Tereza Cruvinel: “Lula alinhava programa: reservas serão usadas para investimento”

13/12/2017 | Política

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Brasil 247 – 10/12/2017

O discurso de Lula aos intelectuais e produtores culturais com quem se reuniu neste sábado no Rio foi resumido pela mídia numa frase: “Moro é do mal”. Muito mais, porém, disse o ex-presidente sobre sua caminhada para voltar à presidência da República, apontando inclusive algumas linhas de seu programa de governo, que segundo ele será elaborado com a participação e colaboração de vários segmentos sociais.  “Vamos falar ao coração das pessoas, vamos falar à alma das pessoas. Eu vou descobrir o ponto G da vontade dos brasileiros para consertarmos este país”.  Uma das linhas de ação apontada foi o uso de uma parte das reservas cambiais brasileiras – que hoje somam US$ 370 bilhões – para que o Estado possa retomar sua capacidade de investir. Outra novidade veio na afirmação de que, além de distribuir renda, é preciso acrescentar a distribuição de riqueza.

Confira algumas partes da fala de Lula.

Por que ser candidato novamente?  -  Lula recordou que, em seu segundo mandato, a bancada do PT chegou a defender a aprovação de uma emenda, do deputado Devanir, permitindo que ele disputasse um terceiro mandato.  “Eu não quis porque não acredito em democracia  que tem alguém imprecindível ou insubstituível”.  Apoiou Dilma e se recusou a dizer-lhe, como alguns queriam, que ela teria um mandato tampão,  porque ele iria voltar em 2014. “Tenho a consciência tranquila de que agi corretamente com ela”, disse acrescentando. “Eis que, este jovem que vos fala, não acha que tem 72 anos de idade mas sim, 30. Foi a desgraça que aconteceu a este país que  me convenceu. Até agora não entendi tudo o que aconteceu, desde aquelas manifestações de 2013.  O golpe não começou em 2015, começou a ser tramado muito antes.  Muita gente achava que a Globo estava sendo solidária com o pessoal do Passe Livre.  Então a Globo resolve até tirar a novela do ar para transmitir manifestações. Gente, a Globo não tirou novela do ar nem quando o Roberto Marinho morreu!  Ali começava um  movimento para questionar o governo. Nós subestimamos o fato de que a burguesia não tolera ver o povo da senzala subindo um degrau. Então, era preciso dar um golpe”.

Diferentemente de outros golpes, disse Lula, o de 2016 foi feito com uso de uma anestesia forte, tais como as usadas em grandes cirurgias.   “Eles anestesiaram o povo brasileiro e a gente até hoje não acordou desta anestesia. Levará tempo para que os trabalhadores entendam, por exemplo, os efeitos da reforma trabalhista”.

Lava Jato e condenações –  O combate à corrupção foi um dos ingredientes da anestesia disse Lula, passando a contar seus entreveros com a Lava Jato. Inicialmente ele achava que a Policia Federal, quando começasse a investigar as denúncias, veria que não tinham procedência e interromperiam os inquéritos. Mas eles continuaram. “Então passei a acreditar que os procuradores, esta aristocracia que governa o Brasil, aqueles meninos tão preparados,  quando examinassem os processos pediriam arquivamento,  mas as denúncias foram feitas”.  Referindo-se ao power point do procurador Dellagnoll, lembrou ter ele dito que o PT foi criado para atuar como organização criminosa, chegar ao poder e roubar. “ Só ele pode acreditar numa asneira destas.  Só pode acreditar nisso quem sofre de uma demência incurável. Por fim, disse acreditar que Sergio Moro, ao julgá-lo, iria querer passar à História como juiz justo e imparcial, e iria absolvê-lo.  Foi aí que disse:  “ Mas, ele é do mal, bicho. Ele aceitou.  Levei 83 testemunhas  de defesa.  As que levaram, de acusação, também me absolveram. O apartamento  não é meu. Eles sabem que não é meu mas mesmo assim ele me condenou a 9 anos e meio de cadeia e a pagar uma multa de 16 milhões. Faz três anos, gente, não são 3 dias, que leio todo dia. “Agora vão prender o Lula”.  Eu não tenho mais nenhuma razão para acreditar que vivemos num Estado de Direito”.  E mais adiante, voltando ao assunto:  “Eu não tenho medo deles. Tenho honra e vou provar minha inocência.  Quero fazer uma  campanha sem tocar nestes assuntos.  Não quero ser candidato para ficar discutindo o  Moro mas os problemas do país,  que precisa voltar a funcionar, que precisa voltar a crescer”.

