Resenha política – 3. O Plano Levy/Tombini abriu uma cratera nas finanças do governo
Na resenha desta semana, apresentamos um resumo das dificuldades econômicas enfrentadas pelo Brasil. Nosso país não vai quebrar por falta de dólares, como aconteceu três vezes no governo FHC, pois hoje temos US$ 370 bilhões para enfrentar crises cambiais de grande magnitude. Verdade que parte das dificuldades, sobretudo na política fiscal, foi herdada do final do primeiro governo Dilma. Mas eram dificuldades contornáveis. O que agravou a situação foi o Plano Levy/Tombini, que derrubou as receitas públicas e disparou as despesas financeiras com o brutal aumento da taxa de juros.
Governos do PT e aliados avançaram em desafios históricos do País
Nos governos do PT e dos partidos aliados, o crescimento da economia teve um conteúdo que marcará a história brasileira. Diversos impasses históricos, que minaram o crescimento da economia no passado, foram enfrentados de forma séria. Primeiro: o Brasil cresceu com uma forte redução da vulnerabilidade externa, que no passado quebrou o nosso país diversas vezes, com a constituição de um volume de reservas internacionais de US$ 370 bilhões. Segundo: o Brasil cresceu distribuindo renda, colocando um fim na tese de que “o bolo tem que crescer primeiro para ser distribuído”, com a retirada de 43 milhões de brasileiros da pobreza e incorporação de 40 milhões de brasileiros à chamada “nova classe média”. Terceiro: o Brasil cresceu com o controle da inflação, não voltou a hiperinflação como previram a mídia e a oposição, sendo que os índices médios de inflação de 5,79% de Lula e 6,17% de Dilma, ainda que precisam ser reduzidos, são os menores dos últimos 50 anos na série histórica divulgada pelo IPEA. Quarto: o Brasil cresceu nos governos do PT com um processo histórico de forte desendividamento, sendo que a dívida total líquida (dívida bruta menos os ativos do governo) recuou de 60% para 34% do PIB. Quinto: não se pode esquecer que o Brasil cresceu aprofundando a sua democracia, ao contrário do passado onde crescemos muito mas com regimes ditatoriais e autoritários.
As medidas anticíclicas não surtiram efeitos a partir de 2012
Por volta de 2012, aconteceu uma forte redução do preço das chamadas commodities, que foram responsáveis, em grande medida, pelo boom econômico do Brasil de 2003 a 2011. Para tentar manter o crescimento da economia, a presidenta Dilma aprofundou as políticas anticíclicas. Dilma implementou políticas que eram reclamadas por lideranças empresariais há anos: como a redução da taxa de juros; a melhoria do câmbio para favorecer as exportações; a desoneração tributária; e a redução do preço da energia elétrica. Estas medidas não tiveram o efeito desejado, os investimentos não voltaram, pelo contrário, desabaram -4,4% em 2014, a economia parou de crescer e a situação fiscal se agravou profundamente.
Por que os empresários não investiram depois que Dilma adotou medidas historicamente cobradas pela indústria? O jornal Valor Econômico, estampou manchete no dia 07-10-2013: “Dilma agirá para abrandar a desconfiança dos empresários”. O jornal explica o mau humor dos empresários: “O Palácio do Planalto avalia que cometeu dois erros de cálculo. Um foi imaginar que a queda de 525 pontos da taxa de juros entre agosto de 2011 e março deste ano - período em que a Selic saiu de 12,5% para 7,25% ao ano - implicaria em um enorme incentivo ao investimento privado. Outro foi abrir mão de mais de R$ 70 bilhões em receitas para conceder desonerações de tributos, comprometendo a meta fiscal, para colher um aumento do investimento que não veio. (...) "Foi uma ilusão do governo", comentou uma fonte da presidência da República, explicando que ambas as medidas eram demandas que a presidente colheu junto aos próprios empresários nas reuniões que manteve com eles no ano passado. (...) Ao contrário do que pensava o governo, segundo essa mesma fonte, o que ocorreu foi uma queda do lucro financeiro das empresas, pela redução dos juros, e a recuperação de margem de lucro com a desoneração. Agora Dilma quer retomar, sob novas bases, a interlocução com o setor privado vislumbrando, também, um eventual segundo mandato”.
