Paulo Kliass: “Os riscos da privatização”
O início do processo de definição das candidaturas às eleições presidenciais de outubro próximo contribui também para a antecipação de alguns temas que podem ser norteadores no debate entre os postulantes ao cargo.
Petroleiros reagem à venda de ativos da Petrobras. Foto: Diogo Villa Marim
Jornal GGN – 28/02/2018
O mais importante de todos parece ser a tentativa de impedir que o ex-presidente Lula consiga manter o registro de sua candidatura ao Palácio do Planalto. Com isso, o Brasil corre o vergonhoso risco de promover uma escancarada fraude antes mesmo do início do pleito. O candidato que todas pesquisas apontam como o virtual vencedor não poderá concorrer? Mas existem também outras ameaças.
A experiência verificada pela sociedade brasileira a partir da consolidação do golpeachment também será objeto de balanço por parte do eleitorado. Boa parte das expectativas criadas em torno do afastamento de Dilma Roussef foram sendo sucessivamente frustradas e até aqueles que ingenuamente acreditavam em eventual redenção nacional a partir de maio de 2016 deram com os burros n’água. O balanço de avaliação do governo Temer não poderia ser melhor expresso do que por meio de seus baixíssimos índices de popularidade, que insistem em disputar o espaço com as margens de erro das diferentes pesquisas de opinião.
Ao que tudo indica, a opção pelo aprofundamento da estratégia do austericídio obteve o mais amplo repúdio por parte da população brasileira. A perversidade da combinação de uma política monetária arrochada com uma política fiscal contracionista não tardou a ser percebida como desastrosa. A manutenção da SELIC nas alturas e a determinação em promover uma política draconiana de cortes orçamentárias contribuíram, de forma decisiva, para jogar o País na maior recessão de nossa História. O desemprego explodiu e superou a marca oficial de 14 milhões, sem contar os mais de 13 milhões de pessoas com trabalho informal, precário e sub remunerado.
Desmonte, austericídio e privatização
A sanha obscurantista da ortodoxia neoliberal avançou na linha da destruição do legado proporcionado pelo desenho institucional e das políticas públicas previstas na Constituição de 1988. Assim, para além das maldades cometidas contra saúde, educação, previdência social, política de pessoal para servidores, o governo investiu pesado também na área de concessão de serviços públicos. Esse foi o caso de abertura da exploração de toda a área de infraestrutura para o capital privado, a exemplo de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias.
A intenção privatista avançou pela área da energia, com a estratégia de oferecer as empresas estatais nos setores de petróleo e eletricidade ao capital privado, em especial para as multinacionais. A Petrobrás vem sofrendo uma campanha de difamação e destruição intencional por parte dos próprios integrantes do governo, em articulação estreita com os grandes meios de comunicação e membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. A exploração dos novos poços na região do Pré Sal tem sido oferecida de foram sistemática aos grupos estrangeiros e a maior empresa nacional está sendo fatiada. Assim, algumas de suas áreas de atividade empresarial estão sendo entregues também ao capital privado. Um verdadeiro crime de lesa Pátria.
No entanto, toda essa obstinação do governo com o cumprimento da pauta conservadora terminou por aumentar ainda mais o descontentamento e a indignação da maioria da população. Talvez o exemplo mais cristalino dessa contradição seja o processo da Reforma da Previdência. Desde o início, o governo definiu como sua prioridade máxima a obtenção de apoio e suporte políticos por parte das elites do financismo. Dessa forma, ao identificar a questão previdenciária como sendo o objeto indisfarçável do desejo de todo o povo da banca, Temer fez da aprovação da Proposta de Emenda da Constituição (PEC) da Reforma da Previdência a razão de ser de sua própria existência.
Foi mais de um ano de insistência obstinada com o tema, por mais que as pesquisas todas recomendassem cautela com assunto tão sensível e impopular. Foram idas e vindas junto aos membros do Congresso Nacional, com recuos significativos em relação ao pacote inicial das atrocidades sugeridas por sua equipe econômica e previdenciária. No entanto, por mais que o núcleo palaciano aceitasse retroceder em aspectos da proposta original, nem mesmo assim a base aliada se mostrava disposta a botar a cara à tapa. Era o receio de declarar seu voto de forma aberta em votação no plenário da Câmara dos Deputados em um primeiro momento.
Abandono da Previdência e retomada da privatização
Até que chegou a oportunidade para dar um cavalo de pau, em operação carregada de risco político calculado. Temer abandona seu principal compromisso com o sistema financeiro e incorpora um assunto que a população considera dentre os mais relevantes para o seu cotidiano. Para além da crise econômica e do desemprego, a questão da segurança nacional não pode ser desconsiderada como item relevante no conjunto de políticas públicas. Em jogada de mestre, ele promove a intervenção no Rio de Janeiro e cria o Ministério da Segurança Pública. De uma tacada, apresenta sua desculpa para não mais seguir com a previdência, por impedimento de alteração constitucional durante intervenção. De quebra, inviabiliza os movimentos para acabar com o foro privilegiado – grande receio da absoluta maioria dos parlamentares encrencados com a Justiça.