Para consertar o Brasil – Nesta parte, Lula esboça algumas das linhas de seu programa de governo para consertar o Brasil, caso volte à Presidência:

“Não e difícil consertar o pais. Tenho uma máxima.  A melhor política econômica que você pode fazer para o país crescer  é incluindo o pobre na economia.  Foi isso o que fizemos e é isso que precisa ser feito.  Estão fazendo tudo isso, cortando investimentos e vendendo o patrimônio nacional com o argumento de que a dívida pública está muito alta, aproximando-se de 70% do PIB. Então, o negócio é aumentar o PIB. É fazer investimentos. Por que não pegar uma parte das reservas, transformar em reais e começar a investir? O Estado tem que ser o indutor do crescimento.  Foi o que fizemos a partir da crise de 2008. Aumentamos as obras do PAC, pegamos R$ 100 bilhões do compulsório e colocamos no BNDES para garantir investimentos, para evitar que a economia parasse e viesse a recessão.  O que não dá é para fazer o que estão fazendo. Vendendo tudo o que pais tem. Eles querem vender tudo.  Daqui a pouco não teremos nem dinheiro nem patrimônio. Esta é a coisa mais lesiva que estão fazendo.”

Mais adiante, ao falar da necessidade de inovar no programa de governo, apontou outra linha de ação que ultrapassa a natureza conciliadora de seus governos anteriores.

“Vamos falar em distribuição de renda mas agora vamos usar  uma palavra a mais: Distribuição de riqueza. A renda vem do salário, e cresce quando os salários crescem. Mas é preciso também redistribuir a riqueza, que está na terra, na moradia, nas riquezas nacionais que estão entregando”.

Não avançou mais sobre o tema mas é uma novidade.

O tom da campanha – Lula deu algumas pistas sobre como pretende conduzir a campanha desta vez, ao dizer à plateia.  “Quero fazer um convite a vocês. Lembram quando eu disse que sou uma metamorfose ambulante?  Pois é, gosto muito de ouvir, gosto de aprender, estou com a orelha caída de tanto ouvir.  Nós precisamos apresentar uma proposta nova para este país. Eu quero ouvir todo mundo, sobre todas questões. Vamos voltar a nos reunir  para discutir sobre cultura,  educação, pesquisa, ciência e tecnologia,  sobre tudo.  Vamos juntar todo mundo e formular.   Vamos tentar fazer as coisas de um modo diferente. Se ganharmos, vamos executar. Temos de propor coisas que sejam compreendidas pelo povo. Já ouvi dizer que intelectuais, com vocês, são 100% razão. Eu digo que todo ser humano é 30% razão e 70% emoção. Precisamos falar ao coração das pessoas. Elas vão entender. Vamos falar à alma das pessoas.  Eu vou encontrar o ponto G da vontade do povo brasileiro para mudarmos este país”.

O mercado – Lula repetiu o que já disse sobre a resistência do mercado a sua candidatura. “Estou ouvindo a velha conversa de que o mercado está com medo do Lula. E será que estão acreditando no Bolsonaro?  Eu não conheço o mercado. Não sou candidato do mercado, ele que se adapte”.

Desafio de governar – Lula começou sua fala aos intelectuais lembrando que “política não se aprende na universidade. É algo que você faz com as forças que tem, no momento que tem”.  Que o ideal, em política, é ganhar a presidência, fazer maioria na Câmara e no Senado. Infelizmente, mas isso não acontece. E aí, para governar, é preciso ter maioria nas duas Casas, e para isso é preciso fazer alianças programáticas.

Lembrou que as alianças erradas costumam cobrar um preço, e aqui deu uma estocada em Dilma, afirmando que em 2014 era contra manter a aliança com o PMDB. Seu empenho vinha sendo para manter a aliança com o PSB de Eduardo Campos, que seria o vice, e agora poderia estar sendo candidato a presidente com apoio do PT.  Deu no que deu, disse ele, por conta de vários problemas pelos quais muitos são responsáveis.

Mandou um recado também para os que cobram um programa mais à esquerda desta vez.  “Este negócio de esquerda e direita, se for necessário ser esquerdista, posso ser mais do que muita gente. Agora, não sou burro. Não sou principista. Se quiser ser principista, melhor não entrar na politica. Quando você está fora, você diz “eu acredito”, “eu penso”, “eu acho” etc. Agora, quando você está lá dentro, tem que escolher. Ou você faz ou não faz.

Por fim,  falou sobre a situação enfrentada pelo Rio de Janeiro, de sua vontade de ajudar o Rio a se reerguer, terminando com a defesa da candidatura do ex-chanceler Celso Amorim a governador, que estava presente e foi aplaudido, mas não chegou a se declarar como tal.

Tereza Cruvinel é jornalista de política.