
Por que os países com menor nível de corrupção – Dinamarca, Suécia, Noruega, Holanda – são os mais igualitários?
Desde 1995, a Transparência Internacional publica o relatório anual Índice de Percepção de Corrupção (IPC), que ordena os países do mundo de acordo com "o grau em que a corrupção é percebida a existir entre os funcionários públicos e políticos". A organização define a corrupção como "o abuso do poder confiado para fins privados". A maior pontuação significa menos (percepção de) corrupção. Os resultados mostram que sete de cada dez países (e nove de cada dez países em desenvolvimento) possuem um índice de menos de 5 pontos em 10.
No IPC de 2015, como em outros anos, chama a atenção o fato de a percepção da corrupção é menor exatamente nos países com maior igualdade social. Veja na tabela ao final deste post. Dinamarca, Finlândia, Suécia, Nova Zelândia, Países Baixos (Holanda) Noruega, Suiça, países com menor corrupção, são exatamente alguns dos países mais igualitários do planeta.
A corrupção decorre, em grande medida, da desigualdade social
O brasilianista Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute do King´s College, em Londres, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, acredita que a corrupção no Brasil pode ser explicada em parte por conta de ser um país historicamente muito desigual. Afirma ele: “Faz sentido dizer que a desigualdade enfraquece a capacidade de a sociedade civil ser atenta com relação à corrupção e, portanto, de pedir explicações sobre ela”.(...) “A cidadania democrática requer um standard mínimo de educação e de bem-estar econômico de seus cidadãos, além de um nível razoável de igualdade socioeconômica. Grandes desigualdades de riqueza e de entradas em qualquer sociedade tendem a viciar a igualdade formal da cidadania, e portanto levar à plutocracia”.
O brasilianista continua: “Se você olhar para o relatório do Transparency International sobre corrupção, de 2014, veremos que os 10 países onde a percepção da corrupção é menor, temos Dinamarca, Nova Zelândia, Finlândia, Suécia, Noruega, Suíça, Singapura, Holanda, Luxemburgo e Canadá”.(...) “Todos esses países têm índices de Gini (que mede a desigualdade) que são muito mais baixos do que o do Brasil –exceto Singapura, que está próximo ao Brasil, mas ainda assim é mais baixo”.(...) “Se você pega uma média do Gini desses 10 países, você tem 30.2, ou apenas um pouco mais da metade do Gini brasileiro, de 51.9. Em outras palavras, eles têm muito menos desigualdade do que o Brasil. Isso é sugestivo, pode ser que signifique que níveis relativamente baixos de desigualdade fazem com que combater a corrupção seja mais fácil. Por outro lado, esses países também são menores (em termos de população) e mais ricos que o Brasil, portanto outros fatores estão, sem dúvida, em jogo”.
Países com menor corrupção não têm Estados pequenos
O brasilianista Anthony Pereira afirma ainda que os países onde a corrupção é menor não têm uma tradição e liberalismo econômico: “Outra coisa interessante a se notar sobre esses países onde a percepção da corrupção é baixa é que, com exceção de Singapura, eles não são países com Estados pequenos”. “A arrecadação de impostos como porcentagem do PIB na Dinamarca, por exemplo, que está no topo da lista, é de 50,9%. A média para os dez da lista é de cerca de 34,4%. Na lista, apenas Canadá, Singapura e Suíça têm Estados menores que o Brasil, segundo medidas de arrecadação de impostos como porcentagem do PIB”.(...) “O que isso sugere é importante. Soluções radicalmente neoliberais para a corrupção, reduzindo o Estado a um mínimo na relação com as forças do mercado pode não ser eficiente ou necessário para combater a corrupção”.(...) “Isso ocorre porque o limite entre o Estado e o mercado existe, não importa o quão pequeno é o Estado, e é nesse limite que a corrupção floresce”.(...) “O fato de que Estados relativamente grandes como são Dinamarca, Finlândia, Suécia, Noruega e a Holanda estejam no topo da lista dos que se veem menos corruptos é um lembrete importante de que grandes Estados que abraçam a responsabilidade do bem-estar dos cidadãos podem ter níveis baixos de corrupção”.(...) “Enquanto por outro lado, países que passaram por reformas neoliberais radicais, como a Rússia, podem ser altamente corruptos”.
