Três leis que os liberais detestam e que nós defendemos: previdência (1923), CLT (1943) e Petrobras (1953)
Seria melhor que a oposição liberal, mais do que criticar o governo do PT, dissesse ao país o que pretende fazer se chegar ao governo federal. A única bandeira “popular” que dispõe a oposição é o combate seletivo à corrupção. Suas bandeiras econômicas e sociais são um abismo em relação à população mais pobre do Brasil. Por isso, nas manifestações de ruas não se veem pobres, negros e jovens. Nós, do mandato da deputada Marília Campos (PT/MG), temos feito um enorme esforço para ampliar o debate programático em Minas e no Brasil, pois consideramos que só assim poderemos esclarecer a sociedade sobre o que está em disputa nas áreas econômica, social e política. Mas do que a crítica reativa, temos que pressionar as forças políticas a exporem de forma clara o que propõem para o futuro do Brasil. Tratamos neste post de três leis: previdência pública (criada em 1923), CLT (1943) e Petrobras (1953). Para se entender um pouco da “utopia liberal”, na expressão de José Luiz Fiori, temos que discutir, de forma breve, um pouco de história.
A Constituição liberal de 1891 não previu os direitos sociais
O liberalismo, em termos econômicos e sociais, não é uma coisa nova no Brasil. Em nosso país, a escravidão foi abolida oficialmente em 1888. Daquela data até 1930, durante longos 42 anos, vigorou um férreo liberalismo econômico e um privatismo completo nas relações sociais. Esse privatismo na ordem social tinha bases constitucionais. A primeira Constituição republicana, promulgada em 1891, não tinha menção aos direitos sociais e vedava à União legislar sobre o direito do trabalho, previdência social, saúde e educação.
Questão social para o liberalismo era questão de polícia. Para Azis Simão, o liberalismo no Brasil foi a continuação do escravismo: “Do ponto de vista das gestões econômicas, a diferença entre o braço escravo e o livre representava apenas uma diferença na forma de investimento em mão-de-obra - nunca a negação do direito privado de determinar as condições de locação da força de trabalho. Tal privatismo não foi aqui, portanto, uma consequência da simples adoção de ideias do liberalismo econômico, criadas nas áreas europeias em que originou a sociedade capitalista. Ao contrário, ele apenas ajustou, no processo da vida política, formulações jurídicas do Estado liberal, às normas já elaboradas na experiência econômico-social do período escravista” (Sindicato e Estado, Dominus Editora, 1966). Foi o presidente Washington Luiz que, em 1920, sintetizou e tornou célebre o tratamento liberal à questão social na chamada República Velha: “A questão social é uma questão de polícia”.
Ceder os anéis para não perder os dedos. No Brasil, assim como em todo o mundo, as reformas, como a introdução da Previdência Social e da legislação trabalhista, tiveram um caráter contraditório: foram resultado da pressão dos trabalhadores, através de suas mobilizações e greves, e foram “aceitas” pelas elites conservadoras, majoritárias nos Parlamentos e nos Executivos, como forma de estabilizar a ordem capitalista. O historiador inglês Eric Hobsbawn resumiu, com notável precisão, o papel da revolução russa e a origem contraditória das reformas sociais no século 20: “Uma das ironias deste estranho século é que o resultado mais duradouro da Revolução de Outubro, cujo objetivo era a derrubada global do capitalismo, foi salvar o seu antagonista, tanto na guerra quanto na paz, fornecendo-lhe o incentivo – o medo – para reformar-se após a Segunda Guerra Mundial e, ao estabelecer a popularidade do planejamento econômico, oferecendo-lhe alguns procedimentos para sua reforma” (A era dos extremos, Companhia das Letras).
Liberais querem os anéis de volta. Vimos no item anterior o caráter contraditório das reformas sociais, fruto que foram da pressão das classes trabalhadoras e da sua “aceitação” pela burguesia, temerosas que os conflitos derrubassem o capitalismo. Quem não se lembra do lema da Revolução de 30, na expressão do mineiro Antônio Carlos: “Façamos a revolução antes que o povo a faça”. Ou de uns dos lemas mais famosos das elites brasileiras: “Ceder os anéis para não perder os dedos”. Pois bem, o retorno do neoliberalismo se explica pela mudança radical na situação política no final do século 20, com a forte crise do socialismo, que culminou com o fim dos regimes autoritários do leste europeu, com a derrubada do muro de Berlim e com a dissolução da União Soviética. Sem o medo de um sistema concorrente e alternativo, com a esquerda dividida e enfraquecida, o capitalismo ficou sozinho em cena, e os capitalistas, além de “não cederem os dedos”, sentiram-se encorajados a exigir “a devolução dos anéis”. É a revanche liberal depois de 100 anos de conquistas sociais, que se se expressa no Brasil em propostas de reformas liberais radicais na previdência com a sua privatização; de supressão da CLT através de falsas negociações coletivas; e da privatização da Petrobras.
