Rafael Marques: “Cada item que o governo Temer coloca, Lula sobe dois pontos”
Entrevista com Rafael Marques, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista
Valor Econômico, 03/04/2017
Figura emergente no meio sindical e na esquerda, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques combate as duas principais reformas do governo Michel Temer na área social: a emenda da Previdência e a flexibilização das leis trabalhistas. À frente da entidade, onde é um interlocutor frequente do ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva, é um dos articuladores da greve geral que as centrais sindicais tentarão fazer no dia 28. Mas discute teses que, a seu ver, poderiam ajudar a Previdência e melhorar as relações de trabalho. Admite inclusive negociar terceirizações, dentro de um hipótetico acordo coletivo de caráter nacional.
Para ele, a agenda de reformas, da forma como está sendo conduzida, impulsiona uma candidatura presidencial de Lula em 2018. Rafael Marques afirmou que concorda com o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves, quando o tucano afirmou que é necessário “salvar a política” de uma criminalização da atividade em função da Operação Lava-Jato. O sindicalista recebeu o Valor na quinta-feira, antes portanto da divulgação pela revista “Veja” de que Aécio teria recebido recursos no exterior da Odebrecht, conforme o relato vazado de um delator. A seguir, trechos da entrevista:
Valor: Na pauta hoje está a reforma da Previdência, trabalhista e os efeitos da terceirização. São 13,5 milhões de desempregados. O STF proibiu contribuição assistencial, falam em extinguir o imposto sindical. Os sindicatos têm braço enfrentar tudo?
Rafael Marques: É uma blitz, né? Coisa de guerra mesmo. Quando os nazistas ocupavam o leste europeu, França, Holanda, esse era o procedimento: em dois dias, tudo ocupado. É o que estão fazendo no Brasil. Estão com o Estado, um setor do Judiciário, todos muito cobrados pelas organizações patronais. Temer tinha colocado uma cadência: esgotar Previdência, depois colocar a trabalhista, depois tributária. Mas em dezembro muda tudo. Coloca trabalhista já com Previdência. Aí o novo roteiro é: “vamos colocar tudo de uma vez para desorganizar as forças que resistem”. Está sendo muito difícil mesmo. Mas eu acho também que um ataque desse porte está forçando uma unidade que a gente tinha perdido.
Valor: Explique.
Marques: Em 2010 foi a primeira vez que um candidato a presidente teve apoio das seis centrais. Lula não teve isso; Dilma teve, foi inédito. Em 2014, na reeleição, já não existia mais. Então nós estamos recuperando aquilo que em 2010 foi possível. Estamos reagrupando. A reforma trabalhista, que era uma dúvida de alguns, já não é mais. Alguns perguntavam: “Será que é tão danosa assim? Será que não é modernizar?”. Não tem mais essas dúvidas. Fica claro para todos que não é para modernizar.
Valor: O senhor acha mesmo que não precisa de reforma previdenciária nenhuma?
Marques: Não. Precisava consolidar as medidas que foram feitas, como a fórmula 85/95, por exemplo. Quando você abre os números, vê muita medida que poderia ser tomada sem entrar nos itens que estão querendo. Os trabalhadores rurais não dão uma contribuição previdenciária normal. Foi uma escolha da Constituição. Em 2016, deram R$ 6 bilhões de receita, mas R$ 90 bilhões de despesas. O agronegócio corresponde a quanto do PIB? É mais que a indústria, mas paga para à seguridade 1,4% de tudo que é arrecadado. A indústria, 9% do PIB, contribui com 28% da arrecadação da seguridade. O sistema financeiro contribui com 9%, tendo uma participação no PIB mais considerável. A Dilma entrou na desoneração da folha, desonerou empresários da indústria, mas ficou no meio do caminho. Deveria ter feito uma proposta jogando a contribuição previdenciária para o faturamento e aliviar o custo dos encargos trabalhistas conforme o nível de emprego -emprega mais, alivia mais. Faz tempo que nosso sindicato propõe isso. Por que? É porque as montadoras pagavam para a Previdência 5% a 6% do faturamento nos anos 80, quando tinham mais funcionários. Hoje não chega a 1%. A Volks tinha 44 mil trabalhadores, hoje não chega a 11 mil. Ford tinha 14 mil, hoje tem 4 mil. Então tem setores com subtributação, tem setores com hipertributação. Indústria é hipertributada.
