Luís Costa Pinto: “Lula distribui as cartas no cassino eleitoral”
‘Não tenho dúvidas, contudo, que Lula está se divertindo’
Poder 360 – 30/10/2017
E se “o novo” for o plano B de Lula?
Lula tem apenas 2 mãos e o sentimento do mundo, como escreveu Carlos Drummond de Andrade nas primeiras estrofes de poema homônimo.
Em 1962 Miguel Arraes usou o verso em inesquecível discurso de posse no governo de Pernambuco.
Amanhã, 31 de outubro, comemorar-se-á a passagem dos 115 anos de nascimento de Drummond.
Arraes deixou o neto Eduardo Campos como legado de seus valores e de sua sabedoria política. Campos, num golpe do destino, morreu cedo demais e desorganizou a cena política.
Lula, dono de trajetória que o poeta certamente registraria em versos se tivesse vivido para tal, parece ter sobre os ombros o peso de todo esse legado e a responsabilidade de descobrir caminhos que levem o país aos encontros sonhados por Drummond, Arraes e Campos a seus tempos, em suas biografias. E não aos desencontros e descaminhos de hoje.
No último domingo o jornal O Globo divulgou, timidamente, a 1ª pesquisa Ibope encomendada para flagrar o início da campanha presidencial de 2018. O porquê de a divulgação ter sido tímida terá de ser explicado mais à frente pela publicação da família Marinho, mas o fato é eloquente como vêm demonstrando continuamente as pesquisas DataPoder360 (esta semana haverá nova rodada): o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, lidera com 35% ou 36% de intenções de votos –e tem 26% de intenções espontâneas. Jair Bolsonaro, 2º colocado, detém 15% de intenções de voto. Esses dados promoveram um choque de placas tectônicas no submundo conservador do país.
Lula segue em frente com uma ideia na cabeça –reconciliar o Brasil com o projeto de esperança que o levou às vitórias de 2002 e 2006, e Dilma Rousseff em 2010– e dois planos na mão.
Certo de que ninguém hoje dialoga melhor com setores populares de nossa sociedade do que ele mesmo, o ex-presidente da República pavimenta seu caminho para 2018 com os seguintes projetos:
• A) Após embate titânico com as alas mais recalcitrantes do Judiciário, do empresariado e do que resta de comando na mídia conservadora do país, ele dribla as resistências à admissão de sua possibilidade de vitória nas urnas, converte parte do eleitorado que declaração rejeição a si e consegue projetar esperança de governabilidade caso vença o pleito presidencial tendo como vice-presidente um nome apaziguador e mais conservador. As 2 hipóteses de momento para o posto são a ministra do TCU Ana Arraes, filha de Miguel Arraes e mãe de Eduardo Campos, que deixará o tribunal e se filiará ao PSB; e o empresário mineiro Josué Alencar, filho de José Alencar, vice de Lula nos 2 mandatos anteriores. Josué não tem legenda ainda, mas pode se filiar a qualquer uma capaz de caber no projeto: ele tem liderança e inspira respeito entre os seus– os setores ainda progressistas e liberais do empresariado nacional.
• B) É o antípoda, mas não o contrário, do Plano A. Consiste em, diagnosticada a inviabilidade de superar as resistências jurídicas (que terão de atropelar prazos e ritos para puni-lo em tempo hábil à meta de deixa-lo inelegível) para uma vitória em 2º turno suplantando a rejeição a seu nome, Lula “ungiria” uma nova chapa à qual emprestaria todo o seu apoio e se empenharia de forma vital na consumação de viabilidade dela. Oque se pensa, momento: por que essa chapa com a bênção de Lula não pode abrigar “o novo”? Esse novo pode vir a ser o mesmo Josué Alencar – não no PT, mas no PSB, por exemplo – tendo um vice-presidente petista com cara de renovação do partido e da política – Fernando Haddad, por que não? E, numa aliança crucial para o PSB pernambucano, cidadela ainda fiel a ele, o ex-presidente se lançaria à luta pela reeleição do governador Paulo Câmara com a mãe de Arraes e um petista para o Senado. E Eduardo Suplicy poderia, nessa conjuntura, compor chapa com Márcio França em São Paulo (França estará sentado na cadeira de governador e sonha com uma eventual reeleição). Ainda tem o acordo mineiro – construir uma ponte de união entre o governador petista Fernando Pimentel e o ex-prefeito de Belo Horizonte Márcio Lacerda, do PSB, hoje um candidato viável ao Palácio das Mangabeiras.
Os 2 planos de Lula podem dar errado, cada um a seu tempo. Podem ser apenas especulações de uma pré-campanha tensa. Mas são, é inegável, expressão da força política real que o ex-presidente ainda reúne apesar dos quase 4 anos de implacável perseguição judicial e midiática.
O petista está embaralhando as cartas e distribuindo-as no cassino eleitoral brasileiro. Tem habilidade nata para comandar esse jogo. Demonstra ter apreço por seu cacife político. Os adversários, atordoados pela expressão de força do ex-presidente, soltam balões de ensaio semana sim, outra não. Nenhum deles demonstrou, ainda, capacidade maior do que o governador paulista Geraldo Alckmin para se manter no ar. Mas Alckmin está amarrado a uma rabiola pesada –o PSDB, contaminado pelos apoios tóxicos a Michel Temer e a Aécio Neves. Entre os alckmistas não se sabe a autonomia de voo caso o antagonista seja um “novo” com verniz popular e chancela transferida por Lula.
Não é hora de certezas. É hora de ter dúvidas. Não tenho dúvidas, contudo, que Lula está se divertindo com a “semana 1” da corrida de 2018: tenho certeza disso. Enquanto sorri, ele segura um leque de cartas e olha o pano verde. Pode até estar declamando para si os versos finais de Sentimento do Mundo, de Drummond:
“Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais noite que a noite.”
Luís Costa Pinto é jornalista.