Sérgio Nobre: “O governo se move para um liberalismo absurdo e infantil”
Novo presidente da CUT diz que reforma pode ser um desastre se criar pequenos sindicatos
O presidente da CUT, Sergio Nobre, no Vale do Anhangabaú durante os preparativos do 1º de maio deste ano - Roberto Parizotti/Divulgação
Publicado na Folha de São Paulo, no dia 30 de Outubro de 2019 | Por Bruna Narcizo*
O novo presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Sérgio Nobre, 56, decidiu ser sindicalista ao ver um discurso de Luiz Inácio Lula da Silva em 1980.
“Tinha 14 anos e havia acabado de entrar na Scania, como jovem aprendiz. Já conhecia ele da televisão e teve uma assembleia.”, diz.
“Ele disse: ‘Você não consegue fazer isso se não pertencer a uma organização. Tem que pertencer a um sindicato ou a um partido. A organização é tão importante quanto a escola’. Aquilo lá mudou a minha vida”, afirma.
Como Lula, Nobre também presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Ele foi eleito em 2008 e reeleito em 2011.
À frente da CUT, que é a maior central sindical do país e a quinta do mundo, ele enfrenta um momento em que o governo de Jair Bolsonaro coloca o sindicalismo em xeque.
“O governo está propondo mexer [na estrutura sindical], mas é o pior momento para fazer isso. O tema tem que ser a geração de emprego e [a preocupação com] a volta da inclusão do Brasil no mapa da pobreza”, diz Nobre.
Qual a sua expectativa para o mandato à frente da CUT?
Será difícil porque estamos num momento de recessão, com 30 milhões de desempregados e subempregados, e a tendência é esse número é crescer. Na minha avaliação, a economia não deve crescer nesses próximos quatro anos de maneira significativa.
O governo Bolsonaro, com a política econômica do [ministro da Economia] Paulo Guedes, se move para um liberalismo absurdo e infantil.
Querem tornar privatizável todas as empresas. Vão vender Petrobras, entregar minerais, água, tudo. Se isso acontecer, o Brasil vai virar um caso de estudo no mundo. Porque um país só toma a riqueza do outro quando entra em guerra e ganha. Nós estamos entregando. É uma coisa inimaginável.
Não sou estatista. Vivi nos anos 1990 aquela onda liberal, que parecia uma doença, o governo decidiu abrir a economia da noite para o dia. É claro que precisava abrir, estimular a concorrência, mas tinha que ser uma coisa gradativa para não quebrar a indústria.
Os sindicatos estão passando por um processo de reinvenção. O que precisa mudar?
Quando a CUT nasceu, em 1983, já falávamos que tínhamos herdado o modelo de Getúlio Vargas, que o país tinha mudado muito e nossa estrutura, pouco. Algumas coisas mudaram, mas não foi o suficiente. Precisamos criar sindicatos mais amplos.
Isso não é o oposto do que o governo propõe?
Se a proposta for a criação de pequenos sindicatos vai ser um desastre. Imagina num mundo globalizado o sindicato dos comerciários do botequinho? Não tem o menor sentido. Tem empresário tacanho, que quer montar sindicato com funcionário de confiança, para fazer acordos que interessam para ele.
A falta de união entre os sindicatos não enfraquece o movimento nesse momento?
Temos nossas diferenças históricas e é importante que tenha outras visões, mas na hora da defesa dos trabalhadores tem que ter unidade. A única diferença que tem entre as centrais é a visão de qual seria a estrutura sindical ideal. O governo quer que você monte um sindicato por empresa, inspirado no modelo chileno. Aliás, o Chile é um belo exemplo. Fizeram tudo o que o Paulo Guedes quer fazer aqui. E o povo foi para a rua.
Mas o atual modelo não sufoca o micro e pequeno empresário?
Micro e pequenas empresas têm uma relação de trabalho diferente das grandes, que têm departamento de Recursos Humanos. Nesse caso, tem que ter um sindicato para regular as relações. Agora, pequenas empresas, não. Isso, de fato precisa ser repensado.
Nosso sistema tem problemas e esse é um deles, mas não podemos adotar um modelo ruim. A greve dos caminhoneiros mostrou bem. Não tinha liderança nacional, cada caminhoneiro era um sindicato.
O que o governo propõe que vocês concordam?
Não conhecemos a proposta. Eles foram lá [em reunião com centrais] dizer que estão estudando. Em qualquer lugar do mundo, quando mexe na estrutura sin-dical ou no modelo de negociação, isso é feito com empresa e trabalhador. O governo está fazendo sem ambos.
E o grave é que não é só a coisa do fim da unicidade [que impede a criação de mais de um sindicato por categoria em uma cidade, estado ou região]. Por exemplo, na metalurgia, equipamentos que são perigosos, que decepam a mão, tem toda uma regulamentação e é nisso que eles vão mexer. São essas normas que eles vão rever, dizendo que as empresas não podem cumprir.
Mas para as micro e pequenas empresas muitas normas inviabilizam a operação. Quando vejo dono de restaurante com dez funcionários reclamar, dizer que o custo é pesado, que tem normas que não consegue cumprir, eu consigo entender. Agora, Mercedes-Benz, Shell… Aí não dá! O governo não está chamando os sindicatos e dizendo: ‘há um determinado segmento que tem muita dificuldade, vamos pensar numa política?’ De fato o cara da loja de sapato com três ou quatro funcionários não pode ter a mesma regulação de uma empresa que tem 15 mil ou 20 mil.
Esse é um assunto importante, mas não é assim que ele [governo] tá vindo. É como a reforma trabalhista, quando você tem 30 milhões de desempregados, qualquer tipo de emprego vale. Mas não pode ser a sua estratégia gerar esse tipo de emprego.
O embrião dessa reforma aprovada pelo governo Temer, que defendia que o acordo coletivo poderia superar a lei, foi levado por vocês em 2011, certo?
Defendíamos que o acordo pode superar a lei, desde que seja favorável. E colocaram lá que o negociado vale sobre o legislado. Não era isso que a gente queria. Introduziram outros temas. Mexer em normas de segurança, por exemplo, é inaceitável, acabar com sistema de financiamento do sistema sindical sem colocar nada no lugar, também.
O senhor participou do jantar em 2012 na casa do empreiteiro Marcelo Odebrecht que virou relatório da Polícia Federal na Lava Jato?
Sim. Sou conselheiro do Instituto Lula e ele fazia uma reunião com empresários para avaliar a situação política. Estava o Abilio Diniz, os presidentes dos bancos Itaú e Bradesco, tava o Eike Batista. Ali já tinha uma preocupação com a economia e as receitas para sair da crise. Falei que precisava injetar renda nos trabalhadores. Tentar crédito mais barato. A pessoa compra uma geladeira e paga três. É muito mais racional produzir três e ganhar nas três. Agora, vai convencer os banqueiros?
O senhor visitou o Lula na prisão?
O Lula é para o metalúrgico o que o papa é para os católicos. Ele me perguntou se eu tinha consciência do que estava assumindo. Mas o momento difícil é de oportunidade. Quando ele se tornou um grande líder, em 1978, o regime era de opressão. Isso criou o ambiente para grandes mobilizações, que retomaram a democracia e fizeram o país avançar.
*Bruna Narcizo é repórter da Folha de São Paulo