Reforma trabalhista: Temer quer substituir a proteção dos trabalhadores pelo Estado (CLT) pela tutela do mercado (empresa privada)

17/09/2016 | Direitos do povo

A reforma trabalhista do presidente não eleito, Michel Temer, é o massacre da classe trabalhadora. Falam em “modernizar”, “atualizar”, dar “segurança jurídica” para as empresas. Mas, na verdade, o que querem é rebaixar os salários e as condições de trabalho dos trabalhadores brasileiros. A reforma de Temer propõe: acabar com a CLT, onde o “negociado”, numa falsa e desigual negociação coletiva, se sobrepõe ao “legislado”; a terceirização deixa de ser possível apenas nas atividades meio e poderá ser feita também nas atividades fins das empresas; o acordo coletivo, além de ser por jornada, poderá ser também por produtividade. Estas propostas, além de prejudicarem muito os trabalhadores, levam à falência definitiva da previdência, cuja receita é totalmente vinculada ao emprego e ao salário; e arrebentam também o nosso mercado interno de massas, porque 60% do Produto Interno Bruto – PIB do Brasil é resultado do “consumo das famílias”. 

Veja a seguir neste post uma parte da cartilha sobre a reforma trabalhista do mandato da deputada Marília Campos (PT/MG). Veja o pdf da íntegra da cartilha, com argumentos mais amplos e completos da reforma que, se aprovada, mexerá demais nos direitos dos trabalhadores brasileiros. Marília Campos foi presidenta do Sindicato dos Bancários de BH e Região e uma das fundadoras da CUT e muitos membros de seu mandato, como o economista José Prata Araújo, também participaram do Sindicato dos Bancários e de outros sindicatos mineiros. Por isso, o Mandato da petista tem um grande conhecimento das questões trabalhistas que tratamos neste post e na cartilha completa.  

No liberalismo da República Velha não existiam direitos trabalhistas

Liberalismo foi uma continuidade do escravismo no Brasil. O liberalismo em termos econômicos e sociais não é uma coisa nova no Brasil. Em nosso país, a escravidão foi abolida oficialmente em 1888, mas daquela data até 1930, durante longos 42 anos, vigorou um férreo liberalismo econômico e um privatismo completo nas relações sociais. A propagada “liberdade de trabalho” encobria, na verdade, uma brutal exploração e o desrespeito de direitos humanos básicos. Os gastos públicos não chegavam a 10% do PIB e se destinavam  basicamente à manutenção de uma estrutura mínima do Estado e à garantia da segurança interna. Para Azis Simão, o liberalismo econômico no Brasil, sob certos aspectos, significou a continuidade do escravismo. Diz esse autor: “A primeira interferência do poder público nas relações de produção foi constituída pelos atos referentes à abolição do regime escravista. Nisto, porém, ficou a ação efetiva do Estado nesse plano da vida econômica, não mais tocando, de fato, por longo período, no direito privado de estabelecer regimes de trabalho. Do ponto de vista das gestões econômicas, a diferença entre o braço escravo e o livre representava apenas uma diferença na forma de investimento em mão-de-obra - nunca a negação do direito privado de determinar as condições de locação da força de trabalho. Tal privatismo não foi aqui, portanto, uma consequência da simples adoção de ideias do liberalismo econômico, criadas nas áreas europeias em que originou a sociedade capitalista. Ao contrário, ele apenas ajustou, no processo da vida política, formulações jurídicas do Estado liberal, às normas já elaboradas na experiência econômico-social do período escravista” (Azis Simão, Sindicato e Estado, 1966).

Constituição liberal de 1891 proibia o Estado de legislar sobre trabalho. O privatismo na ordem social tinha bases constitucionais. A primeira Constituição republicana, promulgada em 1891, vedava à União legislar sobre o direito do trabalho, previdência social e saúde. A alegação de nossas elites era de que isso era necessário para garantir a autonomia dos Estados. Na verdade, a chamada “política dos governadores” e suas teses autonomistas disfarçava a resistência da burguesia brasileira em estabelecer normas mínimas de proteção do trabalho. No período de 1888 a 1930, portanto, o que prevaleceu em nosso país foi uma total informalidade no mercado de trabalho. Inexistiam leis trabalhistas e contratos coletivos de trabalho reconhecidos pelo patronato. Nem mesmo o contrato de locação de serviços, previsto no Código Civil, era respeitado. A admissão, as condições de trabalho e a demissão eram acertadas oralmente, não tendo o trabalhador garantia no emprego, aviso prévio e nenhuma indenização mesmo que já tivesse muitos anos no emprego. Eram comuns os atrasos de salários e não se tinha nenhum instrumento legal que obrigasse o patrão a efetuar o pagamento. Uma das maiores reclamações presentes nas resoluções de todos os congressos operários era contra as multas que chegavam a significar até a metade do salário do operário. A jornada de trabalho atingia até 15 horas diárias, e as mulheres e crianças eram submetidas a condições de trabalho particularmente duras. Em praticamente todos os ramos econômicos não havia direito de férias e nem descanso semanal remunerado. Os acidentes de trabalho eram comuns em função das péssimas condições de trabalho a que eram submetidos os operários. Como inexistia saúde e previdência públicas, a situação dos trabalhadores nos momentos mais delicados de suas vidas era desesperadora. Nos casos de doença, invalidez, velhice, maternidade e morte não contavam os trabalhadores com qualquer cobertura previdenciária e de saúde nem do Estado e nem das empresas. Nessas situações ou eles tinham algumas economias pessoais, ou, como acontecia na maioria das vezes, dependiam do apoio de familiares, eram internados em asilos ou simplesmente morriam por falta de atendimento.