Segundo mandato de Dilma iniciou com indicadores ruins
Muitos dos indicadores econômicos e sociais, que tiveram melhorias históricas nos primeiros 11 anos dos governos Lula e Dilma enfrentaram mudanças para pior já no final do primeiro mandato da presidenta Dilma. A vulnerabilidade externa da economia aumentou com o balanço de transações correntes apresentando déficit próximo de 4% do PIB, devido, principalmente, à forte desaceleração de nossas exportações. A inflação está muito pressionada ainda que tenha ficado abaixo do limite superior da meta. As contas públicas apresentam déficit nominal elevado, devido à desaceleração da economia, ao aumento expressivo da taxa de juros, a Selic e o aumento dos custos dos US$ 103 bilhões de títulos cambiais emitidos pelo Banco Central para evitar a disparada do dólar. Sem o crescimento da economia e das receitas públicas, o governo teve dificuldade de sustentar as políticas de distribuição de renda e de geração de empregos.
Em função deste quadro instável, Dilma optou por um receituário econômico ortodoxo, com a entrega do Ministério da Fazenda a Joaquim Levy vinculado ao mercado financeiro. Numa tempestade quase perfeita, a economia brasileira caminha para uma recessão de -3%, a pior dos últimos 22 anos. O Plano Levy/Tombini, ao invés de um remédio virou um veneno que aprofundou a crise econômica, com enormes sacrifícios para a população e ainda não entregou o prometido: a estabilização das contas do governo e a manutenção do chamado “grau de investimento” para o Brasil.
Os desafios da presidenta Dilma são enormes. O Brasil, como os demais emergentes, sofre com a desaceleração da economia da China, que é o destino de grande parte de nossas commodities, como o minério de ferro, café, soja, etc. Assim, mesmo em um cenário mais favorável do câmbio não se pode esperar uma contribuição decisiva do setor externo na recuperação da economia brasileira. A Operação Lava Jato retira pelo menos 1% do crescimento do PIB brasileiro e atinge duramente dois segmentos que poderiam encabeçar a recuperação interna de nossa economia: o setor de petróleo e gás (Petrobras) e o setor de logística e infraestrutura (grandes construtoras). O Brasil vive ainda uma estiagem severa, que impacta fortemente no preço da energia elétrica e da água, agravando muito a inflação.
Foi neste cenário mais que preocupante que a política econômica de Joaquim Levy e Alexandre Tombini teve um efeito devastador. Os juros tiveram uma overdose e chegaram a 14,5% ao ano, o que indica juros reais acima da inflação de 9%, na tentativa de reduzir, em um único ano, inflação de 9,5% para 4,5%. Já o ajuste fiscal tem realizado um violento corte de despesas do governo e retornando com alguns impostos. Estas duas medidas, empurraram a economia para uma violenta recessão, o desemprego cresceu muito, a renda diminuiu e o consumo das famílias desabou. As medidas também não ajudaram o ajuste fiscal, já que as receitas desabaram e as despesas com juros explodiram e, com isso, o déficit público se ampliou e a dívida pública bruta disparou.
Professor de Dilma previu recessão de -3,0%
No dia 03 de maio, João Manuel Cardoso de Melo, ex-professor de Dilma Rousseff criticou duramente a política econômica de sua ex-aluna coordenada pelo ministro Levy: “Isso entra na cabeça de alguém? Ele dá um choque de câmbio, um choque de custos, faz corte de gastos. Vai produzir uma recessão brutal. Está produzindo. Está tudo parado. Há preocupação com a perda do grau de investimento. E daí? É uma chantagem do mercado financeiro dos bancos, que dizem que precisa fazer um ajuste. Algum ajuste precisava fazer, mas não nessa violência. O governo cedeu à chantagem do mercado financeiro com a ameaça da perda o grau de investimento”. (...) “As demissões ainda não começaram porque existem os acordos coletivos. Em maio e junho vai começar a demissão em massa. O desemprego vai para 10%, 12% este ano [está em 7,4%]. E vai rápido. A alta dos juros está paralisando a construção civil residencial. Não tem investimento em construção pesada, está se desmontando a cadeia de óleo e gás, a indústria continua encolhendo. Isso vai pegando os serviços. A manicure vai quebrar. Aqui perto tem uma rua de restaurantes. Só ali, três quebraram nos últimos 20 dias. De onde vem a recuperação? Não sei de onde. Das concessões? Os filés aeroportos, estradas já foram feitos. Sobrou a carne de pescoço. Vão colocar dinheiro a 30 anos?”.