Liberais defendem a privatização da previdência (criada em 1923)
Ronald Reagan e Margaret Thatcher levaram a fama de terem reintroduzido o liberalismo na agenda política mundial, batizado de neoliberalismo. Na verdade, o grande precursor do neoliberalismo foi o ditador chileno Augusto Pinochet que, no início da década de 1990, assessorado por economistas formados nos Estados Unidos, privatizou estatais, a educação superior e todo o sistema de proteção social (previdência e saúde). São características do modelo chileno de privatização da seguridade social, que se espalhou por outros países da América Latina: a) somente os trabalhadores custeiam a previdência e a saúde, deixando a proteção social por conta e risco de cada trabalhador isoladamente, o que nã o é praticado nem mesmo no liberal Estados Unidos; b) previdência e saúde são programas privados, mas compulsórios, onde a capacidade tributária, que deveria ser exclusividade do Estado, foi estendida ao setor privado. É algo parecido com o seguro Dpvat no Brasil: privado e obrigatório; c) o monumental passivo da privatização da previdência foi estatizado (estoque de aposentadorias e pensões já concedidas e devolução das contribuições dos trabalhadores ainda em atividade efetuadas ao sistema público de previdência). Portanto, é errado se achar que as reformas liberais na previdência visam apenas reformar o sistema público, criado em 1923, a meta é a sua privatização. A privatização é consenso entre os liberais. O que tem impossibilitado a adoção desta proposta no Brasil é o seu custo fiscal: de R$ 16 trilhões, sendo R$ 12 trilhões (INSS); R$ 2,3 trilhões (União) e R$ 2,2 trilhões (Estados e municípios).
Liberais lutam há 73 anos pelo fim da CLT (Lei de 1943)
FHC não conseguiu aprovar seu projeto mais amplo de remeter para a negociação coletiva (ou imposição coletiva?) todos os direitos trabalhistas. Seu projeto mais ambicioso era a derrubada de todos os direitos trabalhistas com uma emenda à Constituição com breves quatro palavras. No artigo 7º da Constituição, onde está escrito “São direitos dos trabalhadores” seria acrescentada a expressão: “passíveis de negociação coletiva”. Como o quórum para se aprovar uma Emenda Constitucional é muito alto, decidiu-se avançar a revogação da legislação trabalhista pela modificação da CLT, que, por ser lei ordinária, exige um quórum bem mais baixo. Assim, o governo FHC remeteu ao Congresso um projeto de lei curto e anti-trabalhador mudando o artigo 618 da CLT, que previa o seguinte: “Na ausência de convenção ou acordo coletivos firmados por manifestação expressa da vontade das partes e observadas as demais disposições do Título VI desta Consolidação, a lei regulará as condições de Trabalho”. É este projeto que os liberais defendem. Hoje, a CLT é o piso mínimo dos direitos trabalhistas, os acordos coletivos só podem ampliar os direitos nela contida. Se aprovado o projeto liberal, a CLT vai virar uma peça de museu porque o “negociado” vai suplantar o “legislado”. Mas é evidente que, como os direitos trabalhistas estão minunciosamente previstos na Constituição, o objetivo será mesmo mudar o artigo 7º com o descrevemos anteriormente.
A luta incansável dos liberais contra a Petrobras (Lei de 1953)
O Conselho Nacional do Petróleo (CNP) iniciou, em 1938, o trabalho de estruturação da exploração de petróleo no Brasil. Nesse contexto é elaborado, em 1948, o Estatuto do Petróleo, cujo objetivo era regularizar a questão da exploração petrolífera considerando a concorrência no ramo, visto que a comissão que elaborou esse projeto de lei não acreditava na possibilidade de o estado conseguir manter sozinha a exploração do petróleo. Os nacionalistas entram em ação ao lançar um movimento popular que teve a frase “O petróleo é nosso” como slogan. Como resultado, anos depois, pela Lei n.º 2004/1954 é criada a Petrobras. Em 1997, porém, pela Lei n.º 9.478, de 6 de agosto, a Petrobras deixa de deter o monopólio do setor petroleiro do Brasil, mantendo, porém, o seu lugar de maior petrolífera do país. A disputa é ainda hoje a mesma de 70 anos atrás: os privatistas não desistiram e continuam sustentando a tese de que a Petrobras estatal não tem condições de manter a exploração do petróleo. Querem a entrega do pré-sal para as petroleiras americanas e, se não forem detidos, proporão a privatização total da Petrobras.
É preciso divulgar amplamente o programa da oposição liberal para o Brasil. A oposição faz política de massa somente com o combate a corrupção de forma claramente seletiva e mantém o debate de programa de governo circunscrito a pequenos círculos formadores de opinião, na cúpula dos partidos, no empresariado, entre economistas e em editorais de jornais. Recentemente o jornal O Globo fez um editorial defendendo o fim da CLT, mas ninguém deve esperar que isto vire manchete do Jornal Nacional. Os economistas do PSDB, o vice-presidente Michel Temer, os líderes dos movimentos de rua são todos liberais, mas escondem suas propostas ultraliberais do povo brasileiro.