Defendemos o sistema misto, com “direitos legislados” e “direitos contratualizados”

Por que defendemos um sistema misto de direitos trabalhistas no Brasil. Temos no Brasil um modelo de relações de trabalho que podemos chamar de misto, que combina os “direitos legislados” em geral inegociáveis (leis e normas trabalhistas) e “direitos contratualizados” passíveis de negociação (acordos e convenções coletivas de trabalho). Nós, que somos da geração que fundou a Central Única dos Trabalhadores – CUT e o Partido dos Trabalhadores – PT, nem sempre defendemos este modelo. Surgimos defendendo o modelo trabalhista europeu, que tem poucas leis, mas que se fundamentava numa sólida contratação coletiva do trabalho. Por uma série de razões que discutiremos a seguir, a CUT e o PT, corretamente, passaram a defender o modelo misto, baseado na defesa da CLT e da legislação complementar e na contratação coletiva com ampla liberdade sindical, especialmente nos locais de trabalho. 

Por que o PT e a CUT passaram a defender o modelo misto trabalhista: leis e contratos de trabalho. Com a passar do tempo, o PT e a CUT, ainda que não ajustando contas formalmente com suas posições passadas, mudaram de posição sobre o modelo trabalhista para o Brasil. De fato, a realidade brasileira deixou clara as impossibilidades de uma transição, pura e simples, para o modelo europeu de relações de trabalho. Nas nossas origens, dávamos mais atenção para a luta de liberdade e autonomia sindical e para a contratação coletiva do trabalho, já que a grande ameaça aos sindicatos provinha do Estado, governado pela ditadura militar. Mais tarde, com a volta da democracia, vimos que ampliou-se um pouco os espaços para uma maior autonomia dos sindicatos e que o grande entrave aos sindicatos passou a ser a empresa privada. Ficou claro que o modelo da Europa possuiu características políticas, econômicas e sociais que não se configuram no Brasil: a) na Europa é elevada a formalização do mundo do trabalho; b) na maioria dos países europeus, a rotatividade no trabalho é muito baixa, devido às garantias contra a demissão imotivada; c) os diversos países do continente são mais homogêneos internamente, o que favorece a consolidação de contratos coletivos nacionais; d) existem sólidas garantias democráticas para os sindicatos, especialmente onde elas são mais necessárias: nos locais de trabalho; e) em países europeus é proibida aos empregadores a formação de “sindicatos fantoches”, e a pluralidade sindical é composta por correntes históricas no Continente – social democratas e comunistas; f) a Europa é formada por países mais coesos socialmente, o que faz com que as disputas entre patrões e empregados sejam mais civilizadas. Por tudo isso que está certa politicamente a esquerda que defende um modelo misto de relações do trabalho, que combine os “direitos legislados” e “direitos contratualizados”, mais adequado às particularidades brasileiras. Para que este modelo seja aperfeiçoado, com mais ênfase na contratação coletiva do trabalho, são pressupostos básicos e inegociáveis: medidas concretas e duras contra a demissão imotivada e a ampla democratização dos locais de trabalho.

Temer quer substituir a proteção dos trabalhadores pelo Estado (CLT) pela tutela do mercado (empresa privada)

Reforma trabalhista suprime a legislação trabalhista e não garante condições mínimas para a contratação do trabalho. A reforma trabalhista do presidente não eleito, Michel Temer, é o massacre da classe trabalhadora. Falam em “modernizar”, “atualizar”, dar “segurança jurídica” para as empresas. Mas, na verdade, o que querem é rebaixar os salários e as condições de trabalho dos trabalhadores brasileiros. Veja a seguir os principais pontos da reforma trabalhista de Temer. 

Se o “negociado” se sobrepõe ao “legislado”, o que temos é o fim da CLT. O modelo trabalhista brasileiro é misto baseado numa ampla legislação constitucional e infraconstitucional e contratação coletiva do trabalho. Neste sistema, o “negociado” só pode ampliar o que é “legislado”, e não reduzir direitos dos trabalhadores. Portanto, a CLT é uma espécie de piso mínimo para os direitos trabalhistas no Brasil. A elite dominante (grandes empresários e grandes grupos de mídia) tergiversa sobre este modelo trabalhista, não assume abertamente a revogação da CLT, mas propõe a sua “flexibilização”, “modernização”, “atualização”, e outras desculpas da mesma natureza. Ora, se o “negociado” se sobrepõe ao “legislado”, o que vai acontecer é, na prática, a supressão da CLT, que permaneceria em vigor, mas sem qualquer utilização prática. Um exemplo: atualmente, a CLT prevê que o horário de almoço é de, no mínimo, uma hora, e os empresários querem substituir por 15 a 30 minutos. Se o “negociado” prevalecer o que irá valer serão estes 15 a 30 minutos de almoço, ficando a CLT como peça decorativa prevendo 1 hora. Portanto, a polarização correta é a continuidade ou a supressão da CLT, sem tergiversações. 