O economista João Manuel defendeu uma política mais gradual. Afirmou ele: “Defendo um ajuste mais moderado. Não precisa fazer uma barbaridade dessas. Isso vai jogar o negócio a -3% este ano. A popularidade vai cair ainda mais, vai chegar a 7% de aprovação”. No início do mês de maio, o governo e o mercado financeiro previam uma recessão suave próxima de -1,0%. Passados cinco meses, confirmou-se o pior cenário: a recessão deverá ficar próxima de -3,0% e a popularidade de Dilma baixou para um digito.
Plano Levy/Tombini foi além do exigido pelo mercado financeiro
É constrangedor para um governo de esquerda que sua política econômica vá além das exigências do mercado financeiro. Até alguns meses atrás os questionamentos ao Plano Levy/Tombini eram expressas, de forma aberta, pelo jornal Valor Econômico, porta voz do grande capital, especialmente do capital financeiro.
No dia 16 de julho, este jornal estampou uma manchete de capa: “Juros reais de 9% ao ano são veneno”. O jornal deu voz a um dos “especialistas” do mercado financeiro, que o juro de equilíbrio seria a metade do praticado pelo Banco Central: “Com o IPCA projetado em 5,44% (em média) para 2016, o juro real brasileiro já está em 9% ao ano, nível que representa o dobro do juro real de equilíbrio da economia neste momento. O economista Alexandre Póvoa, presidente da Canepa Brasil, observa que esse nível "pode representar veneno em uma economia que já passa por enormes dificuldades". (...) “Póvoa afirma que a postura agressiva no aumento da Selic é interpretada como o avesso da política de 2011, quando o BC, ao prever uma "hecatombe recessiva" na economia mundial, que acabou não confirmada, deu um cavalo de pau na política monetária e baixou o juro até 7,22% ao ano, o que teve levado custo para o país. Hoje, no afã de recuperar a credibilidade, a postura é a oposta e são visíveis as consequências, uma delas a "trajetória explosiva do juro real", afirma Póvoa”.
Na primeira quinzena de junho, o Valor Econômico publicou uma entrevista de uma página com Carlos Kawal, economista do Banco Safra com fortes questionamentos ao Plano Levy/Tombini, que afirmou “que política monetária já é contracionista e desafio agora é crescer”. Disse o economista: “A política monetária já deu sua contribuição para a retomada da confiança na economia, o Banco Central já reconquistou a credibilidade e, agora, o desafio que se coloca é retomar o crescimento. Para o ex-secretário do Tesouro Nacional e atual economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, a contração da atividade é tão intensa que coloca em xeque o cumprimento das metas fiscais do governo - e, consequentemente, traz de volta o risco de um "downgrade" por agências de classificação de risco.(...) "O que me preocupa é que temos, do lado da equação fiscal, uma dificuldade adicional que é o crescimento mais fraco que pode, no limite, inviabilizar o cumprimento da meta", diz. (...) “Kawall lembra, comparativamente a outros períodos de crise, que a dificuldade atual de restaurar o crescimento é maior”.(...) "Este ano, estamos falando na maior queda do PIB desde o Plano Collor", afirma o economista. Isso por causa do choque de demanda provocado pela Operação Lava-Jato e efeitos na cadeia da Petrobras, que tira mais de um ponto percentual do PIB; do câmbio, que está em um terreno bem menos expansionista do que já esteve nos ajustes anteriores; dos ajustes fiscal e parafiscal em curso; e também da política monetária, que ele diz ser contracionista”.