Valor: Mas em relação ao texto colocado, o que é possível negociar?
Marques: Com esse governo não dá. Não dá. Não vamos ficar fazendo proposta pontual, isso não. Nós erraríamos na mão. Valor: Por quê? Marques: Do jeito que está sendo feito, não há credibilidade. A gente vê tanta gente defendendo essa reforma com número que não procede. Não tem sentido tentar melhorar coisinha aqui ou acolá.
Valor: A reforma trabalhista tende a avançar e um problema para que o negociado sobre o legislado funcione é o da representatividade dos sindicatos. A preocupação é procedente ou se trata de discurso político?
Marques: Se todos os sindicatos fossem do porte deste, não veríamos a proposta com tanta preocupação. Tanto que nós trabalhamos em 2011 uma proposta que desse condições de uma negociação livre, sem as amarras da legislação, a categorias que tivessem história comprovada de acordos coletivos feitos de forma regular, representação autônoma no local de trabalho e ausência de prática antissindical. As premissas dariam à categoria e às empresas daquela base condições de negociar sem ter de levar todos os artigos da CLT em consideração.
Valor: Que artigos?
Marques: Tem artigos que a gente contesta, como o da hora de almoço. A gente fez acordos de 30 minutos de refeição, mas estão acabando por intervenção do Judiciário. Acordos aprovados por trabalhadores de maneira livre, voto secreto ou aberto. Por que passa? Passa porque [os empregados] querem ganhar os sábados. Faz meia hora de almoço todo dia, não uma hora, e então folga um sábado sim, outro não. É melhor que trabalhar todos os sábados. Mas a CLT nos impede.
Valor: Mas vocês fizeram esse acordo. Quem recorreu à Justiça?
Marques: Acontece o seguinte: trabalhador sai da empresa, se aposenta, vai no advogado por um motivo qualquer para montar uma ação. Aí o advogado pede tudo. Inclusive a meia hora trabalhada no almoço. E ganha na Justiça. Aí começa a subir nos tribunais e os juízes vão se posicionando. O acordo vai desmontando. Não concordo com isso.
Valor: Que outros pontos dá para negociar? Férias?
Marques: Fatiar férias. Não vejo como grande problema, desde que seja uma discussão como essa: submete aos empregados. E tem de ser individual. No setor administrativo, eu sei que tem muita gente que gostaria.
Valor: Vocês falam em contrato coletivo nacional. Não está na proposta de reforma. O que é isso?
Marques: Você poderia pegar o ramo siderúrgico brasileiro, o ramo automotivo, o de petróleo. E aí constrói um acordo nacional básico. Faz bases nacionais de representação sindical, por exemplo, terceirização, que pode ter cláusula nacional. Vai unificando.
Valor: Bancários fazem isso, não?
Marques: Sim, foram os primeiros. E funciona muito bem. Definem as bases nacionais e fazem a negociação com a Febraban, tudo bem articulado. Os salários são nacionais. O Bradesco não tem essa de pagar um salário aqui e outro lá no Rio Grande do Norte. Isso é muito positivo. Então nisso poderia derivar a reforma trabalhista.
Valor: Por que vocês então são contra a reforma trabalhista?