Modelo de contratação coletiva liberal é a flexibilidade ilimitada; contratos por jornada de trabalho ou por produtividade: por empresa, contrato individual ou contrato nenhum. A perversidade do modelo trabalhista liberal não é somente a revogação na prática de toda a legislação trabalhista. A contratação do trabalho que querem implementar é ultraliberal: são contratos por jornada de trabalho ou por produtividade:  apenas por empresa, contratos individuais ou contrato nenhum. Contratos fragmentados sem qualquer liberdade sindical para equilibrar minimamente as disputas entre capital e trabalho. Como veremos mais adiante, o que os ultraliberais querem é suprimir o modelo trabalhista misto brasileiro; não aceitam de forma alguma o modelo contratual europeu; e se fixam no modelo liberal dos Estados Unidos e Japão, e, especialmente, no modelo liberal selvagem dos tigres asiáticos. O ministro Eliseu Padilha afirma que o objetivo da reforma é dar “modernidade às relações de trabalho”. Como exemplo da “modernidade”, ele cita a contratação do trabalho doméstico: “Já fizemos isso na questão da empregada doméstica, criamos uma condição e negociação direta entre patrão e empregado”. Inacreditável! Não aceitamos as “modernas” teses neoliberais, que apenas reciclam velhas práticas da República Velha do século XIX. Ou seja, teses que realizam uma crítica regressiva à CLT, da metade do século XX, oferecendo como alternativa a tutela do mercado sobre o mundo do trabalho e é ainda hoje o modelo adotado pelos tigres asiáticos, que tanto encanta o neoliberalismo.   

Contratos de trabalho por produtividade impostos como “opção”. Como veremos a seguir, o “especialista” da direita na questão trabalhista, José Pastore, professor da USP, defende “a necessidade de se praticar formas de contratação e remuneração mais baseadas nos resultados do que no tempo trabalhado”. O trabalho por produtividade não é algo novo, é uma forma de contratação antiga, ainda praticada por um grande número de profissionais autônomos, que tem remuneração não por hora trabalhada mas pelo produto final ou por procedimento realizado. É óbvio que este tipo de contratação levará a um violento aumento da jornada de trabalho, para que o trabalhador possa entregar o produto ou realizar o procedimento que lhe garanta a remuneração. O ministro do Trabalho já deixou claro que este tipo de contrato poderá possibilitar que o trabalhador possa prestar serviço a mais de uma empresa com jornadas de até 12 horas diárias. Tudo indica que a proposta do governo deverá permitir ao trabalhador a “opção” pela forma de contratação, por jornada de trabalho ou por produtividade. Se isso for aprovado será a mesma farsa em relação ao FGTS: o trabalhador pode “optar” pelo Fundo ou pela estabilidade, que continua prevista na CLT. Assim como no caso do FGTS, não haverá “opção”, mas imposição da empresa pela contratação que ela julgar mais adequada. 

Terceirização deixa de ser possível apenas nas atividades meio e poderá ser feita também nas atividades fins das empresas. O presidente não eleito e golpista, Michel Temer, está anunciando que irá apoiar a conclusão da votação do projeto de terceirização total no Senado para atender aos apenas dos segmentos empresariais. É uma temeridade para os trabalhadores a terceirização para as atividades-fins das empresas. Isso pode levar a uma demissão em massa dos trabalhadores diretos, que serão substituídos por trabalhadores terceirizados com menores salários e menos direitos trabalhistas, sobretudo aqueles previstos nos acordos e convenções coletivas. Defendemos a regulamentação e maiores garantias para os 12 milhões de trabalhadores terceirizados. Mas não aceitamos a terceirização dos 38 milhões de trabalhadores diretos (não terceirizados).

 José Luiz Fiori alerta para a insensatez ultraliberal

Concluímos este estudo com José Luiz Fiori, que afirma que a adoção do programa liberal proposto pelos golpistas é incompatível com a democracia e poderá levar a um enfrentamento e rebelião civil de grandes proporções no país: “No Brasil não faltam - neste momento - os candidatos com as mesmas características e os economistas sempre rápidos em propor, e dispostos a levar até as últimas consequências, o seu projeto de “redução radical do Estado” e, se for possível, de toda atividade política capaz de perturbar a tranquilidade dos seus modelos matemáticos e dos seus cálculos contábeis”. (...) “Neste sentido, não está errado dizer que os dois lados deste mesmo projeto (políticos golpistas e economistas liberais) são cúmplices e compartem a mesma e gigantesca insensatez, ao supor que seu projeto golpista e ultraliberal não encontrará resistência e, no limite, não provocará uma rebelião ou enfrentamento civil, de grandes proporções, como nunca houve antes no Brasil”.

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