Mino Carta, da Carta Capital: “O patético complô”
Mino Carta, da Carta Capital: “O patético complô”
Carta Capital – 15/02/2016
Suspeitas levantadas para incriminar Lula deveriam provocar gargalhadas, não indicassem desastre intelectual e moral de que não escapam governo e PT
Dona Marisa Letícia exorbita, não se limita a carregar para o celebérrimo (famigerado?) sítio de Atibaia um barquinho de lata no valor de 4 mil reais, mas lá criou uma horta e ergueu uma pequena estátua de Cristo, quem sabe miniatura do Redentor do Corcovado. Espantoso.
E como se não bastasse, a ex-primeira-dama teve o acinte de organizar no sítio festas familiares. Comes e bebes caseiros, ponche, vale apostar. Parece incrível, está provado, contudo, pelas fotos aéreas tiradas por desassombrados perdigueiros da informação, paladinos da verdade.
Diante desse apavorante conjunto de desmandos, não poderia faltar a intervenção providencial do juiz Sergio Moro, que há dois anos, graças ao Altíssimo, rege o destino do País. E ele convoca a Polícia Federal a se aprofundar na investigação das razões de ser da propriedade rural suspeita, a implicar a possibilidade (probabilidade? certeza?) de incriminar Lula em crime de ocultação do patrimônio. Ou coisa pior.
Raymundo Faoro recomendava: “Mino, não pratique a ironia, eles vão entender que você fala sério”. Apresso-me a sublinhar: exponho uma situação risível até a gargalhada não fosse indicativa também da miséria intelectual e moral em que precipitamos. Se é golpista a tentativa de impeachment de Dilma Rousseff, é por igual pateticamente golpista a manobra urdida em várias frentes na busca frenética de motivos para incriminar Lula.
Por ora, trombeteiam-se motivações inconsistentes. Tal é, porém, a arte da calúnia, haveria de funcionar com a paciência da água mole do ditado. Pergunto aos meus entediados botões: como terminaria o mandato de Getúlio se ele não apanhasse o revólver pousado sobre o criado-mudo?
No caso houve um complicador gravíssimo, o atentado contra o inquisidor Lacerda que resultou no assassínio do major Vaz. Arrisco-me a imaginar que o golpe de 1964 se daria dez anos antes, em um Brasil de 60 milhões de habitantes, e muito diferente do atual não somente por causa do crescimento populacional.
Há regiões que progrediram em todos os sentidos. O Nordeste, por exemplo, outrora dos coronéis e do voto de cabresto, hoje politizado em boa medida. Surgiram também movimentos sociais importantes e uma porção conspícua da Igreja, embora tenha perdido espaço para os evangélicos, já não se prontifica a abençoar a casa-grande.
E quantos brasileiros, efetivamente, são alcançados pela campanha anti-Lula? Não chega aos que vivem no limbo, e são dezenas de milhões, e aos que enxergam em Lula o melhor presidente da República pós-ditadura, e não se enganam.
A conspiração fermenta debaixo dos nossos olhos, capaz até de desprezar a contribuição dos profissionais da política para conluiar a mídia, verdadeiro partido de oposição, alas da PF e do MP, um ou outro ministro do Supremo (não é preciso declinar nomes) e líderes empresariais de um país que até hoje basicamente exporta commodities.
E quem comove e exalta? Leitores de jornalões e revisões, ouvintes e assistentes dos penosos torquemadas da tevê e do rádio. Não se trata da maioria do povo brasileiro.
O que espanta de verdade, e tolhe a gargalhada que de outra forma mereceria saudar o esforço de quem até o momento furou a água, é a inércia governista e o pífio comportamento do PT, o partido que no poder portou-se como os demais.
O ministro da Justiça imerge-se no vácuo de Torricelli, enquanto Rui Falcão constata algo que define como o “linchamento” do seu líder, quando apenas lhe cabe demolir um castelo de areia. Faltam picardia e senso do ridículo, chiste e graça.
Sobrou o lugar-comum, quase a confissão da impotência, sem falar da apatia de um governo que se deixa acuar. Não são bons sinais, revelam a falta de rumo em um Brasil à deriva. A conspirata se dá antes de mais nada contra o próprio País e são poucos os que escapam à derrocada geral.
A conclusão é inescapável, estamos muito longe da maturidade de uma nação habilitada à democracia. De fato, inexistem na prática os poderes ensinados por Montesquieu, enquanto a crise grassa e fatias da população, beneficiadas pela política social de Lula, descem os degraus galgados nos últimos anos.
Outra conclusão se impõe: se as acusações contra o ex-presidente não passarem das aduzidas até agora, Lula sairá desta refrega extremamente fortalecido. Se quiser, candidato imbatível em 2018.