Marques: Porque essa reforma do governo remonta o passado, não o futuro. Há novas tendências no mercado que logo vão estar na nossa cara: indústria 4.0, novas tecnologias. Não tem indústria 4.0 na nossa base ainda, mas já tem máquina 4.0. Isso é um desafio. Nós vamos ter fábricas escuras. Só máquinas e o pessoal do monitoramento. Aqui já tem máquinas assim: trabalha de segunda a sexta com operador; de sábado e domingo você faz uma programação, escolhe uma peça menos complexa, e quando chega na segunda as peças estão prontas. São desafios que vão exigir novos acordos, novas cláusulas, vão impactar na legislação. Quando você dimensiona reforma trabalhista, tem de olhar isso, o futuro, não no passado.
Valor: Na sua opinião, essas propostas de reformas irão impactar na eleição do ano que vem? Como?
Marques: Cada item que o governo Temer coloca, o Lula cresce dois pontos. Terceirização? O Lula sobe dois pontos. Não vai vetar, Lula cresce dois pontos. Ontem eu tive reunião com o presidente da Ford. Inglês, está aqui há sete meses. No final ele perguntou: “Lula vai ser candidato?”. Eu falei: “Dependendo de mim, vai. E vai ser para o Brasil voltar a crescer”. Aí ele olhou e falou: “É. Bom, bom, bom”, e saiu. Não sei se ele acha bom. Mas perguntou. Vejo que tem muita gente com esperança. As multinacionais no Brasil tiveram seu melhor momento no governo dele.
Valor: Você fala assim, mas o PT está com rejeição recorde, acabou de sofrer impeachment e foi massacrado nas eleições municipais.
Marques: Lula e PT são instâncias com certo descolamento aos olhos da opinião pública. O PT é importante para o Lula, o braço, a perna, o alicerce. Mas o Lula se descolou faz tempo. A imagem do Lula está melhorando muito, está voltando a da época de quando era presidente. Há uma saudade, a gente percebe. Não vamos negar que a Dilma não foi o governo que esperávamos. Teve muito erro de condução, aquela ministra poderosa que tinha o Brasil na cabeça não aconteceu. Várias tentativas não deram certo. Tem responsabilidade? O PT tem, o governo Dilma tem. Mas em relação ao Lula, eu acho que está dissociando. Você não percebe em São Paulo com tanta facilidade, mas já percebe em outros Estados, a recuperação é muito forte.
Valor: Tem um aspecto fora do alcance dele ou do partido, que é a decisão judicial que será tomada. Ele é réu. Condenado em segunda instância, está fora da eleição.
Marques: Aí é que está. Um juiz não pode fazer isso e nem um tribunal. Não é assim também.
Valor: Não? Lula mesmo age como se já não contasse com a chance de absolvição pelo juiz Sergio Moro.
Marques: Tem a sociedade, né? Nós temos que obedecer a Justiça. Mas a Justiça…com todo respeito ao Judiciário, mas não dá para um juiz, isoladamente, e depois confirmado no TRF, numa turma, não dá para ele só tirar um líder político, e que mobiliza milhões em torno do que ele representa e do seu pensamento. Eu acho que nós temos que achar uma solução. Tudo tem solução. E a solução está na política.
Valor: Muita gente parece convencida que a política piorou o país.
Marques: Mas não é verdade. A própria Constituição de 1988 e o que seguiu de lá para cá, esses avanços que o Brasil viveu, tudo foi pela via política. E a criminalização da política é muito ruim para o país. Eu não gosto do Aécio [Neves], acho ele…, mas quando ele fala que tem de salvar a política, tem razão. Políticos, não. Não quero salvar políticos, mas tem de salvar a política.
Valor: Você não acredita num cenário com o Lula impedido de participar pelo Judiciário?
Marques: Preocupa, claro.
Valor: Dilma disse que fariam qualquer coisa para impedir vitória do Lula: parlamentarismo, adiar a eleição. Você tem essa avaliação?
Marques: Olha, já disse com militantes. Não dá para achar que é seguro que vai ter eleição em 2018, que vai ter calendário respeitado. Não se respeitou uma presidente devidamente eleita. Não estão respeitando direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores.