Thomas Piketty: “Nacionalismo e xenofobia são a resposta mais fácil diante das desigualdades”

06/07/2016 | Política

Autor de ‘O Capital no Século XXI’ analisa o ‘Brexit’ e os problemas da União Europeia

EL PAÍS Brasil – 05/07/2016

Depois de vender em três anos 2,5 milhões de exemplares de seu livro O Capital no Século XXI, Thomas Piketty (Clichy, 1971) tem recusado os constantes convites que recebe para participar da vida política ativamente. Nesta entrevista, realizada no prédio frio e insosso da Escola de Economia de Paris, onde ele atua como diretor de Estudos, este especialista em desigualdades afirma a cinco jornalistas de veículos de comunicação europeus que a xenofobia e o nacionalismo rondam a Europa e estão na origem do Brexit. A chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente da França, François Hollande, segundo ele, deveriam se apoiar no Syriza, no PSOE e no Podemos, partido em que, como ela conta no início da conversa, votou a sua esposa, Julia Cagé, nascida em Metz (França), mas que tem dupla nacionalidade (francesa e espanhola).

Pergunta. O Brexit representaria a chegada da catástrofe sobre a qual o senhor fez um alerta durante a crise grega?

Resposta. Faz tempo que a Europa vinha brincando com fogo, especialmente na zona do euro. A crise de 2008, a mais grave desde a II Guerra Mundial, foi mal gerida. Empenhamo-nos em diminuir o déficit rapidamente demais, e acabamos com a recuperação, com o crescimento.

P. A Inglaterra não sofreu diretamente por causa desse erro, já que está fora da zona do euro.

R. A Europa fracassou e criou inúmeras tensões. Paradoxalmente, a Inglaterra se saiu melhor da crise, mas as políticas antissociais de David Cameron reacenderam os ressentimentos das classes populares, o que levou a uma reação irracional baseada na xenofobia e no nacionalismo.

P. Como sair desse imbróglio?

R. Parece que ninguém tinha se preparado para o Brexit. Temos a sensação de que, passada uma semana, todo mundo ainda navega sem instrumentos. Apesar de tudo, é preciso reconstituir a esperança de poder construir algo novo a partir desse desastre. Um desastre para as gerações mais novas, que irão sofrerão por muito tempo as consequências de uma opção feita pelos mais velhos.

P. Como avalia a resposta dada pela União Europeia (UE) ao Brexit?

R. Foi totalmente insuficiente. E restam assuntos pendentes de grande importância. Os custos gerados pelo sigilo bancário suíço e, depois, pelos paraísos fiscais da Coroa britânica e a falta de transparência da City são consideráveis. Se isso não for tratado, o populismo crescerá ainda mais. Tenho medo de ver como falta coragem aos líderes europeus.

P. E como deveria a mudança na zona do euro?

R. Defendo um sistema bicameral: um Parlamento eleito diretamente pela população e outro que represente os Estados-nação, com parlamentares do Bundestag, da Assembleia francesa etc. O sistema atual não funciona, e nunca irá funcionar. No Parlamento que eu proponho, poderiam ocorrer alianças estratégicas, coalizões ideológicas...

P. São os líderes políticos, e não só britânicos, os responsáveis pelo Brexit?

R. Sim, sim. E não apenas os britânicos. A França não fez nada em favor dos países do sul porque, com taxas de juros a zero... melhor não mudar. Claro que a atitude da Alemanha foi deplorável e completamente irracional. Esmagando a atividade econômica do sul, os credores alemães não irão conseguir fazer com que seus empréstimos sejam pagos. Há uma vontade de punição que denota fartas doses de nacionalismo.

P. Por que o senhor se opõe à política de austeridade?

R. Porque ela não funciona. A Alemanha é um país que nunca pagou a sua dívida. Por isso, é paradoxal ver a Alemanha exigindo que a Grécia devolva até o último centavo de euro. A Europa foi construída com base na anistia das dívidas, para que as novas gerações não pagassem pelos erros de seus antepassados.

P. O que o senhor propõe em nível internacional?

R. O capitalismo precisa ser regulamentado. Precisamos de instituições democráticas fortes para conter a tendência à desigualdade, para controlar o poder dos mercados, do capital, a serviço do interesse de todos. É um equívoco acreditar que se pode chegar a isso de forma natural. Há uma espécie de fé exagerada na auto-regulamentação dos mercados. Em 1914, durante a primeira globalização, ocorreu uma sacralização do livre mercado e da propriedade privada, a qual acabou gerando fortes desigualdades, tensões sociais, aumento do nacionalismo e que contribuiu, de alguma maneira, para a eclosão da I Guerra Mundial.

P. Mais recentemente surgiu o dumping social, fiscal, financeiro...

R. Isso mesmo. E se não houver nenhuma resposta capaz de deter essas desigualdades, a resposta mais fácil são a xenofobia e o nacionalismo. É assim que aparecem dirigentes políticos como Donald Trump, Boris Johnson ou Marine Le Pen. São pessoas bastante privilegiadas financeira e socialmente cuja única estratégia consiste em dizer às classes populares brancas que seus inimigos são as classes populares mexicanas, negras. Com isso, elas desviam a atenção das desigualdades econômicas para dirigi-la às desigualdades de identidade, culturais, religiosas.

P. Se crescem os movimentos xenófobos, também se reforça uma esquerda radical, como o Syriza ou o Podemos...

R. Eu faço um apelo a Hollande a Merkel, no sentido de que se apoiem no Syriza, no Podemos, no PSOE... nesses partidos de esquerda mais ou menos radicais. Claro, Alexis Tsipras não é perfeito, Pablo Iglesias não é perfeito; tampouco os seus programas o são. Há imperfeições naquilo que dizem. Não têm experiência no poder. Mas são bem menos perigosos do que os nacionalistas poloneses, britânicos, húngaros...

P. O senhor acompanhou de perto as eleições na Espanha?

R. Sim, sim. A situação, agora, é quase ingovernável. Alimentou-se o medo em relação ao Podemos, humilhou-se o Syriza, humilhou-se a Grécia, exigindo que faça privatizações totalmente irracionais para vender as empresas estatais a custo de banana para os gregos ricos, aliados dos banqueiros alemães ou franceses. E isso foi feito para amedrontar os eleitores de países como a Espanha. O importante é que uma mudança na Espanha pode dar origem a uma mudança na zona do euro. França, Itália e Espanha reúnem 50% da população da zona do euro. A Alemanha, 27%. A posição da Espanha, a favor ou contra a austeridade, é capaz de desequilibrar a balança.

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