Valor Econômico: “Fracasso do ajuste exige nova estratégia”
No dia 19 de agosto, Cristiano Romero, editor executivo do jornal Valor Econômico cravou que o Plano Levy/Tombini fracassou e exige uma nova estratégia”. Disse ele, que a recessão profunda inviabilizou o ajuste fiscal: “A equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, formulou um plano para tirar o Brasil do atoleiro, inspirado nas experiências de 1999 e 2003. Nos três casos, tirar do atoleiro significa reequilibrar as contas públicas e controlar a inflação, de forma a resgatar a confiança de consumidores e empresários, fator crucial para a recuperação da economia. Levy e seus comandados não contavam, porém, com um fato perturbador: a atividade econômica está tão fraca, mas tão fraca, que a arrecadação de tributos federais está claudicante e inviabilizando, por essa razão, o ajuste fiscal”.
Para o articulista do jornal Valor Econômico, a queda das receitas aconteceu de forma mais grave do que se estimava porque nosso sistema tributário é pró-cíclico, ou seja, cresce muito com a economia vai bem e desaba quando a economia vai mal. Disse ele: “Graças ao peso de tributos incidentes sobre o faturamento das empresas, o sistema tributário brasileiro tem um forte viés pró-cíclico. Independentemente da geração de lucros, a receita desses tributos cai ou aumenta de acordo com o ciclo econômico”.(...) “De qualquer forma, uma coisa é certa: o ajuste fiscal proposto, embora tenha méritos, não funcionou como elemento de reconquista da credibilidade perdida. Sem confiança, os empresários não voltarão a investir e os consumidores, a tirar dinheiro do bolso. Nesse ambiente, quando o país voltará a crescer? As expectativas captadas pelo boletim Focus, do Banco Central, já preveem recessão também em 2016”.(...) “O Brasil parece preso, neste momento, a um ciclo vicioso. Está sem rumo. O ideal seria o governo mudar a estratégia antes que seja tarde demais”.
Mercado financeiro reunificou o discurso e dá ultimato a Dilma
Os empresários e a mídia deram todo o apoio ao Plano Levy/Tombini, que fracassou como reconheceu o jornal Valor Econômico. Mas a ordem agora, dada em voz uníssona pelas elites, é aprofundar o arrocho. Ou melhor, é implementar no Brasil todo o receituário neoliberal. Armínio Fraga, em artigo que publicamos em outro post, propõe: na previdência, a desvinculação do salário mínimo dos benefícios previdenciários, a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres; na área trabalhista propõe a retomada do projeto tucano, que acaba com a CLT, onde o negociado se sobrepõe ao legislado e o fim da estabilidade dos servidores públicos; nos serviços públicos, propõe o fim de todas as vinculações e adoção do Orçamento base zero; revisão do capítulo econômico da Constituição, visando criar um marco constitucional para privatizar todas as estatais.
O jornal Folha de S.Paulo, em editorial golpista no dia 13 de setembro, dá um ultimato a Dilma: “É imprescindível conter o aumento da dívida pública e a degradação econômica. Cortes nos gastos terão de ser feitos com radicalidade sem precedentes, sob pena de que se tornem realidade pesadelos ainda piores, como o fantasma da inflação descontrolada”.(...) “A contenção de despesas deve se concentrar em benefícios perdulários da Previdência, cujas regras estão em descompasso não só com a conjuntura mas também com a evolução demográfica nacional. Deve mirar ainda subsídios a setores específicos da economia e desembolsos para parte dos programas sociais”.(...) “As circunstâncias dramáticas também demandam uma desobrigação parcial e temporária de gastos compulsórios em saúde e educação, que se acompanharia de criteriosa revisão desses dispêndios no futuro”.(...) “Além de adotar iniciativas de fácil legibilidade, como a simbólica redução de ministérios e dos cargos comissionados, devem-se providenciar mecanismos legais que resultem em efetivo controle das despesas –incluindo salários para o funcionalismo–, condicionando sua expansão ao crescimento do PIB”.
Não existe outra alternativa para Dilma que rejeitar este ultimato da direita. As medidas até agora encaminhadas já lhes tiraram quase toda a aprovação popular. Aceitar esta barbárie neoliberal significa um isolamento total de sua base social e, ao mesmo tempo, não terá a compreensão das elites que continuarão tramando o encerramento de seu governo.