Com essa mudança, fica escancarada a avalanche de mentiras construídas e difundidas ao longo desse tempo todo a respeito da suposta “urgência urgentíssima” da Reforma da Previdência. Como se sabe, ao contrário do que chantageou impunemente o governismo, o Brasil não vai quebrar amanhã por conta disso. No entanto, com o intuito de se manter articulado à herança da narrativa neoliberal, o núcleo duro se agarrou à continuidade da agenda do desmonte e ao tema da privatização.
Temer trocou a PEC da Previdência por uma lista contendo um conjunto de 15 itens – todos muito bem requentados para ludibriar a população. O pacote muito mal embrulhado foi apresentado como uma alternativa à busca do equilíbrio fiscal e à retomada do crescimento da economia, uma vez que a previdência teve de ser descartada. Ao lado da antiga tentativa de votar a independência do Banco Central, outro ponto dessa lista chinfrim, mas que passou a receber destaque sistemático na imprensa, é o projeto de lei que autoriza a venda da Eletrobrás.
Com isso, o tema da privatização volta a ganhar força na pauta dos grandes meios de comunicação, sempre em articulação simbiótica com os interesses do financismo. O detalhe é que o impulso que se pretende oferecer a tal “solução” para nossa crise fiscal ultrapassa a venda de uma empresa isolada.
No passado recente, introduzir o assunto no debate presidencial revelou-se uma estratégia equivocada para os próprios arautos do neoliberalismo. Em 2006, por exemplo, o candidato do PSDB acabou metendo os pés pelas mãos e Alckmin foi obrigado a recuar em sua intenção de propor a privatização de Petrobrás e Banco do Brasil. Mais à frente, em 2014, o também candidato Aécio Neves viu-se constrangido a desmentir uma suposta proposta de privatizar a Petrobrás.
No entanto, o quadro político eleitoral para as próximas eleições revela-se bastante distinto. Apesar do desgaste inequívoco do governo Temer e do resultado desastroso de suas políticas públicas, o fato é que se busca articular a formação de um amplo consenso em torno da agenda conservadora. Contribui para tanto o superdimensionamento dos efeitos negativos da administração pública, tão castigada em sua imagem pela Operação Lava Jato. Por outro lado, a profundidade e a emergência da crise fiscal abrem espaço para propostas simplistas e demagógicas. Reduzir o tamanho do Estado e promover a venda das empresas estatais sintetizam a tentação liberal do momento.
Candidatos da direita contra o Estado
As campanhas dos candidatos mais ligados ao campo da direita conservadora não perdem seu tempo. Dessa vez, Alckmin já avançou em sua concordância com a matéria e declarou ser favorável à venda da Petrobrás ao capital privado. Henrique Meirelles é o principal responsável pela estratégia do desmonte do governo atual, o verdadeiro rei da privatização. Como candidato a Presidente, vai certamente incorporar a defesa do seu legado posterior ao golpeachment à frente do Ministério da Fazenda. Ele está todos os dias nas manchetes declarando-se favorável à venda do patrimônio público, como Eletrobrás e Petrobrás.
Já o principal assessor e formulador de Jair Bolsonaro para assuntos econômicos, Paulo Guedes, tampouco segura suas ideias mais sinceras a respeito do tema. Por mais que o candidato da extrema direita tenha se manifestado contra a privatização em passado recente, agora integrantes do financismo tentam lapidá-lo com cuidado. Um enorme esforço para convertê-lo em um autêntico defensor do liberalismo econômico mais radical. Assim, Guedes declara-se a favor de privatizar tudo o que for possível. - Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Correios.
Porém, por mais que esse esforço de convencimento se concretize por esse bombardeio cotidiano nos meios de comunicação, ao que tudo indica a população ainda tem um pé atrás com os intentos da privatização. Os levantamentos de opinião apontam nessa direção e os políticos sabem disso. Por exemplo, pesquisa recente do Datafolha revela que 70% da população se colocam contra a medida, inclusive no interior do eleitorado tucano.
Esse sentimento inicial de questionamento no imaginário popular deveria ser, inclusive, o ponto de partida para a ampliar a ofensiva pelo Referendo Revogatório. Todas as medidas associadas ao desmonte deveriam ser objeto de uma consulta popular patrocinada pelo governo que vença as eleições, a exemplo da EC 95 (teto dos gastos), reforma da CLT, entrega do Pré Sal para estrangeiros, privatização de empresas estatais, entre outros. Esse é o caminho para enterrar essa fase triste de nossa História e abrir espaço para as tarefas do verdadeiro desenvolvimento econômico e social.
Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.