Márcio Pochmann: “Trabalho não liberta mais da pobreza e da fome”
Portal Democracia e Mundo do Trabalho em Debate, 01/08/2020
A pandemia aprofundou os efeitos da crise social e econômica no Brasil e agravou as condições de vida da classe trabalhadora. A forma de gerir os problemas adotado pelo governo Bolsonaro não demonstra eficiência no combate ao vírus, tampouco aponta saídas à economia.
Diante desse cenário, haveria alguma perspectiva de mudança que transforme a realidade brasileira? Para responder essa e outras questões e explicar como o país chegou na grave situação em que se encontra, o Projeto Brasil Popular (PBP) realizou no sábado (25) a live “Mudanças Estruturais do Capitalismo Brasileiro e os efeitos da pandemia”, que contou com a participação do economista e professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcio Pochmann.
De acordo com Pochmann, é preciso pensar em um projeto pós-capitalista de médio e longo prazo que dialogue com as massas que estão sobrando no mercado de trabalho. “Esse modelo atual de capitalismo não pode dar esperanças em termos de inclusão social, emprego e renda. A repetição de políticas passadas não darão sucesso na conjuntura atual”, acredita.
Mesmo afirmando que há uma incapacidade do capitalismo brasileiro em sofrer algum tipo de reforma estrutural, o economista explica que uma das saídas para a crise atual seria a mudança no perfil de tributação, que é regressivo e tributa mais os pobres, por meio do consumo, e não a renda. “A participação dos ricos na tributação é mínima. Eles não deveriam financiar o estado pagando títulos públicos, mas pagando impostos”, explica o economista.
Além disso, o contingente da população que recebe Bolsa Família deveria entender que o recurso é apenas uma parte que essa mesma população paga de imposto. “Os ricos que nada pagam recebem muito mais. A realidade é constrangedora, quem critica o sistema tributário é quem não paga imposto”, declara.
Pochmann define a situação em que se encontra o país como dramática, com um quadro profundo de desemprego, falta de infraestrutura, moradia, saneamento, agravada pela desistência da elite brasileira de ter algum protagonismo externo e pela destruição da indústria nacional que hoje representa menos de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). As ocupações estão no setor terciário, na segurança pública e privada, nas plataformas digitais e no trabalho doméstico, todas com remunerações baixas. “O trabalho não liberta mais da pobreza e da fome”, destaca.
Para ele, a solução passa mais pela política do que pela economia. Deve haver uma convergência nacional em torno de um projeto civilizatório pro país e uma perspectiva mais integradora do Brasil”, opina.
Mudança estrutural do capitalismo
O economista e professor Marcio Pochmann explicou que para apontar um projeto de futuro para o país, é necessário analisar a história do capitalismo brasileiro para perceber que estamos em uma fase de mudança estrutural. “Portanto, aplicar políticas passadas não é suficiente. O Brasil tem futuro e deve dialogar com as novas mudanças do capitalismo”.
Seu estudo divide o capitalismo em três tendências. A primeira marca o nascimento tardio do sistema economia no país, a partir de 1808, quando há a decadência do colonialismo português e a ascensão do imperialismo inglês, a definição da propriedade privada e a aprovação do fim do tráfico negreiro com a atração de imigrantes europeus e soltura dos povos escravizados.
“A correlação de forças dos abolicionistas com os senhores de escravos permitiu a construção do mercado de trabalho, mas privilegiou a atração de imigrantes ao invés da incorporação da massa de escravizados. A elite brasileira considerava que o atraso do país resultava do processo de miscigenação e entendia a raça negra como inferior, portanto a resposta para a crise seria investir na mão de obra branca”, lembra.
A segunda tendência estrutural do capitalismo acontece no século XX, entre os anos de 1920 e 1980, com a construção do projeto de industrialização e urbanização nacional. Os movimentos tenentistas e modernistas reconhecem que o atraso brasileiro é resultado da forma como o Brasil se inseriu no capitalismo na condição de subdesenvolvimento. A partir disso, o estado assume um caráter desenvolvimentista, há um processo de modernização do capitalismo, com reforma agrária, industrialização, urbanização, constituição de uma forte classe trabalhadora, com aumento do assalariamento e dos direitos sociais, apesar da forte desigualdade social.
Já a terceira tendência se inicia a partir dos anos 1980 e chega aos dias atuais. É marcada pela decadência do capitalismo brasileiro. Para Pochmann, esse período de 40 anos é constituído por duas décadas perdidas do ponto de vista econômico, apesar de ter havido ganhos. Entre eles, o economista ressalta a implantação do plano real, na década de 1990, que controlou a super inflação, a redução do desemprego, a inclusão social, o pagamento da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o aprofundamento democrático a partir da eleição do ex-presidente Lula, em 2002.
Porém, a última década volta a ser caracterizada pelo desemprego e pelo desalento dos trabalhadores que deixam de procurar emprego, exclusão social, doenças, fome e asfixia da democracia com o golpe de 2016.
“Na média, o Brasil não teve crescimento econômico nessas últimas quatro décadas, caiu a presença do país no mundo, aumentou o excedente de força de trabalho e faltam ocupações, há o declínio da classe média assalariada, com contenção do acesso aos direitos sociais e trabalhistas, crescimento da informalidade e capital cada vez mais associado ao rentismo”, descreve.