Paulo Nogueira: “Um sistema igualitário não pode ser erguido com corrupção”
Em um excelente artigo divulgado no blog Diário de Centro do Mundo, Paulo Nogueira afirma que um sistema igualitário não pode ser erguido com corrupção. Disse ele: “No mundo, a maior tragédia é a desigualdade. Isto já se tornou um consenso. Do Papa a líderes políticos que se reúnem em lugares como Davos, é unânime a opinião de que não existe nada mais premente para o futuro da humanidade do que reduzir a iniquidade. E no Brasil, um país assolado por uma desigualdade abjeta há séculos, este não parece ser um problema grave. Ora, ora, ora. Quantas vezes você viu jornais e revistas fazerem uma campanha por uma sociedade mais igualitária? Nunca. Quantas vezes você vê denúncias de corrupção, todas, aliás, voltadas contra um lado só, e muitas delas sem nenhuma consistência? Inúmeras. Isso ocorre por uma conveniência mesquinha das famílias que controlam a imprensa. Elas são beneficiárias da desigualdade. Lucram com ela, e copiosamente. A família mais rica do Brasil é a Marinho. Atacar a desigualdade significa extirpar privilégios dos barões da mídia e da classe que representam e defendem. Portanto, nem uma palavra”.
Paulo Nogueira conclui: “Não que a corrupção seja desimportante. Mas é cínico não dizer que a corrupção, numa sociedade, é tanto maior quanto mais iníqua ela é. Não à toa, os países menos corruptos do mundo, os escandinavos, são também os mais igualitários. Não se tolera, ali, roubalheira. Apanhado, você vira um pária. Um sistema igualitário simplesmente não pode ser erguido com corrupção. O fundamento dele é a transparência, a integridade, a frugalidade – tudo, enfim, que se opõe à corrupção”.
Renato Janine Ribeiro: “A insensibilidade ao sofrimento dos mais pobres, laboriosamente construída ao longo de cinco séculos, é o caldo de cultura para a corrupção”
O filósofo Renato Janine Ribeiro, em artigo histórico escrito no jornal Folha de S.Paulo, expressou a sua posição sobre a corrupção no Brasil. Disse ele: “Quero colocar alguns pontos de princípio, sem os quais o debate sobre a corrupção fica pobre - porque um autêntico debate sobre a corrupção nunca trata apenas da corrupção”.(...) “O movimento abolicionista galvanizou a sociedade brasileira quando convenceu a opinião pública de que a escravatura não fazia mal apenas aos negros. Ela corrompia a sociedade inteira. Uma peça como ‘O Demônio Familiar’, de José de Alencar, mostra-o bem. Os negros sofrem na pele, mas o desprestígio do trabalho faz com que toda a sociedade escravagista gravite em torno não de uma ética do trabalho, mas do sonho com o parasitismo. Há um mal físico e há um mal moral”.
Janine continua: “Isso vale para a sociedade brasileira atual. Algo nos corrompe: a injustiça social. Ela é tão entranhada que ouvi, dias atrás, empregadas domésticas aliviadas por terem trabalhado, sem registro, seis meses: isso ‘não sujou’ suas carteiras de trabalho, disseram elas. Perderam meio ano na contagem para a aposentadoria e, mesmo assim, não se sentem prejudicadas! A iniqüidade continua presente em nossos costumes”.(...) “O que tem isso a ver com a corrupção? Esta não é apenas o furto de um bem. Não podemos reduzir a corrupção a uma visão superficial que a considera análoga ao furto ou ao roubo (veja-se o insulto tão comum, "político ladrão"). Ela é pior que isso. Vai na jugular do bem comum. Faz troça da coisa pública, da res pública. Arruína os costumes. Prestigia condutas que fazem mal ao outro”.
Segundo Janine o Brasil está aquém de Rousseau: “Se em nossa sociedade a miséria coexiste com o luxo, a Daslu com a favela, isso não cria em nós uma indiferença olímpica ao sofrimento alheio? Recuamos para antes de Rousseau, que, 250 anos atrás, ‘inventou’ a compaixão, isto é, a capacidade de alguém sentir a dor que afeta seu semelhante. Ora, boa parte da iniciação na vida de nossas classes médias e ricas consiste em aprender como não ser tocado pela miséria ambiente. Todos os mendigos são atores. Todos os miseráveis são preguiçosos. Todos bebem. E por isso nada temos a ver com sua condição inumana”. (...) “Minha tese é que a insensibilidade ao sofrimento dos mais pobres, laboriosamente construída ao longo de cinco séculos, é o caldo de cultura para a corrupção. O desdém pela pobreza nos torna uma sociedade viciada. Como valores éticos poderão vicejar nesse terreno?”(...) “Daí que só o combate frontal à injustiça social poderá enfrentar a corrupção. Tudo o mais serão meras palavras, muitas delas ingênuas, algumas hipócritas”.
Veja abaixo a tabela completa do Índice de Percepção de Corrupção (IPC) – 2015!