Renato Meirelles, do Data Popular: "O radicalismo está matando o futuro do Brasil"
Por Raul Montenegro
IstoÉ – 19/09/2015
Desde que criou o Data Popular, instituto de pesquisa voltado para o universo das classes C, D e E, Renato Meirelles conseguiu antecipar vários fatos que mudaram a face política e econômica do País.
Foi ele, por exemplo, que no início de 2013 acenou que haveria pressão popular para a melhora dos serviços públicos, mote da histórica onda de manifestações de junho. Meirelles também transita com desenvoltura nos meios empresariais e políticos – no ano passado, reuniu em plena campanha presidencial os três principais presidenciáveis para o lançamento de seu livro mais recente, “Um País Chamado Favela”, e se encontrou com os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso.
Na entrevista a seguir, o presidente do Data Popular fala sobre como a população mais pobre está enxergando e vivendo a crise na qual o País está mergulhado.
ISTOÉ - Como as classes C, D e E encaram a crise?
RENATO MEIRELLES - A crise econômica é a grande responsável pelo mau humor do brasileiro com relação a qualquer assunto. A outra é política. Há uma insegurança sobre para onde estamos indo. Isso vem desde 2013, com o total descrédito da população com a classe política. As pessoas acham que a crise política é a relação da presidente Dilma Rousseff com o (presidente da Câmara dos Deputados) Eduardo Cunha, com o (vice-presidente) Michel Temer, com o (senador do PSDB-MG) Aécio Neves, essa picuinha partidária. A crise não é essa. É que a população não enxerga alguém realmente preocupado com ela, mas sim com a briga de poder. A terceira são os problemas relacionados à corrupção. Porque o brasileiro passou a enxergar a corrupção como a raiz de todos os problemas. Todas essas crises são importantes, mas a mais grave é a de perspectiva, é não enxergar luz no fim do túnel. Quando perguntamos nas pesquisas “quando você fala em futuro, qual é a primeira palavra que lhe vem à cabeça?”, você tem dois minutos de silêncio. Os brasileiros estão com dificuldade de pensar o futuro. Eles estão com medo.
ISTOÉ - O brasileiro já não é mais o mesmo?
RENATO MEIRELLES - O Brasil veio de um 2010 otimista, mas a economia foi desacelerando e esse processo mudou o humor das pessoas. Em 2012 aconteceu o último grande aumento do salário mínimo. O que fez o Brasil crescer não foi o Bolsa Família, foi a geração de emprego formal somado a uma política pública de aumento real do salário mínimo. Como também dobrou o número de universitários no País, passamos a ter um cidadão mais exigente com relação aos serviços públicos. Isso e a repressão violenta da polícia culminaram com as manifestações de 2013. O que levou um monte de gente para a rua foi o fato de as pessoas estarem pensando o seguinte: “A vida não está boa e vocês vêm me dar uma porrada? Não venha me proibir de reclamar.”
ISTOÉ -O humor do brasileiro melhorará caso a crise política se resolva, mas a economia continue ruim?
RENATO MEIRELLES - Não existe nenhuma possibilidade de resolução da crise política sem resolução da crise econômica. Se a economia não estiver boa vai ter um monte de gente insatisfeita. E a oposição vai continuar tentando usar isso para desgastar o governo – portanto, a crise política continua. Não quer dizer que, se a economia estiver bem, a política vai se resolver, mas o contrário é impossível.
ISTOÉ - As classes baixas estão insatisfeitas com o governo?
RENATO MEIRELLES - É um erro considerar os quase 80% de insatisfeitos com o governo como se fossem a mesma pessoa. Eles não pensam da mesma forma. Entre os brasileiros, 36% são oposicionistas e 44% estão decepcionados. O que os une é que todos estão infelizes com a situação do Brasil. O que os separa é a visão do estado. Boa parte dos 36% é contra o Bolsa Família, o Prouni e o Fies. Mas tambem temos 44% dos brasileiros que na prática não estão satisfeitos com o governo, mas defendem um estado de bem estar social. Quando o organizador da manifestação começa a chamar o cara do Bolsa Família de vagabundo, ele afasta esses 44%, que também estão insatisfeitos. E quando o governista diz que o outro lado é coxinha, esses 44% se sentem ofendidos. O radicalismo de quem defende o governo é tão ruim para fazer com que o brasileiro veja a luz no fim do túnel quanto o radicalismo da oposição. Ele está acabando com o bom senso na busca de soluções, está emburrecendo o debate. O radicalismo está matando o futuro do Brasil.
ISTOÉ - A presidente Dilma provavelmente tem números parecidos com os seus. O governo está fazendo uma leitura errada dos dados?
RENATO MEIRELLES - O desafio da gestão cotidiana faz com que boa parte dos governantes perca a conexão com o Brasil da dona Maria. O PSDB chamou para as passeatas e o PT chamou para as passeatas. Veja o cenário: o brasileiro está insatisfeito e não confia em nenhum político. Aí um protesto para demonstrar isso passa a ter um partido tentando capitalizar? O governo tem dificuldade de entender os números, mas a oposição também tem.
