Projeto para salvar o rio Doce. Sebastião Salgado tenta criar fundo para recuperar nascentes; custo é de R$ 5 bilhões
Bárbara Ferreira
O Tempo – 16/11/2015
Aimorés. Depois de uma vida usando suas lentes e olhar sensível para denunciar uma série de tragédias pelo mundo, o fotógrafo Sebastião Salgado retorna às suas origens para se deparar com o fim do rio onde aprendeu a nadar. No país desde a última terça-feira, ele, que é natural da pequena cidade de Aimorés, tenta agora mobilizar autoridades para criar um fundo e implantar ações para recuperar a bacia do rio Doce.
A lama que toma conta do rio assola memórias de uma infância, mas também aumenta o desejo de fazer andar o trabalho do Instituto Terra, organização não-governamental que o fotógrafo mantém na região. O foco de sua luta agora é o projeto já pronto para recuperar as 377 mil nascentes da bacia. “Da recuperação de nascentes, já temos o projeto feito. Já temos, inclusive, a aprovação do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). Só não tivemos os recursos porque houve restrição orçamentária. O projeto está pronto para começar”, explica.
A ideia do fotógrafo é recuperar 4.500 nascentes por ano – ainda em 2015, ele pensa em cobrir até 500 pontos. Esperançoso, ele lamenta, no entanto, a possibilidade de não estar mais aqui para ver a vida ressurgir no rio Doce. “Talvez, quando estiver muito velhinho, possa ver novamente um equilíbrio ecológico no rio”.
Trâmites. Salgado se reuniu com a presidente Dilma Rousseff na última sexta-feira e afirma que a petista foi incisiva em dizer que o projeto dever ser implantado e custeado pelas empresas responsáveis pelas barragens. A estimativa é de custos em torno de R$ 5 bilhões.
A Vale – controladora da Samarco junto com a BHP – é uma das financiadoras do Instituto Terra e, para o fotógrafo, pode ter na recuperação do rio uma oportunidade para se redimir. “Ela (Vale) tirou toda a potência que tem hoje desse vale. É de onde ela nasceu e há pouco tempo atrás ela carregava o nome de Vale do Rio Doce”.
Salgado acredita que a mineração tem um papel importante no desenvolvimento de Belo Horizonte até Vitória (ES), mas frisa que as empresas são as responsáveis por pagar a conta dos reparos ambientais.
Sobre a recuperação das nascentes, o fotógrafo pontua que o trabalho não terá resultados da noite para o dia, mas já é uma esperança de que as próximas gerações possam ver, novamente, as águas esverdeadas desse rio.
'É a morte ecológica do rio Doce. O rio terminou'
Leia a entrevista com Sebastião Salgado Fotojornalista e idealizador do Instituto Terra
O senhor acha que o projeto para recuperar nascentes é a única esperança para o Rio Doce?
Que outra solução? É esse o desastre. Como vamos lavar o leito do rio? Como você vai repor todos os peixes, toda a vida? A tentativa hoje é para salvar uma parte dos peixes, colocando no rio Manhuaçu para depois repovoar o rio Doce. Mas daqui a quantos anos você acha que essa lama depositada no fundo vai sair? Será que nós vamos conseguir todas as espécies de volta? Com a natureza você não acelera. O rio Doce tem mais de 800 km, com uma calha em locais muito amplos, e a única coisa que se tem para limpar esse rio é aumentar o volume de água. E precisamos do fundo para fazer. Precisamos que ele seja gerido com decência.
O senhor conversou com a presidente Dilma Rousseff sobre o fundo. Me fale um pouco dele.
Olha, estamos trabalhando nessa ideia do fundo desde terça-feira, quando cheguei da China. Começamos reuniões com o governador do Espírito Santo (Paulo Hartung), fui para Brasília discutir com a ministra do Meio Ambiente (Izabella Teixeira)concluí com a presidente Dilma de criar uma proposta concreta. É a morte ecológica do rio Doce. O rio terminou. O fundo desse rio vai ficar encoberto por muito tempo. Foi eliminada toda a vida do rio. Então vai ter que haver uma compensação e eu acho que não tem que se limitar a pequenas multas, nem tem que ser tímido, porque olha o tamanho desse vale (87 mil km²). Ele é apenas um pouco menor que Portugal. E a especialidade do Instituto Terra é a bacia do rio Doce. Temos um projeto que já estamos trabalhando nele há quase cinco anos de recuperação da bacia e já realizamos um projeto-piloto de quase mil nascentes. Já testamos, já sabemos implantar as nascentes e já desenhamos o projeto, calculamos e sabemos quanto custa o projeto. Não sei a quantidade, mas vai ter que ser umfundo que assuma essas proporções de controle ambiental. Não é o Instituto Terra que vai criar essa comissão, é o governo federal. E ela tem que ter um pouco dessa assessoria de organizações como a nossa.
Como o senhor imagina a organização desse fundo? Quanto isso custaria?
Eu só sei que a catástrofe da British Petróleo (no Golfo do México, em 2010) ficou em R$ 80 bilhões. Em Mariana são as duas maiores mineradoras do mundo, e o volume dessas empresas comporta perfeitamente. Acho que é a oportunidade, principalmente a Vale, que é da região, de habilitar o vale que deu nome a ela. Até pouco tempo ela se chamava Vale do Rio Doce. A Vale é o maior empregador da região. É responsável e vai ter que levar essa responsabilidade até o fim e assumir isso. Custos têm que ser arcados pelas empresas. A lei brasileira prevê que a recuperação de desgastes tem que ser feita pelas empresas. Tem que solicitar reparação do tamanho do desastre. Não pode ser imprecisa e solicitar qualquer coisa. A gente sabe quanto custa nossa reparação. Só a instalação das nascentes deve custar em torno de R$ 5 bilhões. Outros cálculos devem ser feitos, mas ela tem que ser no mínimo do calibre da indenização da British Petróleo. É o maior desastre ecológico do Brasil.
Qual foi a posição do governo federal?
Todos aceitaram. A presidenta Dilma assumiu a liderança das negociações com as empresas. Ela se comprometeu a obter essa reparação.
Para o senhor há um lado pessoal no drama do rio Doce.
Isso é uma coisa terrível. Hoje (ontem) que eu vi pela primeira vez, porque cheguei ontem (anteontem) à noite em Vitória (ES) e vim para cá hoje (ontem). Fui lá ver o rio. É uma coisa chocante de se ver. Toda a fauna do rio morta. Toda morta. Aquilo lá é uma espécie de gel. A densidade é tão forte que se deposita em todas as partes do rio. É um negócio chocante ver o seu rio morrer. Já tinham matado um pouco do rio construindo a barragem que tem aqui na frente da cidade. Quando você vê um desastre desses chegar, você não sabe o que fazer e quer uma solução. A única solução é conseguir com a superestrutura federal e vamos lutar para isso. As fontes de água eu tenho certeza que a gente recupera, mas precisa de uma coerência enorme. Essa foi a sangria do rio, sabe. Essa foi. Na cor da água eu tinha a impressão que via o sangue do rio correndo. Foi a punhalada final e é possível ver o sangue escorrendo.