Vale: Prejuízo histórico de R$ 44 bilhões desfaz mito da infalibilidade da gestão privada
Foi um desastre histórico o resultado da Vale no ano de 2015. A empresa teve um prejuízo de R$ 44 bilhões, sem contar qualquer provisionamento para cobrir gastos com reparações do desastre de Mariana, onde a empresa, com uma das controladoras da Samarco, terá que desembolsar R$ 10 bilhões nos próximos anos. Para se ter uma ideia do tamanho do prejuízo, basta dizer que o valor da Vale na Bolsa no início de fevereiro era de apenas R$ 41,9 bilhões.
Nem a mídia empresarial deixou de reconhecer o desastre da Vale em 2015. O Globo: “A queda nos preços de minério deu prejuízo de R$ 44,2 bilhões à Vale em 2015. A mineradora não incluiu na conta possíveis perdas com indenizações pelo acidente em Mariana. O resultado surpreendeu o mercado, que apostava em perda ao redor de R$ 12 bilhões. Em 2014, a empresa teve lucro de R$ 954 milhões”. Valor Econômico: “Nem os analistas mais pessimistas esperavam pelo resultado desastroso divulgado ontem pela Vale, um prejuízo de R$ 44 bilhões em 2015. O desempenho decorre de uma baixa contábil (redução no valor de ativos) que a mineradora foi obrigada a fazer em seu balanço. A empresa foi impactada fortemente pela queda nos preços do minério de ferro, níquel, cobre e carvão. E sofreu ainda o efeito cambial sobre sua dívida em dólares, por causa da desvalorização média de 47% do real no ano passado. O prejuízo, o maior já registrado no país, foi pior que o da Petrobras em 2014, de R$ 21,5 bilhões, quando a estatal foi obrigada a fazer uma baixa contábil de R$ 44 bilhões em razão do escândalo da Lava-Jato”.
Prejuízo da Vale desfaz mito da infalibilidade da gestão privada
No Brasil não temos um debate econômico sério e profundo. Grande parte dos liberais – economistas, mídia, principalmente - não discute economia; é ideologia pura. Venderam a ideia na década de 1990 de que tudo que era estatal era ineficiente e a gestão privada era praticamente infalível. Vejamos como alguns ideólogos erraram redondamente sobre o futuro da Vale. A versão de FHC: “Algumas dessas empresas tiveram um sucesso estrondoso graças ao trabalho que desenvolveram, caso da Vale, hoje controlada basicamente pela Previ e Bradesco”. Revista Veja: “A Vale é um orgulho pelo colosso empresarial que se tornou, principalmente, depois da privatização, em 1997”. Folha de S.Paulo: “A Vale sob ataque especulativo da sanha estatizante é, porém, caso exemplar de privatização bem sucedida (...) Em 1997, quando foi privatizada, a Vale tinha valor de mercado de US$ 8 bilhões e agora US$ 125 bilhões. O lucro líquido foi multiplicado por 29”. São estas algumas das qualidades intrínsecas da gestão privada: “sucesso estrondoso”; “colosso empresarial”; “caso exemplar de privatização bem sucedida”. O prejuízo da Vale de R$ 44 bilhões igual ao valor da empresa na Bolsa de Valores desfaz o mito da infalibilidade da gestão privada.
Vale foi vendida na baixa e foi favorecida pelo boom das commodities
Os números da própria Vale, que divulgamos acima, desmentem categoricamente os ideólogos do neoliberalismo no Brasil. O que alavancou a Vale é que a empresa foi privatizada na baixa das commodities em 1997, quando valia apenas US$ 8 bilhões, teve algum crescimento da produção de minérios de ferro, mas a empresa foi favorecida, sobretudo, pelo boom das commodities no mercado mundial, liderado pela China. O minério de ferro que hoje está cotado ao redor de US$ 40 a tonelada chegou a uma cotação espetacular de US$ 191 em 2011. A lucratividade da empresa foi tão impressionante que o valor pago na privatização da empresa foi durante muitos anos inferior ao seu lucro trimestral. Ou seja, com a privatização, o setor privado se apropriou dos enormes ganhos do boom do minério de ferro durante uma década.
Vejamos os números da tabela cima. Segundo dados da própria Vale, no período de 2003 a 2008, a produção de minério de ferro, principal produto da empresa, aumentou 60%, passando de 188,3 para 301,6 milhões de toneladas métricas. A receita bruta passou de US$ 5,545 bilhões para US$ 38,509 bilhões, uma evolução de 595%. O lucro da Vale, com a explosão dos preços no mercado internacional, subiu, no mesmo período, 753%, passando de US$ 1,548 bilhão em 2003, para US$ 13,218 bilhões em 2008. Assim, os números indicam claramente que a lucratividade da Vale está ligada, acima de tudo, ao comportamento da economia internacional (aumentos do consumo e principalmente dos preços), e não à suposta genialidade de seus dirigentes e controladores. A Vale foi comprada na baixa; durante um longo período de boom da mineração seus lucros trimestrais superavam o seu valor de compra; a empresa foi favorecida pela Lei Kandir com a desoneração das exportações; mas agora enfrenta uma enorme crise. Os lucros foram privatizados, e agora não podemos aceitar que os prejuízos sejam socializados, como no caso da indenização do desastre da Samarco de R$ 20 bilhões, de fato um valor muito alto para uma empresa que tem valor de mercado de apenas R$ 41,9 bilhões.
