Resenha política 2. Experiência internacional mostra ressentimentos e insatisfações depois de períodos de inclusão social
Muito tem se falado sobre a crise que o Brasil atravessa. É uma crise política? É uma crise econômica? Ou é uma crise política e econômica, que se realimentam mutuamente? Até agora, a interpretação que nos parece mais convincente é de que a crise é essencialmente política, mas seu principal adubo, digamos assim, é a crise da economia. Ou seja, no passado recente, os altos índices de crescimento da economia possibilitou uma enorme inclusão social na América Latina, mas o fim do ciclo das commodities interrompeu o processo distributivo. É isto que explica porque as crises políticas atingem variados governos da América do Sul, como Brasil, Argentina, Venezuela, Chile e praticamente todos os demais governos.
A explosão dos ressentimentos e insatisfações
Luís Nassif, no artigo “O governo Dilma e o fantasma da besta” afirmou: “O ponto central que explica esse explosão está presente na história em todos grandes períodos de inclusão. Foi assim primeira revolução industrial, na urbanização europeia dos anos 1920, trazendo consigo o integralismo italiano, o nazismo alemão e seus arremedos em várias partes do mundo; na explosão do mercado de massa norte-americano, nos idos de 1850; na primeira consolidação da onda migratória brasileira, nos anos 1920; no avanço da classe operária industrial brasileira nos anos 1950 e 1960, no macarthismo norte-americano e na KKK nos anos 1960”.
Nassif continua: “A expansão econômica abre espaço para a urbanização e para a criação de uma nova classe operária ou de incluídos. Nessa fase, o crescimento permite repartir os frutos por todos os setores, amainando os conflitos de classe e contendo os preconceitos. Quando à frente do processo estão políticos de fôlego – Mandela ou Lula – a fase de inclusão se dá com menos conflitos”.(...) “Quando esgota-se o ciclo de crescimento, frustram-se as expectativas de melhoria individual e afloram todos os preconceitos e frustrações, tanto dos velhos quanto dos novos incluídos, ambos irmanados na falta de perspectivas”.
Luís Nassif conclui: “No caso brasileiro, sobre esse caldeirão fumegante veio o circo de horrores da Lava Jato, pela primeira vez expondo em sua plenitude as vísceras dos sistemas de financiamento de campanha e da corrupção política, o presidencialismo de coalizão em estado de putrefação. E, na sequencia, as restrições de uma política fiscal dura, enfiada a seco goela abaixo do eleitor, para corrigir os excessos do período anterior”.(...) “E aí tem-se o terreno adubado para aparecer a Besta, o sentimento irracional e generalizado que comanda as grandes manifestações de massa, sem liderança, sem controle, tendo em comum apenas o ódio contra qualquer alvo móvel, o afloramento de insatisfações pessoais, profissionais, políticas de cada um, embora comportando-se como massa”.
As particularidades da crise política no Brasil
Além da interrupção do processo de inclusão social, temos no Brasil outros elementos que explicam o agravamento da crise política. A Operação Lava Jato atingiu em cheio a base de sustentação do governo Dilma no Congresso Nacional, e, ainda que os partidos mais atingidos sejam o PP e o PMDB, tem sido massacrante a criminalização do PT. Tendo a frente o deputado Eduardo Cunha, fortemente atingido pela Operação Lava Jato, a Câmara dos Deputados se transformou em um território conflagrado e em um grande foco da crise política com as suas “pautas bomba”.
Se conduzida com base em uma linha de investigação não seletiva, a Operação Lava Jato poderia ser um importante passo na redução expressiva da corrupção em nosso país. Não é isso o que vem acontecendo, como afirma corretamente o cientista político Cláudio Couto: “No fim das contas, a maior parte das pessoas faz julgamentos morais sobre os outros de acordo com as suas preferências. Então, a corrupção dos meus desafetos políticos é grave. A corrupção dos meus preferidos é aceitável. Isso, de alguma maneira, os diferentes grupos políticos fazem. Essa intolerância contra a corrupção do PT tem, como contraparte, a tolerância que esses mesmos grupos tinham em relação ao Maluf ou a certos governos tucanos. Ao abraçar Cunha como aliado, esses grupos partem daquela velha premissa: ‘O inimigo do meu inimigo é meu amigo’. A bandeira anticorrupção, portanto, passa a ter importância secundária”.
