Raquel Rolnik: “Como andam nossas metrópoles”
Site Folha de S.Paulo – 19/10/2015
O Ipea acaba de divulgar o Atlas da Vulnerabilidade Social nas Regiões Metropolitanas, uma cartografia da vulnerabilidade social e de sua evolução entre 2000 e 2010, para as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Vitória, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Cuiabá, Distrito Federal, Belém, Fortaleza, Goiânia, Manaus, São Luiz, Natal, Salvador e Recife.
A pesquisa utiliza o Índice da Vulnerabilidade Social (IVS), calculado a partir da média aritmética de indicadores agrupados em três dimensões –infraestrutura urbana; capital humano; renda e trabalho–, definidas a partir de variáveis dos censos do IBGE de 2000 e 2010. O IVS varia de 0,000 a 1,000, sendo que quanto mais próximo de 1, mais alta a vulnerabilidade.
De modo geral, os resultados mostram que em todas as regiões metropolitanas analisadas diminuiu a vulnerabilidade da população na última década. Boa notícia? Em termos. A positiva melhoria geral do IVS pode ocultar informações relevantes para o enfrentamento da vulnerabilidade e da exclusão social, como as persistentes disparidades regionais, e também as diferenças entre o centro e as periferias das próprias metrópoles.
O que mais chama a atenção, porém, é que o que de fato contribuiu para a melhoria sensível do IVS em praticamente todas as regiões metropolitanas analisadas foram as dimensões do capital humano –que inclui indicadores relacionados a educação e saúde– e de renda e trabalho, considerando tanto a insuficiência quanto a insegurança da renda. Por outro lado, a dimensão da infraestrutura urbana – que inclui indicadores relacionados a saneamento básico, coleta de lixo e mobilidade– melhorou muito pouco, em patamares bem inferiores ao verificado nas demais dimensões.
Vejamos o exemplo da Grande São Paulo: na dimensão de infraestrutura urbana, a evolução entre o ano 2000 e 2010 foi apenas de 0,413 para 0,407, o que mantém essa dimensão em um patamar de alta vulnerabilidade. Porém, São Paulo é hoje uma metrópole de baixa vulnerabilidade: seu IVS passou de 0,368 para 0,299 no período, graças a melhorias sensíveis nas demais dimensões.
Esse é o caso de quase todas as metrópoles: a dimensão da infraestrutura urbana está praticamente parada no tempo, ou melhorou muito pouco se comparada com a evolução da renda e com as melhorias em educação e saúde. Não à toa a questão urbana foi um dos principais motivos das manifestações que tomaram conta das grandes cidades brasileiras em 2013.
Isso nos traz dois alertas importantes: o modelo que temos adotado de desenvolvimento urbano não alcança o conjunto da população moradora nas metrópoles. E não se trata apenas de falta de recursos: a década abordada pelo estudo foi justamente um período de crescimento sensível do investimento em infraestrutura urbana. Além disso, as melhorias nas dimensões de capital humano, renda e trabalho mostram que tivemos ganhos expressivos nos níveis de renda, na saúde e na educação, graças à adoção de políticas públicas importantes nessas áreas, nos três níveis de governo.
Mas no atual cenário de crise, o que podemos esperar? Parece que corremos um sério risco de andar para trás se o ajuste fiscal penalizar a população mais vulnerável com cortes de investimentos em políticas públicas, como vem se desenhando.