ISTOÉ -Qual é o maior erro do governo Dilma hoje?
RENATO MEIRELLES - Faltou explicar ao brasileiro que ela não mudou o projeto de país que defende. Faltou explicar a necessidade do ajuste fiscal. E se colocou nas costas do ajuste fiscal todos os outros ajustes que estão sendo feitos. Alguém imagina por que um país que vivia o pleno emprego batia recorde de seguro-desemprego? Só tem uma explicação: fraude. E, em vez de denunciar a fraude, ela foi colocado na conta do ajuste fiscal.
ISTOÉ - Como a rejeição de Dilma chegou a este ponto?
RENATO MEIRELLES - Pela ausência de sinalização para a população de qual Brasil surgiu depois das eleições. Tivemos um pleito radicalizado em que a grande crise já era a de perspectiva. Dilma passou muito tempo sem dar entrevistas, sem nenhuma notícia boa e sem indicar caminhos para mostrar para onde o Brasil estava indo. A situação econômica foi piorando e isso desgastou a imagem da presidente.
ISTOÉ - O fato de os jovens não conhecerem o Brasil pré-PT criará um abismo geracional entre a classe baixa mais velha e a classe baixa mais nova?
RENATO MEIRELLES -Sim, isso já acontece. Por que não faz sentido para a população brasileira a comparação entre a gestão de Fernando Henrique Cardoso e a de Dilma? Porque metade dos eleitores da última eleição não viveram os quatro anos do último mandato de FHC. Os eleitores mais novos da classe C nunca passaram fome na vida. Esta foi e eleição em que a classe C mais se dividiu, com os mais velhos votando na Dilma e os mais novos se dividindo entre Aécio, anulação e abstenção. Se o PT quiser se reeleger, o desafio é como falar do futuro. O partido hoje fala que está erradicando a pobreza e ajudando os mais pobres, mas 81% dos brasileiros se identificam como classe média. Não estou falando que eles são, mas que eles se veem assim. Esse cara fala “pobre não sou eu, então não estão resolvendo a minha vida”. A esquerda acha que todo mundo associa redução da miséria com igualdade de oportunidades. Mas redução da miséria fala para o passado e igualdade de oportunidades fala para o futuro. Para a dona Maria isso não é automático. Ao mesmo tempo, o brasileiro não vê mérito em ganhar uma corrida de 100m saindo 50m na frente. O discurso da igualdade de oportunidades será a plataforma do próximo presidente da República, não tenho dúvida nenhuma disso. Se ele vai vir do PSDB, do PT ou de outro partido é uma história diferente.
ISTOÉ -Os políticos se comunicam com o jovem brasileiro?
RENATO MEIRELLES -Os políticos brasileiros são analógicos e o novo eleitor é digital. O político brasileiro está acostumado a falar, não a ouvir. A lógica digital é a lógica de querer ser protagonista, de quem tira selfie na manifestação. Eu quero ouvir, mas eu também quero ser ouvido. Os políticos são da época da televisão. A TV era uma janela para o mundo, a única forma de as pessoas saberem o que está acontecendo lá fora. A internet é uma vitrine para o mundo. Os políticos não entendem isso.
ISTOÉ -Na cabeça do brasileiro, qual é a diferença entre a manifestação de 2013 e as que estão acontecendo agora?
RENATO MEIRELLES -Quando eu pergunto “qual é a última manifestação que teve o povo na rua?”, a resposta é “2013”. Ninguém da classe C se lembra das manifestações deste ano. Primeiro, parece ter a ver com o fato de elas serem no final de semana. Segundo, as manifestações de 2013 tinham uma demografia mais próxima do que é a realidade do brasileiro. A de 2015 é mais forte entre as classes A e B. Terceiro, porque em 2015 são manifestações em que o foco está na disputa de poder, enquanto em 2013 o objetivo era a melhora dos serviços públicos. Uma fala para o universo político e a outra fala para a sociedade.
ISTOÉ - Se as classes C, D e E pudessem resumir o que eles pensam sobre as manifestações de 2015 em uma frase, qual seria?
RENATO MEIRELLES -Eu estou tão indignado quanto as pessoas que estão na rua, mas eu não acredito que elas vão resolver os meus problemas.
ISTOÉ - Como unir o Brasil?
RENATO MEIRELLES - A mudança do discurso é fundamental. Parte considerável dos brasileiros acha que o Bolsa Família não ensina a pescar. E por outro lado os governistas gritam que quem diz isso é coxinha. Esse lado é o do dissenso. Mas e o lado do consenso? Um dos poucos itens que tem quase a unanimidade da opinião pública brasileira é a defesa da educação como a única forma de o Brasil melhorar.
ISTOÉ - O senhor vê possibilidade de melhora?
RENATO MEIRELLES - Eu estou otimista. Uma coisa que mudou no País é a capacidade de o brasileiro acreditar nele mesmo. É esse brasileiro que vai tirar a gente da crise. Ainda vai piorar um pouco, mas a gente não chega no segundo semestre do ano que vem sem começar a melhorar.