Um Brasil com mais igualdade
Praticamente não existe na legislação brasileira dispositivos discriminatórios de gênero, de raça e de orientação sexual. Temos no Brasil um arcabouço jurídico-legal já bastante avançado. Dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, definidos pela Constituição de 1988, está o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Outros artigos da Constituição e diversas leis ordinárias condenam também as práticas discriminatórias. A grande lacuna legal no Brasil continua sendo em relação aos homossexuais: a Constituição e a legislação infraconstitucional, quando condenam as práticas discriminatórias, não mencionam aquelas praticadas contra pessoas em função da orientação sexual, ainda que o Judiciário tenha impulsionado muitos avanços nesta área com base nos princípios constitucionais.
Mas ainda está muito distante a verdadeira igualdade na sociedade. A inexistência de discriminação no plano jurídico-legal não significa que inexista nas práticas sociais. Por isso, é necessária a implementação das políticas de promoção da igualdade. Grande parte da população brasileira só tem acesso ainda a uma cidadania profundamente limitada. Mas existem milhões de outras pessoas que são ainda mais desiguais, sendo duplamente ou triplamente discriminadas, em uma combinação perversa de discriminação econômica, social, política e cultural. São mulheres, homossexuais, negros, idosos, crianças e adolescentes, portadores de deficiência, índios, dentre outros segmentos da sociedade.
Muitas pessoas se apegam ao preceito constitucional de que "todos são iguais perante a lei" para discordar das políticas diferenciadas de promoção da igualdade. Na verdade, a Constituição Federal prevê as políticas diferenciadas, quando voltadas para a promoção da igualdade: "Um dado interessante, no plano das leis nacionais, refere-se à introdução, no sistema jurídico brasileiro, do princípio da discriminação justa e positiva, o que resultou num alargamento substantivo do conteúdo semântico do princípio da igualdade, bem como na ampliação objetiva das obrigações estatais em face do tema. Vale dizer que o sistema constitucional brasileiro correlaciona igualdade e discriminação em duas fórmulas distintas, complementares e enlaçadas em concordância prática: a) veda a discriminação naquelas circunstâncias em que sua ocorrência produziria desigualação e, de outro lado, b) recomenda a discriminação como forma de compensar desigualdades de oportunidades, ou seja, quando tal procedimento se faz necessário para a promoção da igualdade. Este significado binário de evitar desigualação versus promover a igualação, atribui ao princípio da igualdade dois conteúdos igualmente distintos e complementares: a) um conteúdo negativo, que impõe uma obrigação negativa, uma abstenção, um papel passivo, uma obrigação de não-fazer: não discriminar; e b) um conteúdo positivo, que impõe uma obrigação positiva, uma prestação, um papel ativo, uma obrigação a fazer: promover a igualdade" (RELATÓRIO, 2001, páginas 6,7,8).
O combate às práticas discriminatórias precisa ser travado de forma ampla. É preciso agrupá-las naquilo que elas têm de comum, colocando como alternativa a implementação de políticas de promoção da igualdade. "Não há dúvida quanto ao fato de que cada modalidade de discriminação apresenta suas particularidades, como também cada um dos grupamentos vitimizados possuem características que lhes são próprias e, finalmente, os movimentos sociais antidiscriminatórios apresentam formas de atuação, plataformas e identidades políticas distintas. Ainda assim, a conduta discriminatória, seja motivada por orientação sexual, raça ou qualquer outro critério, ofende pelo menos dois bens jurídicos de extrema relevância: a dignidade da pessoa humana e o direito à igualdade. (...) Interessa-nos, portanto, não apenas compreender as causas, o modo de operação e particularidades da discriminação de natureza racial, de gênero, etária, motivada por orientação sexual, doenças ou deficiências, mas sobretudo agrupá-las, de modo que a prática discriminatória seja tomada em seu sentido lato" (INPIR, 1998, página 8).
*Extraído do livro Guia dos Direitos Sociais – de José Prata Araújo