Sociólogos italianos: “Luta para ser o melhor ‘rouba’ a felicidade”
Sociólogos italianos defendem em estudo que pressão pela excelência não faz bem às pessoas: aquelas que buscam ser medianas são mais felizes
Desprendimento. Ainda na faculdade, Juliana já aprendeu a se desvencilhar das pressões sociais
Raquel Sodré
Jornal O Tempo – 11/09/2016
Não basta ser bom, tem que ser excelente. A “regra” está presente nos discursos que mostram trajetórias de sucesso nas novelas, nas revistas e nas propagandas. É tão falada, que a maioria das pessoas acaba acreditando. Mas essa busca incansável pela excelência pode ser fonte de sofrimento, ansiedade, estresse e até depressão. Foi essa dinâmica que levou os sociólogos italianos Gloria Origgi e Diego Gambetta a levantarem a hipótese de que, talvez, o caminho para a felicidade more, não na excelência, mas na mediocridade. Entenda-se por medíocre, neste caso, a raiz dessa palavra de origem latina: mediano, o que está entre o bom e o mau, entre o grande e o pequeno, sem qualquer caráter pejorativo.
“Às vezes, toda essa retórica sobre eficiência é simplesmente insuportável. Às vezes, as pessoas gostam de poder relaxar”, declarou Gloria em uma entrevista à BBC. Para ela e seu colega Gambetta, não raro essa “economia” nas ações é uma forma de reação à tirania da excelência. Muitas pessoas, segundo eles, conspiram de forma mais ou menos consciente para alcançar o menor resultado possível – enquanto outras se encaixam no perfil naturalmente.
Esse é o princípio do que eles batizaram de “kakonomia”. “Kakos”, em grego, significa “ruim” ou “mau”. Ou seja, eles elaboraram uma “ciência da mediocridade”. A pesquisa foi feita levando em consideração a realidade acadêmica da Itália, mas alguns correspondentes podem ser encontrados por aqui também.
A estudante Luísa Ribeiro, 17, foi “vítima” da kakonomia. Ela, que mora em uma cidade do interior onde o pai tem uma carreira política, se sente sempre muito cobrada. “As pessoas acham que eu tenho a obrigação de ser super ‘certinha’, ir bem na escola, nunca tirar uma nota baixa”, reclama.
Toda essa expectativa sobre ela teve seu preço. Quando terminou o ensino fundamental, ela fez a prova de seleção para cursar o ensino médio em uma escola federal. “Eu havia estudado o ano inteiro, estava preparada. Mas, na hora da prova, fiquei ansiosa, sentia que tinha a obrigação de passar, e isso me atrapalhou muito. Acabei não passando, e me sentia como se tivesse decepcionado todo mundo”, lembra. Ela cursou o primeiro ano do ensino médio em outra escola e repetiu a prova para o instituto federal. Com menos pressão, foi aprovada.
A verdade, porém, é que não existe uma fórmula única que aponte o caminho definitivo da felicidade. Segundo a professora Delba Barros, coordenadora do programa de orientação profissional da UFMG, cada pessoa terá a sua própria “fórmula”, desenvolvida de acordo com seus critérios pessoais.
“Não há nenhum problema se a pessoa quiser terminar o pós-doutorado antes dos 30 anos, desejar morar em uma casa maior, ter um carro mais novo, desde que essa seja uma escolha dela, e que ela não se ache melhor que os outros por conta disso. Para fugir da tirania da excelência, a pessoa precisa ter consciência de que precisa definir parâmetros próprios, metas para a vida e também ter disponibilidade para fazer planejamentos fora da expectativa social, se essa for a sua vontade”, recomenda a psicóloga.
Objetivos. A veterinária Júlia Gomes, 31, busca incansavelmente se qualificar cada vez mais. “Sempre acho pouco o que eu estou fazendo. Sempre procuro me capacitar e agarrar todas as possibilidades de aprendizado para abrir meu leque para um futuro emprego. Almejo fazer concurso para ser professora adjunta em uma universidade pública. Na época dos meus pais, as exigências para isso eram muito menores. Agora, a pressão sobre a nossa geração é enorme”. Bem perto do fim de seu doutorado, ela já é professora substituta na UFMG, mas ainda quer prestar o concurso nessa mesma universidade ou em outra.
De acordo com o psicólogo Gustavo Teixeira, mestre em análise do comportamento, a cobrança pela excelência sempre existiu, mas ficou mais forte nas últimas décadas. “As pessoas estão cada vez com um acesso maior à educação, e o mercado ficou mais exigente e mais selecionista. Isso se junta à idealização que as pessoas têm de como sua vida deve ser, e o sofrimento por conta desse ideal se exacerba”, diz.
Nessa idealização, as redes sociais têm papel central. “As pessoas postam ali seus melhores momentos. As redes sociais vendem a ilusão de que todo mundo está super feliz, é amado, tem relacionamentos maravilhosos, foi muito bem sucedido em suas dietas. Mas, às vezes, nenhuma daquelas fotos corresponde totalmente à realidade daquelas pessoas”, diz. Essa tirania da excelência, para ele, é um sistema cruel, já que só existe um “primeiro lugar” e, obviamente, nem todos irão ocupá-lo. “Se você pensar em uma empresa, só há um CEO, não existem três, quatro. Então, só uma pessoa vai ser CEO de cada vez”, aponta. Mas muita gente fica brigando pelo posto e acaba se frustrando.