Dilma contribuiu com a crise política ao romper com seus compromissos de campanha. A petista fez a campanha mais polarizada e politizada desde 1989, quando Lula enfrentou Fernando Collor. A maioria esmagadora dos brasileiros, cerca de 75%, queria mudança. Para romper com a polarização continuidade X mudança, Dilma apostou, de forma vitoriosa, na polarização esquerda X direita. Como disse Paulo Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, às vésperas do segundo turno: “Agora Aécio e aliados vão dizer que é mudança versus continuidade. Mas não é. Agora é esquerda versus direita. Ou centro-esquerda versus centro-direita. Com Marina no segundo turno, se poderia levar razoavelmente a sério a hipótese da mudança. Mas com Aécio, não. O Aécio real, o de Armínio Fraga, tem um programa econômico que é uma réplica do thatcherismo dos anos 1980. Thatcher, para quem não lembra, foi a real inspiração de FHC – a começar pela fé cega em que privatizações e desregulamentações eram a receita sagrada para dinamizar uma economia. Enxergar com clareza a oposição entre direita e esquerda vai ajudar muita gente indecisa a tomar uma posição, quer para um lado ou para outro. Nunca, nos embates entre PT e PSDB, foi tão nítida a diferença entre as visões de mundo que os comandam”. Dilma, ao não sustentar na presidência os seus compromissos de campanha, se afastou radicalmente de seu eleitorado, formado por 54 milhões de brasileiros mais pobres ou da chamada Classe C.
Na economia a situação também é desafiadora. A inflação está bastante pressionada. Depois de 11 anos de bons resultados da política fiscal, o déficit público atingiu, de fato, patamar preocupante. As contas externas apresentam déficit em conta corrente muito elevado. A economia entrou em recessão e o desemprego aumentou de forma acentuada. A política econômica de Dilma, liderada por Joaquim Levy e Alexandre Tombini, agravou ainda mais a crise econômica. Temos atualmente uma combinação de fatores negativos ao crescimento econômico: juros de 14,25% ao ano, o que projeta 9% de juros reais; ajuste fiscal com corte de despesas e aumento dos impostos; Operação Lava Jato atingiu em cheio dois dos setores líderes da economia brasileira, representados pela Petrobras (petróleo e gás) e grandes empreiteiras (responsáveis pelas grandes obras de infraestrutura); crise hídrica, que aumentou demais os preços da energia elétrica e da água; desaceleração da China, economia que é vital para o crescimento dos países emergentes.
Com todos estes ingredientes nos planos social, econômico e político, a aprovação da presidenta desabou para menos de 10%, o que a fragilizou para enfrentar os enormes desafios políticos que estão colocados. Para complicar ainda mais a situação nosso presidencialismo de coalizão, com a fragmentação política, dificulta a tarefa de enfrentamento da crise política. Em outros países, onde existe sistema proporcional de lista fechada (que concordamos) ou o voto distrital (que discordamos), o presidencialismo é mais favorável ao enfrentamento de crises políticas. Isto porque o partido ou as frentes políticas que sustentam o presidente(a) tem maioria na representação parlamentar. Estes são os casos do Chile, onde a presidenta Michele Bachelet, tem 71% de desaprovação popular, e da Argentina, onde Cristina Kirchner só recentemente aumentou bastante a sua aprovação. No Brasil, o partido do presidente não chega a 20% da representação, o que o coloca em grande dependência do centro político. O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, sintetiza a crise atual: a esquerda perdeu a capacidade de liderar o centro.
É muito difícil a situação da esquerda brasileira. Mas isso não significa o fim dos governos de esquerda em nosso país, como afirma a direita. Por diversas razões: a) temos um legado de conquistas de nossos governos, que são as mais expressivas do Brasil republicano; b) temos no Brasil movimentos sociais e segmentos expressivos da sociedade que não irão permitir o golpe e se baterão fortemente contra os retrocessos econômicos e sociais; c) Dilma tem tempo para superar a crise política e retomar o crescimento da economia; d) temos a principal liderança política deste país, o ex-presidente Lula, que consideramos favorito para a eleição presidencial de 2018; e) a oposição não tem propostas para avançar o Brasil, e seus planos inconfessos, é uma espécie de “desmanche” do embrionário “Estado do Bem Estar Social” que temos no Brasil, além da privatização de nosso patrimônio público; f) a população, tudo indica, prefere o nosso projeto, ainda que ele enfrente enormes desafios, do que voltar ao neoliberalismo da década de 1990, e este foi um recado na Argentina que derrotou nas primárias presidenciais, o candidato da direita e deu maioria a Daniel Scioli, de centro-esquerda.
Até a próxima sexta feira com mais uma resenha política. Um bom final de semana para todos.