tratamento do córrego do Onça, já em funcionamento. A meta é aumentar de 95% para 97% o esgoto tratado na área da bacia em Belo Horizonte e de 80% para 95%, em Contagem.
“As obras da Copasa, associadas ao desassoreamento e à limpeza das águas da Lagoa feitos pela prefeitura, têm como objetivo tornar as águas da Pampulha em classe 3, ou seja, próprias para esportes náuticos, como remo, canoagem, pedalinhos, até junho de 2014. Não vai poder nadar, porque ainda não tem condições para contato primário.”, diz Valter Vilela Cunha, engenheiro da Copasa responsável pelo empreendimento. Segundo a classificação do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), as águas de classe 3 também podem ser usadas para pesca, para irrigação de plantas, para saciar a sede de animais e para consumo humano, após tratamento. O pior índice da escala são as águas de classe 4, destinadas somente à navegação e à harmonia paisagística. “Atualmente as águas da Pampulha não são de classe nenhuma por causa da poluição”, diz o engenheiro da Copasa.
As obras deveriam ter acabado em junho desse ano, mas o prazo foi esticado para dezembro de 2013. “O maior desafio tem sido trabalhar em áreas carentes, em que muitas pessoas moram praticamente dentro dos cursos d’água. Então para fazer as obras foi necessário remover essas pessoas e transferir para prédios que nós estamos construindo. Como esses processos são complexos, demorou mais do que estava previsto”, diz Cunha.
As famílias terão que pagar para ligar o esgoto da cozinha e dos banheiros de sua casa à rede coletora.“O valor dessa obra depende do tamanho da casa, de onde estão as instalações sanitárias. Mas nós estamos fazendo a ligação de graça para a população de baixa renda”, diz o engenheiro. A reportagem entrou em contato com associações locais de moradores para confirmar a informação, mas não obteve resposta até o fechamento.
O problema mais grave não é o esgoto, diz geógrafo
Mas, segundo o geógrafo Rodrigo Lemos, que está fazendo mestrado na UFMG sobre planejamento e gestão territorial e gestão dos recursos hídricos na Pampulha, o principal problema não é o esgoto, e sim, o assoreamento contínuo, causado pelas construções na beira da Lagoa e dos afluentes. “A lagoa continua sendo assoreada porque as ocupações regulares e irregulares que existem na região movimentam o solo e retiram a vegetação ciliar, que “seguraria” a terra”, explica. “A erosão leva os sedimentos para os córregos e estes, até a lagoa, onde o material fica depositado.”
“A Pampulha é um reservatório artificial, o que quer dizer que ele tem uma vida útil. Em 1989, quando o volume de sedimentos depositados no fundo da Lagoa era cerca de 380 mil m3 por ano, foi feita uma projeção de que, em 2000, o número saltaria para 600 mil m3. Mas não foi feito outro levantamento para afirmarmos, com certeza, qual é esse número hoje”, conta.Lemos criticou os sucessivos programas de desassoreamento e tentativas de limpeza da Pampulha por não atacarem a origem do problema. “Se a Copasa cumprir sua meta, teremos uma lagoa sem cheiro. Mas se não acabarem com o assoreamento, daqui a pouco não teremos lagoa nenhuma”, alerta.