Márcio Garcia, economista da PUC/RJ: “Banquete em véspera de dieta?”

16/07/2016 | Política

Valor Econômico – 08/07/2016

O fim da recessão e a retomada do almejado crescimento sustentado dependem da reversão do crescimento desenfreado que a dívida pública vem exibindo recentemente (vide gráfico). Empresas não investem em economias em que a solidez das finanças públicas esteja em risco. E, sem investimento, não há crescimento, nem geração de empregos.

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O problema fiscal no Brasil advém da persistente expansão de gastos obrigatórios a taxas bem superiores ao crescimento do PIB (vide tabela), agravada pelas elevadas taxas de juros requeridas para manter a inflação sob controle neste ambiente de contínua expansão fiscal. Para romper tal círculo vicioso, o governo encaminhou ao Congresso uma PEC (proposta de emenda constitucional) que, se aprovada, limitaria o crescimento nominal das principais despesas públicas à inflação do ano anterior. Ou seja, sempre que houver crescimento real do PIB, o gasto público cairá em proporção do PIB.

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A PEC visa a impedir que os gastos públicos agregados continuem crescendo a taxas que comprometam a solvência fiscal. A ideia é forçar que o Congresso cumpra seu papel de estabelecer prioridades, respeitando a restrição orçamentária do governo, em vez de insistir na miríade de vinculações constitucionais que, no afã de defender gastos sociais, acabaram por inviabilizar o controle orçamentário.

Fazendo uma analogia com uma dieta de emagrecimento, a PEC seria como limitar a ingestão de calorias a um máximo de 400 mil calorias por ano, por exemplo. Se tal ingestão reduzida de calorias fosse, de fato, respeitada, o indivíduo emagreceria. No entanto, para que tal limite seja colocado em prática, é necessário traduzir o limite anual em decisões cotidianas. Caso contrário, o limite anual acabará não sendo cumprido.

O mesmo ocorre com a PEC, que exige medidas complementares que permitam que os diversos componentes do gasto público cresçam a taxas que não comprometam o teto global de crescimento dos gastos públicos. A principal reforma diz respeito à Previdência Social. A manutenção das regras atuais de concessão de benefícios inviabilizaria o limite da PEC.

O gráfico mostra duas simulações da trajetória futura da dívida pública (DBGG: dívida bruta do governo geral). No cenário 1, supõe-se que os componentes do gasto público na tabela cresçam, em termo nominais, a partir de 2017, segundo a inflação, seguindo a prescrição da PEC. A dívida pública passaria por um máximo, ao redor de 85% do PIB, em 2021, e cairia a partir de então. Já no cenário 2, supõe-se que todos os demais gastos obedeçam a regra da PEC (o que exigiria várias medidas adicionais), mas que os gastos previdenciários continuem a crescer segundo as regras atuais. Nesse cenário, sem reforma da Previdência, a dívida segue elevando-se persistentemente.

É como se o nutricionista que prescreveu o limite de 400 mil calorias por ano, ao mesmo tempo, exigisse do paciente a ingestão de uma quantidade crescente, digamos, de chocolate. Sem remover essa segunda prescrição, a primeira ficará inviável. Em suma, a longo prazo, a reforma da Previdência é condição "sine qua non" para estabilizar a dívida pública, embora medidas adicionais também se façam necessárias.

O governo interino tem tomado uma série de decisões que implicam expansão substancial do gasto público. O reajuste do bolsa-família (R$ 4,8 bilhões), o aumento dos salários de servidores públicos (R$ 67,8 bilhões), a ajuda para viabilizar as Olimpíadas no Rio de Janeiro (R$ 2,9 bilhões) e a renegociação da dívida com os estados (R$ 50 bilhões), já totalizam, por ora, cerca de R$ 125 bilhões.

Do ponto de vista político, tais gastos adicionais têm sido justificados por analistas políticos como necessários para assegurar a votação do impeachment pelo Senado Federal, em agosto. Do ponto de vista fiscal, são como um banquete em véspera de dieta. Podem perfeitamente não comprometer a meta de emagrecimento, desde que a dieta seja de fato seguida à risca a partir do dia seguinte. O problema é que somos useiros e vezeiros em abandonar "dietas fiscais". Tomara que, passados o impeachment e as eleições municipais de outubro próximo, o governo se disponha, de fato, a cumprir o prometido. Em caso contrário, continuaremos a ter uma combinação de crescimento pífio com inflação elevada.

Márcio G. P. Garcia, Ph.D. por Stanford, é professor do departamento de economia da PUC-Rio.

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