Quando anunciou o prejuízo histórico de R$ 44 bilhões da Vale, o jornal Valor Econômico estampou na capa os resultados de outras grandes mineradoras do planeta – Rio Tinto, BHP Billiton a Anglo American – que tiveram também prejuízos ainda que em valores inferiores ao da Vale. Mas quando o assunto é Petrobras o diagnóstico é quase sempre o mesmo: o PT destruiu a empresa. Os ideólogos do neoliberalismo – economistas, mídia e oposição – utilizam dois pesos e duas medidas na análise da situação da Vale e da Petrobras.
A tabela acima desfaz muitos mitos. Mitos criados pela análise politizada e ideologizada que se faz no Brasil sobre a crise das grandes empresas. Fala-se que a Petrobras foi destruída pelo governo do PT, quando teve perdas recentes de -85,5%. Quem destruiu então a Vale privada, que teve perdas de -86,99%? E a Gerdau, com perdas de -95,77%, do empresário Jorge Gerdau Johannpeter, que se notabilizou pela “forte atuação na busca pela eficiência e qualidade da gestão nos setores público e privado”. Quem destruiu a Usiminas privada, que está vivendo uma crise histórica? O provincianismo da discussão da política econômica no Brasil não consegue explicar nada da crise de grandes empresas não somente aqui, mas em todo o mundo.
O Presidente do Bradesco Luiz Carlos Trabuco afirma que “solvência e liquidez do mundo corporativo são duas palavras-chaves” para se entender a crise atual. Diz ele: “A volatilidade em razão da China vai continuar e a estabilização das Bolsas, dos preços dos ativos e das commodities vai ser no fundo do poço. Houve uma mudança de patamar, de modelo na China”.(...) “Vai piorar porque a China vai comprar menos e a um preço mais baixo. Na hora do ajuste, isso pode doer mais às suas empresas e ao mundo, pelo peso que a China tem”.(...) Entramos num túnel de grande ajuste. O preço do petróleo está tendo e vai ter um impacto muito mais explosivo do que a desaceleração chinesa. Caiu de US$ 110, US$ 120 para US$ 30. Algumas casas diziam há dias que pode chegar a US$ 20, e aqui ouvi que pode ir a US$ 10. Isso poderá ter impacto também no sistema bancário. Imagine o Canadá, onde o setor é fundamental. Como ficará a indústria do etanol? A do shale gas [gás de xisto]? A Petrobras é ainda mais afetada [que outras companhias], pelos outros problemas que tem. O problema do petróleo bate no risco de crédito das empresas e dos países no mundo todo”.(...) “A crise macroeconômica mundial de commodities pega o Brasil, as corporações brasileiras, mas não sou pessimista quanto à capacidade das empresas de superarem esses desafios. Mas através de margem menor, lucros menores. Então, a solvência e liquidez do mundo corporativo são duas palavras-chave. A crise atual é uma crise diferente da de 2008. É mais do valor dos ativos”.
Endividamento em dólares das empresas é uma ameaça aos bancos
Em matéria do Valor Econômico o economista Desmond Lachman vê um risco "de pelo menos 50%" de que a economia global entre em recessão entre meados deste ano e meados do ano que vem, ressaltando a desaceleração da China e as dificuldade de outros emergentes, como o Brasil e a Rússia. Pesquisador do centro de estudos American Enterprise Institute (AEI), ele destaca a explosão no endividamento das empresas de países em desenvolvimento, que subiu da casa de US$ 10 trilhões para US$ 20 trilhões num espaço de quatro a cinco anos, estimulado pelo longo período de política monetária americana ultraexpansionista. É em função do risco corporativo, na grande maioria de empresas privadas, e da ameaça de uma recessão mundial que as ações dos bancos, sobretudo europeus, vem tendo enormes perdas nas Bolsas de Valores.
Em resumo: a queda dramática do valor das commodities – petróleo, minério de ferro e outros produtos – fez desabar o faturamento de empresas de todos os países que atuam nesta área, a desaceleração e até uma recessão mundial complica ainda mais a vida das empresas e a dolarização fez disparar as dívidas quase sempre contraídas em dólares. Estes são os principais problemas das empresas privadas, como a Vale, e também de empresas públicas como a Petrobras, que, de fato, teve a situação agravada pelas irregularidades cometidas na empresa.